Onde Há Sangue nas Ruas: Com Capitalismo, Não Há Paz

Onde Há Sangue nas Ruas: Com Capitalismo, Não Há Paz

 

No mundo hoje, oito indivíduos acumulam tanto dinheiro quanto a metade mais pobre da humanidade, 3,8 bilhões de pessoas

  

"Democracia é dar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um" (Luigi Bellodi)

 

por Edu Montesanti

 

Em 2013, três conceituados cientistas da NASA publicaram um impactante estudo no qual, fundamentando-se em complexos modelos matemáticos, prognosticaram o possível colapso da civilização humana em poucas décadas.  As causas evidenciadas como determinantes para que cientistas da NASA chegassem a tais conclusões foram, principalmente, duas: a insustentável super-exploração humana dos recursos do Planeta e a crescente desigualdade social, ambas justamente as mais fortes características do capitalismo, inerentes à "lógica" deste sistema - que é ilógico, baseado na maximização do lucro, na competitividade e na lei do que mais pode materialmente, não no bem-estar, na solidariedade e na igualdade de direitos.

O World Inequality Report 2018, publicado por economistas liderados pelo francês Thomas Piketty em 14 de dezembro de 2017, constatou que o 1% mais rico do planeta recolheu 27% da renda mundial entre 1980 e 2016, enquanto a metade mais pobre da humanidade ficou com 12% da renda global. A parte 0,1% mais rica da população mundial aumentou a riqueza combinada, tanto quanto os 50% mais pobres - ou 3,8 bilhões de pessoas - desde 1980. Este 0,1% adquiriu 13% da riqueza mundial, e o topo relativo a 0,001% da população global - cerca de 76.000 pessoas - recolheu 4% de todas as novas riquezas criadas desde 1980. 

Jeff Bezoz (Amazon), Bill Gates (Microsoft), Warren Buffett (Berkshire Hathaway), Amancio Ortega (Zara), e Mark Zuckerberg (Facebook), pela ordem os cinco indivíduos mais ricos do planeta, acumulam juntos uma fortuna estimada em 425 bilhões de dólares, riqueza equivalente a um sexto do Produto Interno Bruto do Reino Unido. Segundo o relatório, baseado em exaustivas pesquisas de mais de 100 economistas de mais de 70 países, as causas de tanta desigualdade são globalização e privatização que desregulam a economia das nações, efeito inevitável em um sistema capitalista.

O economista Ladislau Dowbor, professor titular de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, afirma em seu mais recente livro A Era do Capital Improdutivo. A Nova Arquitetura do Poder: Dominação Financeira, Sequestro da Democracia e Destruição do Planeta (Outras Palavras/Autonomia Literária, 2017), que analisa a captura dos processos produtivos e políticos da sociedade mundial pelo capital financeiro:

Estamos destruindo o planeta em proveito de uma minoria, enquanto os recursos necessários ao desenvolvimento sustentável e equilibrado são esterilizados pelo sistema financeiro mundial. (...) Quando oito indivíduos são donos de mais riqueza do que a metade da população mundial, enquanto 800 milhões de pessoas passam fome, achar que o sistema está dando certo é prova de cegueira mental avançada.


De acordo com o escritor esloveno Slavoj Žižek, o capitalismo só funciona à medida em que se fundamenta na existência de dois grupos sociais, o dos "incluídos" e o dos "excluídos". Se não fosse assim, isto é, se o sistema capitalista fosse benéfico às massas trabalhadoras, tratados como TPP, TISA e TTIP, estágios mais avançados das leis do mercado que submetem toda a sociedade e até recursos naturais como água e ar aos interesses financeiros (a ditadura do mercado), não estariam sendo discutidos secretamente pelos poucos tomadores de decisão internacionais. Porém, conforme dizia o jornalista inglês George Orwell (1903-1950), "enxergar o que está diante do nosso nariz exige um esforço constante".

Observou o mensal Tribuna Popular da Venezuela, em dezembro de 2014:

O capitalismo é baseado em crescer ou perder, o que significa dizer que se o capital não cresce, a burguesia não acumula. 
A questão é que o acúmulo do capital é limitado. Assim, a contradição que emana do capitalismo em sua fase imperialista é 
insolúvel em seu próprio marco. Disto se compreende a lógica depredatória e agressiva do capitalismo.

E isso não é uma questão de maldade e nem de distúrbio mental de alguns capitalistas, mas a lógica do 
próprio capital, que na morte e no saqueio dos nossos povos cifra seu acúmulo. Mas, ainda assim, não 
pode solucionar sua contradição: a contradição que o desenvolve e o coloca em xeque.


Segundo reportagem do Instituto Humanitas Unisinos de 25 de junho de 2014, em entrevista com o economista francês Gaël Giraud:

Os mais ricos, independentemente dos países, são os que mais poluem o planeta causando, 
portanto, a destruição do clima e da biodiversidade, o que resulta em processo de desumanização.

Aponta Giraud: '(...) Na atualidade, uma pequena centena de pessoas no mundo possui riqueza equivalente à metade da humanidade. 
(...) A miséria afunda os mais pobres num inferno, e a ultra-riqueza isola os mais ricos num gueto separado do resto da humanidade, 
em pânico de perderem o seu conforto, incapazes de participar de um projeto histórico e político que ultrapasse as dimensões que 
são próximas da sua vida de luxo. Praticar justiça é uma libertação não somente das vítimas, mas também dos carrascos'.

 

Capitalismo Travestido de Papai Noel


Os carrascos mencionados por Giraud podem ser exemplificados no emblemático fato de que com a atual crise financeira, iniciada em 2007 - mais acentuada do mundo pós-Grande Depressão de 1929 que, há 88 anos, jogou milhões e milhões de famílias às ruas em todo o mundo -, apenas os bancos centrais de Estados Unidos, União Europeia e Grã Bretanha, já lucraram 9,8 trilhões de dólares até agosto de 2017. 

Enquanto isso, nos Estados Unidos e na Grã Bretanha o padrão de vida tem caído vertiginosamente, aos piores índices desde que ambos os países passaram a registrá-lo, em 1950. 

No caso dos EUA, quatro em cada cinco pessoas, ou 80% da população vive próxima à linha da pobreza. Já se somam 46 milhões de pobres, ou 15% da população além de mais de 1,6 milhões de lares que abrigam cerca de 3,5 milhões de crianças em situação de pobreza extrema, totalizando mais de 20 milhões de pessoas, 6.7% da população nacional nesta situação. Ao todo, são hoje 800 mil "sem-teto" naquele território de acordo com números oficiais do censo dos EUA (leia 4 in 5 in USA Face Near-Poverty, No Work, em USA Today, e Ochocientos Mil Personas "Sin Techo"' en Estados Unidos, na Telesur).

Uma em cada oito famílias passa fome no Império em vertiginosa decadência (outro sítio norte-americano como fonte). 40% de crianças encontram-se em estado de pobreza sem condições, portanto, de estudar. Total: 16 milhões de pequenos famintos (leia Poverty Is Killing Us, A Pobreza Está Nos Matando, no sítio norte-americano Truth Out). 633.782 cidadãos amontoam-se nas ruas no centro do capitalismo mundial (a fonte é outro sítio norte-americano, Front Steps em US Homeless Facts). A taxa de suicídio no berço do capital - do ódio racial, regional, de sexo, gênero e de classe - é hoje a maior em 30 anos. O motivo? Crescimento vertiginoso da pobreza, desesperança e má saúde dos cidadãos.

Após a literal falência da cidade de Detroit no estado de Michigan em 2013, ex-capital mundial dos automóveis que, previamente ao seu fim, privatizou até as escolas e acabou assistindo moradores locais denunciar, "não temos democracia!", em dezembro de 2017 o australiano Philip Alston, relator da ONU sobre Pobreza e Direitos Humanos e professor de Direito da Universidade de Nova Iorque, assustou-se com a situação do estado norte-americano do Alabama, miséria rara no Primeiro Mundo segundo o enviado das Nações Unidas cujo ofício é observar locais ao redor do mundo atingidos pela pobreza extrema. 

"No condado de Lowndes, região rural Alabama, vi casas que não estão ligadas a sistemas públicos de esgoto, cujos donos não conseguem instalar fossas sépticas. Muitos recorrem a escavações de valas e águas residuais diretas a poucos metros das casas, colocando em sérios riscos a saúde", constatou então Alston, em visita ao estado situado no sudeste dos Estados Unidos. 

A 20 km de Montgomery, capital do Alabama, Lowndes tem registrado frequentes casos de infecção de escherichia coli e de ancilostomíase, parasitas associadas à pobreza extrema que se pensava terem sido erradicadas no país há mais de 100 anos. "A esperança é que daremos atenção a esses problemas, da mesma maneira que prestamos a pessoas torturadas", afirmou o enviado especial da ONU a um residente do condado de Betlon, próximo a Lowndes. 

De acordo com o especialista, em pronunciamento oficial dias depois da visita ao Alabama finalizando a viagem de 15 dias pelos Estados Unidos onde visitou também Los Angeles, San Francisco, Georgia, Porto Rico and Virginia Ocidental, a pobreza já enraizada na sociedade norte-americana tenderá a piorar ainda mais nos Estados Unidos diante da política da administração de Donald Trump, baseada no corte de impostos aos mais ricos e na retirada de políticas de bem-estar social, espinha dorsal do livre-mercado irrestrito (neoliberalismo) que, certamente, levará o país a se tornar o mais desigual do mundo em pouco tempo. "Aumentará consideravelmente os já altos níveis de riqueza e desigualdade de renda entre o um por cento mais rico, e os 50 por cento mais pobres entre os norte-americanos".

"O sonho norte-americano está, rapidamente, tornando-se a ilusão norte-americana, já que os Estados Unidos têm a menor taxa de mobilidade social entre todos os países ricos", afirmou ele. Segundo Alston, o autodeclarado "excepcionalismo" estadunidense tem sido parte de muitas de suas conversas, ao mesmo tempo em que ele constata que ao invés de perceber esses compromissos na prática, "os Estados Unidos de hoje provam ser excepcionais em caminhos muito mais problemáticos que estão, estranhamente, em desacordo com sua imensa riqueza e com seu compromisso fundamental com os direitos humanos".

E acrescentou o relator da ONU: "Não há outro país desenvolvido onde tantos eleitores estejam privados de direitos, e tão poucos eleitores pobres ainda se importam em ir às urnas". 

O próprio FMI (Fundo Monetário Internacional) admitiu, em sua revista de junho de 2016, que o neoliberalismo é um fracasso em termos de distribuição de riqueza. Alguns dos principais economistas do Fundo, Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani e Davide Furceri, afirmaram então: "Ao invés de produzir crescimento, algumas políticas neoliberais têm aumentado a desigualdade, por sua vez colocando em risco a expansão duradoura".

Um pouco antes, no mesmo mês daquele ano a jornalista canadense Naomi Klein apontou: "Se olharmos para a história dos primeiros lugares onde o neoliberalismo foi imposto, ele foi imposto exatamente no oposto [do que nos é dito]: foi necessária uma derrubada da democracia para que ele se desenvolvesse". 


Já na ilha situada no Mar do Norte europeu, o padrão de vida só deverá retornar aos níveis pré-2008 - se é que isso vai acontecer - de 2060 em diante, de acordo com o britânico Institute for Fiscal Studies. Ali, cerca de quatro milhões de crianças vivem abaixo da linha da pobreza (leia Children at food banks: The Reality of Britain's Food Poverty Crisis, no jornal britânico The Independent).

A alguns meses da Grande Depressão de 1929, pior crise capitalista da história iniciada nos Estados Unidos que vivia, então, em estágio avançado do liberalismo econômico baseado no livre mercado irrestrito, o presidente estadunidense Calvin Coolidge fez este pronunciamento no Congresso de seu país, exatamente em 4 de dezembro de 1928:

Nenhum Congresso dos Estados Unidos já reunido, ao examinar o Estado da União, encontrou uma perspectiva mais agradável que a de hoje [...]. A grande riqueza criada por nossa empresa e indústria, e poupada por nossa economia, teve a mais ampla distribuição entre nosso povo, e corre como um rio a servir a caridade e aos negócios do mundo. As demandas da exist~encia passaram do padrão da necessidade para a região do luxo. A produção que aumenta é consumida por uma crescente demanda interna e um comércio exterior em expansão. O país pode encarar o presente com satisfação, e prever o futuro com otimismo.


Foi em meio a esse clima de sensação de prosperidade inesgotável que teve origem a auto-sugestão otimista do psicólogo francês Émile Coúe (1857-1926): "Todos os dias, sob todos os aspectos, estou ficando cada vez melhor".

Pois em 24 de outubro do ano seguinte a fome, as doenças e o desemprego generalizado como consequência das leis do mercado irrestrito golpearam em cheio a nação que, até hoje, se crê predestinada por Deus para salvar a humanidade com seu Estilo de Vida Americano(American Way of Life), através do qual as famílias do país alcançavam a felicidade por meio do consumismo, especialmente de produtos industrializados tais como rádios, eletrodomésticos, aspirador de pó, comida enlatada, carro próprio, etc. A Grande Depressão acabou contagiando o mundo todo, não poupando absolutamente ninguém do desastre econômico que perdurou por muitos anos.

No caso particular do Brasil, a crise internacional instalada a partir de 2007 permitiu uma concentração bancária ainda maior em relação aos lucros - o que explica a crise financeira iniciada no País em 2015: de lá para cá, os quatro maiores bancos nacionais - Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Itaú e Bradesco -, que detinham então metade do mercado, passaram a deter três quartos em 2017 segundo o jornal especializado Valor Econômico, de 25 de outubro deste ano. 

De 2007 a 2012 o lucro dos três últimos bancos foi de nada menos que R$ 56 bilhões, e isso sem prodzir absolutamente nada, sem nenhum compromisso social como, por exemplo, nenhum centavo para a agricultura familiar, para a habitação popular, para a educação, etc - eis o que se chama de financeirização da economia, só possível, na vedade inevitável no sistema capitalista baseado no livre-mercado irrestrito.

Invasões, Guerras e Narcotráfico: Sustentáculos do Capitalismo


E não apenas as crises capitalistas, mas as próprias guerras são, historicamente, um grande negócio para as elites globais em cima da desgraça coletiva. Guerras e sistema bancário que funcionam como o "coração" do sistema capitalista, sempre "rindo á toa" das piores crises mundiais e sem os quais o capitalismo já teria falido, há muitas décadas.

Enquanto apenas os Estados Unidos gastaram cerca de 600 bilhões de dólares em defesa apenas em 2017, neste ano as 100 principais empresas de armamntistas do mundo venderam um valor estimado em 307,7 bilhões de dólares em armas (20 Companies Profiting the Most from War). 

No caso dos dones, a mais nova tecnologia de matar que tem se tornado a preferida dos Estados Unidos em suas "intervenções humanitárias" mundo afora, os lucros também são exorbitantes às empresas especializadas em guerra. Cada Predator produzido pela General Atomics, tão elogiado por Barack Obama pela capacidade de bombardear, custa 4,5 milhões de dólares à Força Aérea dos Estados Unidos. Já o míssil Hellfire que vai acoplado ao Predator, fabricado pela Lockheed Martin, custa 110 mil dólares cada um. 

Os cerca de 400 ataques com drones ao Paquistão que mataram entre 2 mil e 3 mil pessoas entre 2002 e 2017, custaram de 33 milhões 44 milhões de dólares de acordo com informações de Robotenomics (US Military To Spend $23.9 Billion on Drones and Unmanned Systems) e Mother Jones (Drones: Everything You Ever Wanted to Know But Were Always Afraid to Ask). 

Apenas um sistema perverso como este seria capaz de tornar regiões outrora as mais ricas da América Latina (tais como o Nordeste brasileiro, Potosi na Bolívia e partes de Colômbia, Peru e América Central), exatamente nas mais pobres da região hoje devido, sobretudo, ao uso intensivo da terra, ao extrativismo e à mercantilização dos recursos naturais - além, é claro, do extermínio dos povos originários em nome do "progresso" e da competitividade que se apoia na lei do mais forte, essência do capitalismo. 

Dentre estes casos de povos ricos levados à miséria pelos donos do capital internacional, merece destaque o Paraguai que, em meados do século XIX, emergia como grande potência latino-americana do ponto de vista econômico e cultural: auto-suficiente em produção e estável politicamente, a única nação (até hoje) bilíngue de continente latino-americano era absolutamente independente, e enviava anualmente centenas de jovens às melhores universidades europeias, fato inaceitável ao mesmo Império britânico que, décadas antes, havia promovido a "independência" da região em busca da ampliação de seu mercado, de maior exploração da mão-de-obra e das riquezas naturais já sem os fantoches portugueses, e os moribundos imperialistas espanhois. 

Pois a Inglaterra transformou o líder guarani Francisco Solano López no bandido, ditador e expansionista obsessivo que jamais fora. Baseada nisso, a potência europeia incitou Argentina, Brasil e Uruguai a invadir e dizimar o vizinho rioplatense, tornando-o um dos mais pobres do continente e até do mundo após seis anos de genocídio (1864-1870), apesar da riqueza natural e cultural paraguaia que, em parte, sobrevive até os dias de hoje mesmo tendo o Paraguai sido, há um século e meio, literal e impiedosamente jogado ao chão: 94% dos cidadãos dos sexo masculino foram assassinados. Quando não havia mais homens adultos para combater, os poucos meninos que restavam vivos dispuseram-se a defender o pouco que sobrava do seu povo e foram, voluntariamente e praticamente sem armas, ao campo de batalha, niños combatientes igualmente mortos pela Tríplice Aliança apenas para resumir o que foi o maior genocídio da história da "América independente", em nome do "progresso", i. e., interesses do capital (leia resenha do livro Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai, do historiador brasileiro José Julio Chiavenato, obra tão indispensável quanto proibida na Biblioteca Nacional do Brasil e no conteúdo dos vestibulares, País afora).

O mesmo ocorre no naturalmente rico continente africano, com muito mais recursos naturais que Europa, América do Norte e Japão, porém transformado em terra miserável devido aos seculares interesses do capital naquela região: concorrência, privatizações inclusive dos recursos naturais, e toda a exploração e pilhagem (interna e, sobretudo, estrangeira) decorrentes do sistema de livre-mercado. E mais um fato ironicamente emblemático do capitalismo: os países da África mais ricos em minérios são exatamente os mais pobres inclusive em democracia, tais como Angola, Libéria, Congo, Costa do Marfim, Ruanda e Serra Leoa, entre outros.

As invasões e genocídios de povos praticamente por completo também têm sido a alma, garantia da sobrevivência do sistema capitalista. Entre 1846, desde a invasão ao México até a intervenção na Colômbia em 2000, somam-se 47 intervenções militares diretas dos Estados Unidos na América Latina, sem contar as indiretas que, arquitetadas e financiadas pela CIA, derrubaram presidentes democraticamente eleitos, amplamente apoiados pelas sociedades locais e sem nenhum caso comprovado de envolvimento em corrupção.

Outro vilão tão cruel quanto parte integrante do sistema capitalista, que garante sua sobrevivência é o narcotráfico mundial pela movimentação de trilhões de dólares anualmente, além de fornecer justificativa para a criação artificial de inimigos e a consequente legitimação das próprias invasões e guerras - exatamente esse argumento foi utilizado por Washington, para a invasão à Colômbia em 2000, mencionada acima.

"Somoza pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta", disse em 1936 o então presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, do ditador nicaraguense Anastasio ("Tacho") Somoza García. Pois esta frase ilustra perfeitamente como se dá o jogo sujo nos porões do poder global. Ao longo de todo o século XX, e agora neste primeiro quarto de século XXI, o financiamento imperialista de ditadores e de movimentos sociais de fachada através do narcotráfico tem sido a tônica cada vez mais evidenciada, por documentos e testemunhos oficiais. 

Se o escândalo conhecido como Irã-Contras que envolveu um dos principais porta-vozes do neoliberalismo, Ronald Reagan, foi o ícone dos anos de 1980 no que diz respeito aos "senhores da droga global" além do amplo tráfico de armas aos "guardiães da liberdade" segundo os donos do capitalismo, neste novo século o inofensivo Afeganistão supostamente invadido pela potência mundial para combater o terror, tem assistido a uma ascensão meteórica da produçãod e ópio, do qual se produz a heroína: atualmente 93% do produtor mundial de ópio, o país do Sul Asiático que às vésperas da ocupação dos Estados Unidos em outubro de 2001 produzia 180 toneladas da planta, em franco declínio desde que os próprios norte-americanos deixaram o país em 1988, em 2016, teve a produção dramaticamente aumentada em cerca de 25 vezes, para 4.800 toneladas, segundo relatório anual do Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime intitulado Afghanistan Opium Survey 2016. E a fim de explicar as "coincidências", tem vindo à tona evidências de que a CIA financia ao longo destes anos os maiores traficantes de drogas afegãos.

Não por mero acaso, justamente a sociedade norte-americana é a maior consumidora de drogas do mundo, enquanto a CIA é a maior narcotraficante global - espalhando entorpecentes, sobretudo, entre nações consideradas inimigas dos EUA - e principal importadora de drogas ao território estadunidense onde, entre 2002 e 2013, apenas o consumo de heroína aumentou nada menos que 63%. Com um importante detalhe, conforme observou Douglas Valentine em outubro de 2017, no Global Research: "A heroína contrabandeada por "pessoas da CIA" nos EUA foi canalizada pelos distribuidores da Mafia principalmente para as comunidades afro-americanas. Os agentes narcóticos locais visavam os negros desprotegidos como forma fácil de preservar os privilégios da classe dominante branca", (Narcotics and Covert Intelligence: How the CIA Commandeered the "War on Drugs"). 

Pois a tal "Guerra às Drogas trata-se de mais um belo exemplo da criação de problemas para posterior venda de soluções do sistema capitalista: fortíssima fonte de bilionários lucros anuais, estatas e de grandes empresas privadas, em grande parte pertencentes aos donos do poder político. Nos 40 anos que se estenderam de 1972 a 2012, apenas os Estados Unidos lucraram em mais de 1 trilhão de dólares com a "Guerra às Drogas" global. 

Segundo Valentine: "A Guerra às Drogas é, em grande parte, uma projeção de duas coisas: o racismo que definiu os Estados Unidos da América desde sua fundação, e a política governamental de permitir que os aliados políticos pratiquem o narcóticos. Essas políticas não declaradas, mas oficiais, reforçam a crença entre a CIA e as autoridades responsáveis ​por meio da aplicação da Lei de Drogas, que a Declaração de Direitos é um obstáculo para a segurança nacional" (ibidem).

De acordo com os pesquisadores australianos, Mary Ellen Harrod, diretora da NSW Users and AIDS Association and Treasurer of the Australian Injecting and Illicit Drug Users League, e Samuel R Friedman do National Institute on Drug Abuse, "a expansão dos mercados de substâncias psicoativas foi uma iniciativa estratégica das empresas europeias no desenvolvimento do capitalismo, da escravidão e do imperialismo. Inicialmente, não havia mercados ilícitos, mas as indústrias lícitas incluíam a indústria crítica de açúcar (e rum) no Haiti, na Jamaica, na Colômbia e em outros países, e a indústria do tabaco no sul dos EUA". 

Os pesquisadores explicam também que a aplicação da força militar para expandir o mercado do ópio na China durante as Guerras do Ópio, foram exemplo do projeto conjunto das empresas envolvidas, dos Estados capitalistas em questão. "A força e, em alguns casos, o tráfico de escravos, foram utilizados para criar e fazer cumprir as relações sociais de produção nas indústrias de chá, café, açúcar e tabaco. No caso do Haiti, isso levou a uma revolução de escravos com repercussões globais".

Ambos trazem a realidade contemporânea, inclusive da América Latina: "A Guerra às drogas também facilita a obtenção de lucros, tornando mais fácil desarraigar os camponeses e os agricultores da terra para que possa ser usado para extrair petróleo, gás ou minerais; os agricultores deslocados devem se deslocar para as cidades e se tornarem parte da classe trabalhadora explorada ou da força de trabalho de reserva não atualmente explorada lá".

Ao observar que junto de sua maior necessidade, a classe trabalhadora, o desenvolvimento do sistema capitalista trouxe paradoxalmente sua maior ameaça pela exploração das massas, muitos trabalhadores acabaram fazendo uso de substâncias psicoativas como alívio à degradaçã social da qual eram vítimas, e até como força de sustentação para a realização das duras atividades laborais a que eram submetidas. "Alguns, tendo em vista a exclusão do trabalho legal, voltaram-se à venda de drogas e outras atividades econômicas clandestinas, para a própria sobrevivência."

Marry Ellen e Friedman apontam também que as classes dominantes e o Estado acabam criminalizando o uso das drogas como estratégia de dominação que, ao interagir com outras formas de acúmulo de poder, "divide para dominar". "A maneira como os políticos e alguns pregadores usam a Guerras às Drogas para acirrar o racismo e o sexismo. O atual encarceramento em massa de afroamericanos - muitos dos quais estão presos por crimes não relacionados com drogas, outra manifestação de como a Guerra às Drogas e do racismo trabalhando em conjunto - é resultado disso". Para eles, o próprio crescimento no número e no abuso do poder policial é mais um subproduto da Guerra às Drogas capitalista. "Criticamente, o capitalismo e o Estado tentam silenciar aqueles que oprimem, exploram ou destroem". (A History of the 'War on Drugs': How Capitalism Profits from Prohibition).

Tudo isso, lucros exorbitantes de uma ínfima minoria sobre as crises econômicas e promoção de guerras e tráfico de drogas como outra fonte de lucros e instrumento de de enfraquecimento das sociedades, é natural e inevitável no impiedoso sistema capitalista, sendo na prática inviável uma reforma através da chamada social-democracia, baseada na democracia representativa: o poder do dinheiro sempre acaba falando mais alto, conforme temos visto em nossos dias e através de toda a história do capitalismo, dentro do qual o Estado vive muito mais em função do que é capaz de subtrair financeiramente do indivíduo a fim de sobreviver e sustentar seu poder baseado em seu inevitável aparelhamento e no jogo de interesses, que voltado à construção da cidadania e do bem-estar social.

Resume perfeitamente este sistema perverso por natureza, capaz apenas de enganar os mais incautos, o velho ditado de Wall Street: "Invista onde há sangue nas ruas".

Capitalismo 5 - 0 Futebol


Outro exemplo bastante evidente da perversidade inerentemente degragante do sistema capitalista, deploravelmente redutor da existência no planeta, pode ser facilmente entendido a seguir por dizer respeito à tão declarada paixão global: envolve o nível vertiginosamente descendente do futebol mundial, há mais de três décadas. 

Esta modalidade esportiva começou a se transformar, proporcionalmente muito mais que as outras no mesmo período, em um bilionário negócio transnacional, fonte de lucro fácil e exorbitante para empresários e dirigentes a partir do final dos anos de 1970 e início dos de 1980 através, sobretudo, das negociações em massa de jogadores ao exterior especialmente os do chamado Terceiro Mundo, particularmente atletas sul-americanos, exportados aos financeiramente poderosos clubes europeus.

Concomitantemente, e nem poderia ser diferente, acabou florescendo também a indústria do marketing esportivo como complemento a este emergente mercado que "revolucionava" o futebol mundial, transformando a tudo e a todos - inclusive atletas - em meras marcas esportivas a serem exploradas pela mídia e por empresários, produtos comercializáveis acima de tudo ainda que se tratassem de vidas humanas. 

A alma do marketing esportivo, que acabou virando até carreira universitária no início do século XXI, é vender marcas, imagens de atletas e de clubes de futebol ao público e ao próprio mercado, é claro. Alguém já notou que grandes pernas-de-pau, clubes falidos, desorganizados e dirigentes de futebol dos mais incompetentes e picaretas em muitos casos são, "misteriosamente", idolatrados por jornalistas e alguns tietes a mais? Pois é. Trata-se da elitização bandida e completamente ilusória do futebol, no sentido que nem sempre - ou na minoria das vezes, até - premia o melhor, mas inevitavelmente os interesses do mercado.

Diante disso tudo, o assunto principal dos "debates" futebolísticos contemporâneos (igualmente empobrecidos pelo sistema) já não era mais a graça do futebol, o bem-estar de atletas e torcedores, a justa elaboração de torneios e calendários das competições esportivas, mas sim como estes poderiam melhor se adequar ao lucro financeiro. 

O foco passou a ser o quanto o futebol pode ser rendoso aos burocratas que regem o esporte, a empresários de atletas e de marcas esportivas, e aos principais meios de comunicação em nada preocupados com a qualidade dos espetáculos esportivos em primeiro lugar, passando desapercebido do grande público o quanto o futebol tem se nivelado por baixo, cada vez mais.

Não por mera coincidência, já em meados da década de 1980 o mundo passou a assistir desoladamente à queda vertiginosa da qualidade dos jogos de futebol, vendo logo sua denominada era romântica que se estendia por quase meio século, desmanchar-se no ar. Tal ciclo foi encerrado na Copa do Mundo do México em 1986, com o futebol já em visível decadência técnica.

No caso particular do Brasil, logo em maio de 1985 já se sentia os efeitos nefastos da globalização do mercado do futebol: enquanto se preparava para o Mundial do ano seguinte com Evaristo de Macedo no comando técnico, entre uma série de jogos sofríveis veio a primeira derrota da história para a então fraquíssima Colômbia, até então sem nenhuma tradição no futebol sul-americano: 1-0 em Bogotá, onde a seleção "canarinho" levou um "vareio". Ali, sinais bastante claros já eram dados de que o futebol estava se nivelando por baixo e o Brasil viria a colecionar, nos anos seguintes, derrotas inéditas no cenário esportivo internacional. 

Eis que após uma participação com bons jogos na Copa do México no ano seguinte, quando o Brasil do brilhante técnico Telê Santana em determinados momentos fez lembrar o futebol espetáculo de anos anteriores, tendo perdido injustamente nos pênaltis para a boa França, veio a Copa América de 1987 no Chile: a melancólica participação da "amarelinha", que já havia desfilado como melhor seleção do mundo por várias décadas, foi finalizada pela primeira vez na história ainda na primeira fase com estrondosa, vergonhosa derrota para os donos da casa:4-0 para os chilenos. 

A Copa seguinte, em 1990 na Itália, do primeiro ao último jogo marcou o início da nova era de apresentações futebolísticas patéticas, sem a menor graça em sua grande maioria que em nada lembravam um passado que enchia os olhos e os corações de paixão em todo o mundo. Mesmo naqueles que outrora se haviam consagrado como grandes clássicos mundiais, já se havia instalado a melancolia dentro de campo paralelamente ao notável desfile de interesses mercadológicos, que afetavam diretamente a qualidade dos jogos e, paradoxalmente, retiravam o interesse público das próprias competições. 

Nas Eliminatórias de 1993 para a Copa do ano seguinte, a ser disputada nos Estados Unidos, também marcada pelo baixo nível técnico, outra derrota histórica do Brasl: 2-0 para a fragilíssima Bolívia em La Paz; mais uma apresentação de uma longa série, para trás e adiante, que em nada fazia lembrar a velha seleção brasileira a não ser a cor do uniforme. E mais: o Brasil, sempre muito forte politicamente junto à dona FIFA dos negócios tão bilionários quanto obscuros, recebeu naquela competição, como é tradicional na história, uma mão bastante amiga das arbitragens para chegar à disputa nos EUA, o que se repetiria gritantemente em Eliminatórias posteriores.

Um relance interno: quem não se lembra - e sente saudades - dos campeonatos estaduais até meados da década de 1980, especialmente do Paulista com seus belos clássicos e jogos pelo interior do Estado? Guarani, Ponte Preta, Bragantino, Inter de Limeira, Ferroviária, São Bento, Taubaté, XV de Piracicaba, Portuguesa Santista, XV de Jaú, América, Juventus, Paulista, Noroeste, Marília, Santo André, São José, Botafogo, Comercial, Taquaritinga, Francana, Prudentina, União São João, Ituano, Novorizontino, Rio Branco, Mogi-Mirim... Como eram apaixonantes aqueles jogos, e o quanto era complicado a qualquer equipe grande, de São Paulo e do Brasil, jogar contra esses clubes! E quantos jogadores cada um desses clubes revelou ao longo da história! Um tempo que, lamentavelmente, já se foi há muito.

Saindo novamente das fronteiras esportivas brasileiras: a Taça Libertadores dos anos de 1960, 70 e 80, que reunia apenas campeão e vice de cada país sul-americano, era outro espetáculo à parte, jogo a jogo. Outra saudosa paixão, por mais que de vários anos para cá, exatamente em nome dos interesses financeiros, inchem a competiççao continental com jogos caça-níquies, sem a menor graça mesmo envolvendo os históricos grandes clássicos.

E essa tendência apenas piora ano a ano tanto quanto, claro sinal dos tempos, a empáfia desses atletas-produtos contemporâneos cujas "personalidades" não fazem, em nada, lembrar aquelas dos jogadores das épocas áureas do futebol quando dava gosto ouvi-los falar, era prazeroso conversar e ouvir entrevistas de atletas daquela época à áltura da paixão com que jogavam bola (Zico, Sócrates, Falcão, Pita, Zenon, Casagrande, Basílio, Edu Marangon, Careca, Silas, Ademir da Guia, Dudu, Afonsinho, Luís Pereira, Evair, Pelé, Murici Ramalho, Chicão, Leandro, Andrade, Júnior, Roberto Dinamite, João Leite, Reynaldo, Oscar, Dario Pereyra, Rivellino, Tostão, Gerson, Carlos Alberto Torres, Jairzinho, Clodoaldo, Nilton Santos, Zagallo, Zito, Garrincha, Bellini etc), entristecendo ao se fazer uma comparação com as figuras dos perfeitos idiotas dos tempos atuais.

Neste contexto, chega a ser cômico imaginar que possa haver o propalado "amor à camisa" por parte de jogadores aos seus respectivos clubes - até isso, diante do quanto o sistema perverso atingiu o futebol, em enorme medida mais uma jogada de maketing cada vez menos utilizada pelo evidente ridículo que representa.

Vale ressaltar que também se deve ao sistema capitalista a feroz briga entre jornalistas esportivos pelo famoso jabá, isto é, uma porcentagem financeira "presenteada" por empresários e cartolas àqueles que valorizam, artificialmente, seus atletas de estimação em comentários na TV, no rádio e na mídia impressa, cada vez que uma negociação é efetivada. 

E a própria qualidade dos jornalistas acabou afetada por essa maximização do capitalismo no esporte: são simplesmente incomparáveis os grandes especialistas em futebol do passado - com alguns remanescentes hoje, tais como como Jorge Kajuru, José Trajano e Juca Kfouri -, que além da maestria em analisar a modalidade esportiva ainda colocavam no contexto de suas ideiais questões políticas e sociais como deve ser, enquanto os aloprados do presente, panfletários e polemizadores mais rasos que palram o dia inteirinho sobre futebol, não acrescentam absolutamente nada a não ser expor sua própria imbecilidade, a mais evidente ausência da visão de mundo e do próprio esporte inversamente proporcional aos amplos conhecimentos de marketing esportivo, e muitos números que pouco ou nada dizem da prática dentro de campo. 

E como esporte tem tudo a ver com sociedade e política, conforme o óbvio sugerido acima, tal sistema ratificado por jornalistas alienados e elitistas acaba também retirando a identidade nacional do futebol, além de afastar os setores populares, as massas de torcedores apaixonados dos estádios, transformados em "arenas" com shopping centers, boates etc.

A Patologia do Poder


Voltou a estar em moda, da maneira mais patética revivendo os anos de maior tensão da Guerra Fria de péssima memória, o drama moral de Bem contra o Mal por parte dos fanáticos teólogos seculares do livre mercado irrestriro que tacham de "terrorista", "pedófilo", "contra os valores morais e da família" qualquer indivíduo que "ouse" se dispor a pensar em uma perspectiva para o futuro que vá além do capitalismo. 

Além da profunda imbecilidade que reside neste discurso agressivo, por si só, está o fato de que já em determinadas épocas da Guerra Fria, mesmo em seu auge e especialmente dos anos de 1980, não fazia o menor sentido este discurso polarizador, era algo que não se sustentava por mais que tentassem utilizar-se deste artifício para alcançar seus obscuros fins, do qual apenas os mais incautos acabavam - e acabam - sendo vítimas.

Não se trata de mera coincidência que esses mesmos justiceiros histéricos que padecem de algo como esquizofrenia democrática, sejam os que mais se esqueçam dos piores crimes contra a humanidade em nome do mesmo sistema que defendem como única alternativa de liberdade e justiça à humanidade. 

A desonestidade intelectual deste setor cegado e embebido em fanatismo, é incapaz de perceber que o "raciocínio" que apregoa que quem considera alternativas ao capitalismo está defendendo, por exemplo, o genocídio de Stalin ou regimes e atos condenáveis deste tipo, levaria a considerar, então, que quem defende tolerância religiosa em relação aos islamitas está defendendo organizações terroristas como Taliban, Estado Islamita e Al-Qaeda: um completo absurdo, evidentemente.

O falso moralismo, com forte apelo maniquesísta e sempre de mãos dadas com a agressividade e a mentira, costuma ser o principal refúgio dos espíritos retrógrados a fim de tentar disfarçar a ignorancia e o péssimo caráter de sua essência. Adolf Hitler, entre outros tantos crápulas capitalistas, usaram e abusaram deste artifício para impor seu império do medo e da opressão criando inimigos que, na grande maioria das vezes, não existia. Alguma semelhança com o Império capitalista de turno? Pois é.

Isso tudo para que as classes dominantes tenham garantidos seus privilégios, para que tenham, elas sim, total liberdade em usurpar um Estado cujas estruturas excludentes criadas por essas mesmas classes, possuem, estas sim, lógica bastante simples: excluir a maioria para assegurar o acúmulo de riquezas desta ínfima minoria já que, simples matemática, o excesso de alguns depende da escassez da multidão. 

Sintetizou bem a perversa e básica equação capitalista Terry Boyland, proprietário da empresa CPQi, prestadora de serviços de tecnologia a bancos na América Latina, na reunião da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos em Nova York, no início de outubro de 2017: "Então quer dizer que ainda não vamos poder reduzir salários? Isso é a coisa mais anticapitalista que existe". 

Boyland expôs, em poucas palavras, que o capitalismo é a liberdade do alto empresariado e dos políticos, garante caminho livre para a usurpação do poder sobre massas oprimidas, escravas do sistema - paradoxalmente, as mesmas que o sustentam. Neste mesmo sentido, apontou o ex-presidente brasileiro João Goulart no início dos anos de 1970, no exílio após ter sido derrubado por um golpe de Estado em 1964: "O mercado produz cada vez mais em função do lucro, e não em função das necessidades humanas".

Tal perversidade, estrutural do sistema capitalista, explica porque estudos científicos nos Estados Unidos de 2011 constataram que é quatro vezes mais comum encontrar psicopatas nas empresas, que na população em geral. Segundo reportagem da revista Super Interessante à época intitulada Psicopatas S.A., até 3,9% dos executivos de empresas poderiam ser psicopatas naquele ano. 

"Eles são capazes de apunhalar empregados e clientes pelas costas, contar mentiras premeditadas, arruinar colegas poderosos, fraudar a contabilidade e eliminar provas para conseguir o que querem", disse à Super Interessante Martha Stout, psiquiatra da Escola Médica de Harvard por 25 anos e autora do livro Meu Vizinho É um Psicopata.

Outra natural e destrutiva consequência do capitalismo é a concentração de propriedades, gerando o que pode ser denominado de ditadura do mercado: segundo a Oxfam International, as dez empresas transnacionais que controlam praticamente tudo o que nos serve como alimento não nos proporcionando opções, enquanto permite que os detentores de todo esse poder simplesmente decidam o que e como são processadosos produtos mais básicos para a nossa existência. É desnecessário dizer que tais empresários acabam também exercendo domínio sobre a tal "democracia" representativa, vigente nos países capitalistas.

No início de 2014, outro estudo da Oxfam International concluiu que as 85 pessoas mais ricas do mundo concentravam a fortuna equivalente aos 3,5 bilhões dos indivíduos mais pobres do planeta, sendo que 1% da população mundial detinha a metade da riqueza produzida, ou seja, 110 trilhões de dólares. Esse processo apenas se agrava, ano após ano no sistema capitalista, por si só incapaz de distribuir riqueza e gerar justiça social.

Você Vale Aquilo Que Tem - Ou O Que Aparenta Ter


A realidade é que o sistema vigente, baseado em individualismo, constante competitividade e acúmulo ao invés de justiça social e solidaredade, não apenas incentiva como requer que indivíduos possuam este péssimo caráter observado pela psiquiatra norte-americana. Uma pova prática disso pode ser tirada por qualquer pessoa que ouse, em entrevista profissional, dizer que seu grande objetivo de vida não é ganhar muito dinheiro, mas ser feliz; que não almeja adquirir um grande carro, mas que um Fusca ou uma bicicleta já é suficiente; que não se simpatiza com a competição entre colegas, mas com a solidariedade; que não opta por mentir se necessário para vender, mas em ser honesto no ato da venda dizendo a mais absoluta verdade sobre o(s) produto(s) a ser(em) comercializado(s).

"Celulares São Alugados para 'Ostentação'", era o título de reportagem do jornal O Globo em 18 de outubro de 2014. "'Ganho R$ 2 mil por Mês', Diz Editor que Aluga iPhones para 'Ostentação'", trazia o subtítulo da reportagem, que seguia assim: "Marco Aurélio Costa aluga celulares por até R$ 170 dependendo do modelo. Editor de imagens já possui cinco smartphones da Apple para alugar em Natal". É desnecessário dizer alguma coisa sobre mais este subproduto do capitalismo, idiotizador por excelência.

Os defensores desse sistema têm como principal argumento o precário subterfúgio regressivo - e apoiado exatamente no comodismo, mais acima abordado - que afirma que o ser humano e o mundo são "assim mesmo", ou seja, o homem é egoísta por natureza e vale a lei do mais forte, geralmente tendo como exemplo, para dar um toque de naturalismo e talvez de ingenuidade, o fato de alguns animais se alimentarem de outros: "é a lei da vida". Alguns "mais religiosos" apontam, "sabiamente" e "cheios de fé", que Deus quis assim - "do contrário, não seria assim", palram.

Os "mais religiosos", por sua vez, marcando o histórico atraso intelectual deste segmento costumam dizer (justo eles, "cheios de fé" que reivindicam ser!) que "essa coisa de mundo solidário e igualitário em que não haja necessidades, é lá para o Céu", ironicamente esbanjando ceticismo ao mesmo tempo que trazem implícito, neste argumento, o reconhecimento de que o capitalismo é um sistema fracassado já que não prioriza o bem-estar dos habitantes desta Terra. 

Para parte deste setor, que não admite questionamentos, outra desalentadora contradição e característica que também os marca, um sistema baseado nos princípios de igualdade entre os seres humanos e na preservação ambiental seria impositor, mas não: seus impositores de "cabrestos ungidos" sim, é que são impostores. Pois a manutenção do capitalismo é também a se seus privilégios, da roubalheira indiscriminada por parte de "líderes" que se enriquecem em cima de discursos, da boa fé e do trabalho alheio "Mamata" completamente oposta ao que Jesus que dizem seguir pregou e viveu, e apenas possível em um sistema capitalista, que seus gozadores não aceitam perder por nada.

Para nem mencionar estigmas espalhados por grande parte dos "donos dos templos, que impõem na cabeça de seus súditos que socialistas são todos pedófilos, maconheiros, até terroristas e outras imbecilidades deste tipo na ausência de argumentos em defesa de um sistema capitalista opressor por natureza que, conforme já obsevado, só pode ser defendido baseado em ataques mentirosos e toda sorte de imbecilidades, à estatura exata do próprio capitalismo e dos mesquinhos interesses pessoais por que advogam.

Já os mais "técnicos" saem-se com ilusões - baseadas na baixa estatura intelectual, outro fator já observado como esencial neste sistema - do tipo, "todos têm a chance de se tornar milionários" no sistema capitalista apresentado como "um mundo de possibilidades", o qual não precisa ser pensado muito profundamente para que seja constatado exatamente o inverso disso: vale e pode (inclusive moralmente) quem tem e, tão importante quanto isso, quem aparenta ter.

Do contrário, não se terá a possibilidade sequer de se mover do bairro de Santo Amaro ao Parque do Ibirapuera em São Paulo - ou se se conseguir chegar lá, ainda que a pé, o pior ainda estará por vir: no maior parque da América Latina, o cidadão comum das classes menos favorecidas ou que aparente certa simplicidade, terá de vencer a agressiva exclusão social, com todo o mal-estar bem conhecido que envolve esse ambiente no que deveria ser um período de lazer; e se for o caso, na tentativa de vender algo como artesanato ou uma série de livros para sobreviver, sofrerá forte repressão policial, apreensão dos produtos além da própria ridicularização societária, apenas para citar alguns exemplos menos dramáticos deste "mundo de possibilidades" em que, "dependendo apenas do esforço, qualquer um pode se tornar milionário".

Assim, em nome do excesso nas mãos de algumas dúzias de famílias nacionais e do 1% mundial, devemos todos nos conformar com o status quo opressor sobre as miseráveis maiorias, sem nenhuma perspectiva de mudança como se todo ser humano fosse melancólico como eles que inclusive primam, segundo imposição também da ditadura do capital e da informação rendida às "leis do mercado", pela glorificação dos iguais não admitindo diferenças, questionamentos nem muito menos afirmação e avanço cultural (esta, também negociável no sistema capitalista).

Aliança Nada Santa


Sobre a velha aliança Estado-religião e a despolitização como suporte à opressão perpetrada pelas classes dominantes, vale observar que através do Relatório Rockefeller de 1975 substituiu-se na América Latina a Igreja Católica - parceira já não muito confiável - através da criação e financiamento de seitas evangélicas pela CIA, pelo pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e ONGs de fachada a fim de combater ideais socialistas na América Latina em defesa do imperialismo norte-americano. 

Exercendo lavagem cerebral, manipulando, dominando e acumulando riquezas, tais seitas possuem a acentuada capacidade de penetrar em setores populares que determinados movimentos não conseguem alcançar, sendo que muitas delas têm estado envolvidas até no tráfico de armas por meio de lideres supostamente religiosos de péssimo nível intelectual, o que pode muito bem explicar o "enigmático fenômeno" de "igrejas" multimilionárias e, automaticamente, a própria multiplicação de armamentos em territórios nacionais. Já houve denúncias por parte de indignado pastor evangélico brasileiro, de que alguns colegas participam da lavagem de dinheiro de políticos nacionais e do narcotráfico).

Os autores do relatório, arquitetado e financiado pela Fundação Rockefeller que, historicamente, promove políticas de dominação e exploração global através sobretudo da lavagem cerebral induzindo medo às massas, reclamaram, então, do que denominaram "excesso de democracia" alegando que este sistema só funciona se houver apatia e desinteresse societário. Em outras palavras: o capitalismo apenas se sustenta apoiado na alienação e despolitização dos indivíduos, na retirada de seu senso de cidadania e da noção de sua posição no mundo.

Pois WikiLeaks liberou telegrama secreto revelando que realmente existe uma organização secreta da qual a família Rockefeller é uma das 13 dinastias Illuminati, atuando como governo global nas sombras e estreitamente ligada ao governo dos EUA; o próprio Federal Reserve, banco central norte-americano, pertence a oito famílias-membro dos Illuminati, entre elas os próprios Rockefeller.

O capitalismo é inimigo declarado da felicidade
Jorge Riechmann, no livro ¿Cómo Vivir?


Devido ao "raciocínio" dos aiatolás do capital que apostam na ingenuidade alheia e extravasam a estupidez, povos e culturas milenares têm sido completamente dizimados ao longo da impiedosa história, ditada pelos donos e usurpadores do poder em nome de um suposto progresso financeiro e tecnológico que, à frente do bem comum, trouxe o mundo a este estado caótico onde se multiplicam velozmente fome, doenças facilmente tratáveis, violência, roubalheira indiscriminada, guerras, degradação ambiental, extinção de espécies e, logo, da espécie humana pela própria espécie.

Mesmo um sistema capitalista reformado através do neodesenvolvimentismo, que apregoa a expansão do agronegócio e de projetos energéticos apoiada na intensiva extração/mercantilização dos recursos naturais, tem se mostrado inviável: produção e crescimento econômico contínuos não podem ser sustentados pela natureza; o sistema capitalista e seus burros estão, literalmente, dando n'água que deverá ser o maior motivo de guerras no futuro próximo, certamente bem mais grave à humanidade e ao ecossistema que as corridas pelo ouro europeia e norte-americana, que dizimou covardemente povos americanos originários em nome do "progresso mercantilista" que não traz felicidade genuína, satisfação interior, progresso humano. 

Sem capitalismo, sem a exploração do trabalho assalariado e o homem "cobaia" ou escravo do progresso tecnológico, grandes avanços foram conquistados inclusive pelos índios no campo das ciências, da medicina e da astronomia - é evidente que os livros de História elaborados pelos donos do poder e a publicidade a serviço do capital, não contam nada disso. 

Por outro lado, deve-se à lógica capitalista o desmatamento crescente em todo o mundo, o desequilíbrio do ecossistema e o envenenamento da alimentação de praticamente todas as espécies. Ao agronegócio, é muito mais lucrativo avançar sobre florestas e, inclusive, vender madeira, que investir em produção de longo prazo. E o que ameaça sua rentabilidade, deve ser exterminado. 

O envenenamento do solo, outra trágica consequência do uso de agrotóxicos, é um quadro que não pode ser revertido diante da lógica capitalista já que, mesmo a agricultura familiar, possível solução teórica, torna-se no mínimo ingênua ilusão na prática, dentro deste sistema: não resiste ao poder do dinheiro do agronegócio que compra até parlamentares e os mais altos escalões da política, exatamente como temos visto, assistindo de braços cruzados a destruição completa de um planeta que, como disse Hugo Chávez na Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU na capital dinamarquesa de Copenhague em 2009 (COP-15), nunca precisou dos seres humanos para sobreviver, pelo contrário, nós precisamos desesperadamente dele.

Sobre a contaminação dos alimentos por pesticida, vale apontar que quase 95% desse mercado global é hoje comandado por cinco megacorporações agroquímicas, sendo que apenas três delas controlam 72,6% dele. Baseadas na ocultação da informação a começar pelas embalagens dos produtos até o financiamento de meios de comunicação para que desinformem as sociedades mundiais, essas empresas têm aplicado em diversos países, sobretudo no Brasil (campeão do uso de agrotóxicos), taxas acima da recomendada pela Organização Mundial de Saúde, e até ingredientes ativos não autorizados - em território brasileiro, venenos vedados inclusive pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como o azaconazol e o tebufempirade: mas nada disso importa ao mercado.

De acordo com Marina Rossi no jornal El País de abril de 2015:

Segundo o Dossiê Abrasco (...), 70% dos alimentos in natura consumidos no país estão contaminados por agrotóxicos. Desses, segundo a Anvisa, 28% contêm substâncias não autorizadas. Isso sem contar os alimentos processados, que são feitos a partir de grãos geneticamente modificados e cheios dessas substâncias químicas (...). Mais da metade dos agrotóxicos usados no Brasil hoje são banidos em países da União Europeia e nos Estados Unidos.


A médio e longo prazo, os pesticidas intoxicam e adoecem o próprio homem sobretudo porque somos obrigados a aumentar as doses dos pesticidas, e a combiná-los com outros em coquetéis cada vez mais tóxicos à medida que as espécies visadas se tornam tolerantes à dose ou ao princípio ativo anterior. Causando profundos desequilíbrios na natureza, o agronegócio considera que esses desajustes devem ser resolvidos com um aumento das aplicações dos venenos, levando o planeta a um irreversível círculo vicioso.

No que diz respeito ao desmatamento, no caso brasileiro quatro séculos de exploração em nome do "progresso" contra o "atraso" dos povos originários, resultou na devastação de cerca de 1,2 milhão de km2 dos 1,3 milhão de km2 da Mata Atlântica original, e nos últimos 50 anos, mais de 3,3 milhões de km2 de cobertura vegetal nativa foram suprimidos ou degradados na Amazônia, no Cerrado e na Caatinga. Enfim, as evidências mostram claramente que sem capitalismo o mundo seria bem mais satisfatório hoje, a vida seria plena para quem realmente quisesse vivê-la.

Além do câncer, os agrotóxicos causam infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal e efeitos sobre o sistema imunológico. Contudo, conforme avança o neoliberalismo, desregulador do mercado, os fabricantes de pesticidas ficam cada vez mais livres para envenenar o planeta em nome do lucro cujas cifras, no caso particular da Monsanto, maior produtora de agrotóxicos do mundo, explicam o porquê da desconsideração dos fatos expostos acima: no ano fiscal de 2017, encerrado em 31 de agosto, a corporação aumentou sua margem de lucro - em plena crise internacional - em nada menos que 70% em relação ao ano anterior, alcançando lucro líquido de US$ 2,26 bilhões.

Em tempos de estágio avançado deste sistema podre que coloca seu desenvolvimento, os interesses do capital à frente do bem-estar e do desenvolvimento humano, ter e receber o mínimo de dignidade são o mais árduo desafio - para algumas bilhões de pessoas em todo o mundo, missão impossível.

"Se Conforme"


Esse sistema dominante só pode ser sustentado anulando-se - ou maquaindo-se - a história, a lógica e a inconteste realidade da vida cotidiana enquanto extrai, para sua desesperada sobrevivência, o que existe de pior, mais mesquinho e perverso na espécie humana. Esconde-se detrás do verniz democrático enquanto, em uma genuína democracia, prevaleceria o bem-comum independente do poder aquisitivo de cada um; o capitalismo, por sua vez, é a antítese da democracia ao tornar tudo inclusive os elementos da natureza, passível dos interesses de mercado acima de tudo imputando a cada um o valor segundo possibilidades de retorno financeiro, ao invés do que possui na essência.

A lei do que mais tem disfarçada de democracia utiliza-se da ditadura do consumismo e das aparências que cria, diariamente nos laboratórios de publicidade e marketing, necessidades fúteis, concorrentes a serem superados ou até mesmo inimigos a serem combatidos a fim de gerar individualismo, anular ideais e senso cidadão de seres acríticos, conformistas, apáticos, compulsivos e dotados de fobias na busca desenfreada por preenchimento interior de acordo com as sutis imposições do marketing sobre sociedades homogêneas nunca satisfeitas, excludentes e intolerantes com as diferenças, mesmo aquelas que, simplesmente, estejam de alguma maneira fora do agressivo estereótipo preponderante.

Com isso tudo, subproduto do consumo alienado e da imposição de valores, as massas acabam facilmente manipuladas pelo sistema político e por sua porta-voz sustentada exatamente pelos "donos" desse sistema, usurpadores do poder: a grande mídia. Os cidadãos que se recusam a viver aprisionados desta maneira devem ser combatidos como ameaça, através dos mais diversos rótulos - ideólogos, rebeldes, baderneiros, subversivos, autoritários, paranoicos, etc.

Já o grande valor do indivíduo dentro desta lógica reside na capacidade de vender produtos (atendimento médico, aula, etc) a clientes (pacientes, alunos, etc) e no lucro que se gera através deles, não no caráter, na bagagem intelectual nem necessariamente na qualidade real dentro daquilo que se propõe a fazer.

Esta realidade permeia todos os segmentos de uma sociedade que rezam a excludente cartilha das leis do capital, onde "quem pode manda, e que tem juízo obedece cegamente", ou seja, as virtudes e o respeito são divisíveis, absolutamente relativos de acordo com os privilégios e a escassez das respectivas classes sociais. 

Cidadania acaba sendo sinônimo de consumir, ou seja, o indivíduo é reconhecido, passa a ter determinado grau de voz e sendo respeitado, mesmo nos direitos fundamentais, de acordo com sua capacidade de consumo. Assim, até a honra e o opróbrio são mercantilizados, tanto quanto a água e o ar que se respira. 

Pois é por obra e graça do sistema capitalista que grandes estúpidos, ao realizar atividades medíocres acabam aplaudidos alegremente pelas multidões pelo alto retorno financeiro, enquanto mentes brilhantes e trabalhos formidáveis podem ser "chutados" por todos os lados se os ganhos forem baixos (o sistema capitalista tende a premiar os medíocres, já que se apoia fundamentalmente neles para sobreviver), ou mesmo se essas mentes simplesmente não aparentarem ter e poder. Neste sistema competitivo por natureza em que vale a cavernosa lei do mais forte, é também preciso parecer ser e parecer ter.

Consequência natural disso são mentalidades que priorizam o aspecto financeiro em detrimento da prioridade no avanço humano e na sociedade, coletivamente, sendo, no sistema capitalista formador de imbecis por excelência, uma experiência cruel tentar-se viver na contra-mão dessa "lógica" do individualismo, e dos ganhos materiais acima de tudo. Se sua escolha profissional é inevitavelmente depreciada, se não se adequa aos aspectos financeiros impostos pelo mesquinho mercado, alimentado por sua mídia propagandista. 

Por exemplo, nobres professores de Artes, Música, Filosofia e Sociologia além dos socialmente importantíssimos e tão batalhadores lixeiros, que nos digam! É desnecessário mencionar que essa "lógica" capitalista precariza o sistema de ensino, cooperando na formação dos imbecis acima mencionados. Assim, até a carreira política acaba sendo uma opção a ser considerada do ponto de vista lucrativo ao indivíduo ao invés da questão vocacional, neste caso específico baseada no desejo de servir à respectiva nação - nem se pode esperar outra lógica dentro desse sistema, em que tudo e todos são comercializáveis. 

Disso também decorre a ausência de interesse coletivo por aspectos gerais do mundo em que se vive, acomodando o indíviduo àquilo que diz respeito a temas mais intimamente ligados ao seu entorno, além de passividade desde a leitura de jornais até questões da própria vida cotidiana. 

É desta maneira que o capitalismo apoia-se, fundamentalmente, na ausência de senso crítico e de questionamento, enfim, no afamado comodismo que inclui preguiça intelectual. A inteligência humana é mero acessório ou, utilizada além de determinados limites pré-estabelecidos, até incomoda; intelectuais são grotescamente substituídos por máquinas e programas de informática, e a cultura pela informação que não conscientiza mas, inclusive por seu excesso, apenas embaralha o entendimento coletivo e divide as sociedades em rivalidades artificialmente criadas pelos donos do poder.

Escreveu o historiador britânico Eric Hobsbawm em Era dos Extremos - O Breve Século XX (informações sobre a obra, role a tela), que "a destruição do passado - o melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas - é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX", o qual terminou melancolicamente sob todos os aspectos: social, político e econômico. Pois tão certo quanto este fenômeno observado por Hobsbawm, incentivado pelo establishment, é a tentativa tenaz de aniquiliar qualquer alternativa ao status quo, usando geralmente como subterfúgio estigmatizações aos questionadores do sistema o que os permite sair, por cínicos flancos, do debate minimamente sério. 

Se mesmo no auge da Guerra Fria era um profundo contrassenso (com fins imperialistas de ambos os lados) afirmar que não havia alternativas ao artificial antagonismo criado entre os sistemas estadunidense e soviético (este último, um capitalismo de Estado que de socialista não tinha nada, a não ser o nome e, portanto, jamais alternativa real ao capitalismo liberal), tentar argumentar que a queda do Muro de Berlim em 1989 significou o fim da história, isto é, especulação (para não dizer excesso de estupidez) que alega que o mundo está fadado a viver para sempre sob o sistema capitalista, é a maior covardia intelectual contemporânea na defesa desesperada dos privilégios dos burocratas dominantes, para os quais a história e a capacidade humana de transformação cabem em uma caixinha de fósforos.

Sem principios e valores, todo e qualquer sistema está fadado ao mais rotundo fracasso enquanto, além de lucro e acúmulo de riquezas, o sistema capitalista, individualista por natureza, não tem absolutamente nada mais a apresentar ao ser humano.

Jesus foi o primeiro socialista: dividiu o pão e o vinho; Judas foi o primeiro capitalista: vendeu Jesus por trinta moedas
Hugo Chávez


Disse o papa Francisco em entrevista ao jornal italiano La Repubblica no dia 11 de novembro de 2016: "São os comunistas que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam. Não os demagogos, mas o povo, os pobres, os que têm fé em Deus ou não, mas são eles a quem temos que ajudar a obter a igualdade e a liberdade".

Quando fez tal afirmação, o papa certamente não tinha em mente o capitalismo de Estado soviético imperialista, tirânico muito mal chamado de socialista, mas sim, por exemplo, a organização social dos povos originários da região hoje conhecida como América Latina, baseada na inclusão e no bem-estar acima de tudo: do indivíduo, da família, da comunidade, dos animais e da terra.

Em O Mal-Estar na Civilização (1930), o psicanalista Sigmund Freud anteviu que o capitalismo de Estado soviético, mal classificado de comunismo, não traria bem-estar à sociedade russa e a seus futuros Estados-satélites, muito pelo contrário:

As premissas psicológicas nas quais o sistema comunista está baseado mantêm ilusões insustentáveis. A agressividade 
humana não foi alterada nos seus fundamentos naturais e nesse processo ela será provavelmente enviada a novas 
áreas de conflito social. Só podemos nos preocupar com o que os soviéticos farão depois de se livrar dos burgueses.


No jornal alemão Neue Zeit (Novo Tempo), em 1923 Rosa Luxemburgo previu o mesmo ao condenar o caráter "ditadorial", as "sanções draconianas" e o "terror" praticado por líderes da Revolução Russa, incluindo Lenin e Stalin: "A única via que conduz à renovação é a própria escola da vida pública, democracia muito ampla e sem a menor limitação, a opinião pública". É interessante atentar que Rosa apontou as experiências devidamente adquiridas na vida cotidiana como de maior valor ao cidadão, em relação ao conhecimento teórico.

A mais absouta igualdade de direitos entre todos os cidadãos, também através do acesso a serviços de qualidade e gratuitos e não de acordo com os recursos financeiros de cada um, empresas autogestionadas, a sociedade como um todo no controle direto das decisões que afetam sua vida ao invés de entregue a um grupo de burocratas - os profissionais da politicagem -, uma economia e as inovações tecnológicas voltadas ao desenvolvimento humano e à preservação ambiental, que transforme as riquezas da natureza em bem-estar para todos sem degradá-la. 

Uma profunda alteração nas relações de poder, e a própria substituição do atual sistema de poder político baseado em uma fanfarrona "democracia representativa" que o capitalismo, mesmo reformado como propõem uns tantos, é por natureza incapaz de promover entre ódio mortal inclusive dentro de famílias pelo poder "democrático representativo", em nada missionário nem sequer baseado no patriotismo e no exercício da cidadania. 

Uma alteração nas relações sociais onde se estimule a solidariedade, a cooperação, o serviço social, a conscientização coletiva com liberdades civis e individuais, mas com compromisso social no lugar da competição, do acúmulo e das vaidades de um poder selvagem, centralizador, personalista em maior ou menor medida dependendo do caso, tudo isso como reflexo de um sistema selvagem com verniz popular e de modernidade.

O jurista norte-americano Louis Brandeis (1856-1941), Associado à Suprema Corte dos Estados Unidos, observou certa vez: "Podemos ter democracia ou riqueza concentrada nas mãos de alguns, mas não podemos ter ambas". Opor-se ao monoteísmo do mercado vai muito além de ideologia: cosmovisão, trata-se de questão de sobrevivência enquanto não é possível termos capitalismo e democracia ao mesmo tempo, acúmulo de riquezas de um lado que leva inevitalemente à concentração de poder, diante de tanta pobreza de outro lado. A felicidade e a própria vida no planeta dependem de um outro mundo, possível, onde prevaleçam cooperação, valorização às diferenças (sejam elas quais forem, desde que não firam o espaço nem a liberdade do outro) e justiça social. 

Porém, se neste sistema "de mentiras universais falar a verdade é um ato revolucionário", conforme dizia George Orwell, os setores reacionários contemporâneos nesta era da informação global em tempo real têm estado tão transtornados com uma maior conscientização das sociedades mundiais a ponto de, com suas limitações intelectuais e culturais, reeditar os piores momentos da Guerra Fria conforme abordado mais acima, criando um ambiente hostil, guerra psicológica mais baixa ao qualificar histericamente opositores do capitalismo de terroristas, apátridas que desejam impor o vermelho nas respectivas bandeiras nacionais e outras imbecilidades deste tipo, já não faltando mais nada para que, igualmente, tachem esquizofrenicamente de terrorista a quem alerte que recursos naturais como água, fauna e flora são direito de todos, e não bens de consumo como tudo é naturalmente transformado no sistema capitalista.

Já no Brasil, altamente despolitizado [para regozijo dos Rockefeller e também por (ir)responsabilidade dos setores pateticamente autodenominados progressistas], a maior desgraça é que se conseguiu transformar até os pobres em seres reacionários e, rezando fielmente a mesquinha cartilha das classes mais abastadas, sem o menor senso de cidadania. Mas outro Brasil também é possível.

"A prática do socialismo exige uma transformação completa no espírito das massas degradadas por séculos de dominação da classe burguesa, instintos sociais em vez de instintos egoístas, iniciativa das massas em vez da inércia, idealismo que supere todos os sofrimentos"Rosa Luxemburgo.

 


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Timothy Bancroft-Hinchey