"Mulheres Unidas contra Bolsonaro": muito além do ataque cibernético
por Mariana Abreu, Luana Dorneles e Viviane Gonçalves/Le Monde Diplomatique
Entender o ataque cibernético sofrido pelo grupo "Mulheres Unidas contra Bolsonaro" no sábado, 14 de setembro, é fundamental para compreender como a atitude conservadora ganha novas nuances na era digital, uma vez que tenta deslegitimar as vozes das mulheres, com ofensas e negação de discurso
Dois mil e dezoito, eleições presidenciais no Brasil. Que esta não seria uma disputa tranquila e sem sobressaltos todo mundo já imaginava. Que traria muito dos protestos de 2013 para cá, também. Talvez o que ninguém poderia prever é que 2,5 milhões de mulheres, cis e trans, de direita e de esquerda, brancas e negras, militantes e mais observadoras, fariam muito barulho e incomodariam muita gente.
As manifestações de 2013 fizeram ressurgir os protestos de rua que há muito não se apresentavam tão expressivos no país. Naquele momento, as pautas eram dispersas, algumas conflitantes; havia discursos que propunham romper com o status de representação, ao mesmo tempo em que impeliam partidos e demais organizações políticas a questionar a si mesmos. Com o avanço da Operação Lava Jato, a deflagração do processo de afastamento, a deposição da presidenta Dilma Rousseff e a proposta de Reforma da Previdência, mais e mais manifestações ganharam expressão nas ruas e nas redes. Algumas das pautas apresentadas em 2013 continuam ecoando em 2018, de forma mais intensa e polarizada, como é o caso da rejeição de partidos e organizações políticas tradicionais.
Mas, o que isso tem a ver com o grupo de Facebook "Mulheres Unidas contra Bolsonaro"? "Isso é coisa de feminazi que está com medo de perder os privilégios da esquerda" - podem afirmar alguns. "É uma manifestação democrática e suprapartidária de mulheres, que é legítima e potente" - podem pensar outras. O fato é que essa ação individual, de "amiga convida amiga" (bem própria das construções dos coletivos feministas, no sentido de acolhida e compartilhamento), de foto de perfil que ganha máscara "contra o fascismo", que começou tímida e localizada em junho de 2018, em quatro dias, virou uma explosão de luta e expressão.
O grupo de Facebook não está atrelado a partidos ou movimentos específicos, mas também não há nele rejeição a essas organizações. O que une essas mulheres não é, portanto, algum tipo de instituição, mas um repúdio compartilhado ao candidato Jair Bolsonaro, reconhecido por reproduzir discursos de ódio que atacam, entre vários grupos, as mulheres.
Entendendo a dinâmica de funcionamento do algoritmo das redes sociais, que aumenta a visibilidade de termos muito mencionados, as componentes do grupo - assim como outros atores da esquerda -, evitam nomear o candidato em suas postagens. Dessa maneira, o movimento tem a capacidade de criar vocabulários compartilhados que brincam com o funcionamento das redes, utilizando-se de uma característica dos ativismos da internet: pessoas que fazem adesão individualmente, sem estarem atreladas a qualquer instituição, conseguem se organizar para criar entendimentos e ações coletivas. No caso das mulheres, além dessa habilidade, manifestam-se resistências contra o machismo exacerbado que o candidato demonstra e inspira em alguns atores.
Nesse sentido, a hashtag #EleNão, levantada principalmente pelas mulheres, mas que também recebeu apoio de outros grupos, com o objetivo de negar representação de seus interesses por meio do candidato Jair Bolsonaro, é um exemplo, à medida que grande parte das/os usuárias/os entende quem é "ele", sem que sejam necessárias mais explicações. Isso ocorre com uma variedade de termos como "bozo", "bolso" (ou sua variação em inglês, "pocket"), "bolsobarro", "bono", "bonossauro" e, até mesmo, "Balneário do Camboriú". Qualquer combinação de sons que remeta ao candidato é utilizada e compreendida pelos internautas. E essa se mostrou uma importante estratégia.
Simultaneamente, indo na contramão da proposta das mulheres contrárias a Bolsonaro, e ilustrando o cenário polarizado brasileiro, foram criados grupos de apoio ao político como "Mulheres unidas A FAVOR do Bolsonaro", impulsionados, em especial, por grandes páginas de direita já reconhecidas no Facebook, como "Bolsonaro - Eu Apoio", com cerca de 500 mil curtidas, e "Apoiamos a Operação Lava Jato - Juiz Sérgio Moro", com cerca de 1 milhão de curtidas, por meio de postagens que estimulavam adesão ao grupo. Ainda foram levantadas hashtags de apoio ao candidato, como #MulheresCOMBolsonaro. É curioso observar que, segundo a análise de dados publicada pelo jornal El País, em 16 de setembro, quatro dos cinco perfis de influenciadores políticos digitais - como Rodrigo Moller, fundador do Movimento Brasil Conservador; Professor Igor, mestre em história; e Flávio Bolsonaro, candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro e também filho do candidato à presidência - mais evidenciados na hashtag eram identificados como homens, que trouxeram discursos conservadores e frequentemente irônicos como: "Quando a Globo diz que a mulher não apoia Bolsonaro, ela está se referindo ao Pablo Vittar?".
Entender o ataque cibernético sofrido pelo grupo "Mulheres Unidas contra Bolsonaro" no sábado, 14 de setembro, é fundamental para compreender como a atitude conservadora ganha novas nuances na era digital, uma vez que tenta deslegitimar as vozes das mulheres, com ofensas e negação de discurso. Não foi apenas o nome da página que foi trocado para "Mulheres COM Bolsonaro", mas houve ameaças abertas às administradoras do grupo, que ganharam caráter de intimidação, inclusive com a exposição de dados pessoais, como endereço e documentos, via outras redes sociais, por exemplo, WhatsApp. Durante os ataques, os invasores ainda publicaram a seguinte mensagem: "Anonymous não quer esquerdista! Bando de mulher atoa q nao tem oq fazer" (sic). Desse modo, fica claro que não só as mulheres são alvo desses ataques, mas também toda a agenda em favor de direitos é repudiada e ameaçada.
Trava-se, então, um conflito no espaço digital, intrinsecamente associado pela plataforma à qual se vincula, o que demonstra que novas dinâmicas de ativismo aparecem com novas tecnologias. Em primeiro lugar, ocorrem batalhas entre hashtags, de um lado #mulheresCOMBolsonaro, de outro #EleNão e #meubolsominonsecreto - fazendo referência a um movimento semelhante de 2015 que denunciava abusos sexuais e contradições no comportamento de homens próximos pela tag #meuamigosecreto. Esse fenômeno deixa claro que a visibilidade nas redes tem recursos diferentes das mobilizações sociais que vão às ruas. Se ambos precisam de um número significativo de adesões e formas de demonstrar unidade, os protestos físicos se apoiam no impacto causado pela agregação de vários corpos em um mesmo lugar, cartazes, gritos de guerra, produção de imagens de impacto etc. A internet se sustenta no uso coletivo de tags, na tentativa de colocá-las entre os assuntos mais comentados e na apresentação e confronto de discursos para agregar apoiadores à causa, de forma que também tenha potencial de alterar o curso das eleições por meio dos conflitos que tornam visíveis.
Podemos dizer, também, que a invasão e a troca do nome do grupo por apoiadores do candidato trazem à luz que os atores sociais compreendem que as redes sociais são um importante meio de mobilização e fortalecimento de grupos que ultrapassa barreiras geográficas e de recursos, além de materializar a expressão de recusa à pauta trazida pelas mulheres. A campanha de Bolsonaro foi construída na internet, com amplo suporte a declarações controversas sobre as mulheres e outros grupos marginalizados. Talvez sejam a própria internet e os grupos marginalizados que se fortalecem nela que têm o potencial de gerar instabilidade em sua trajetória eleitoral.
*Mariana Abreu, Luana Dorneles e Viviane Gonçalves, pesquisadoras do Margem - Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça, são, respectivamente, graduanda em Ciências Sociais (UFMG) e bolsista de Iniciação Científica (Fapemig), graduanda em Gestão Pública (UFMG) e bolsista de Iniciação Científica (CNPq) e jornalista, pós-doutoranda em Ciência Política (PDJ/CNPq/UFMG) e doutora em Ciência Política (UnB).
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