Tailândia, para iniciantes

Duas semanas na Tailândia, de carro, percorrendo suas magníficas rodovias e de avião, para cobrir as distâncias mais longas, dá para dizer que fiquei conhecendo o País?

Acho que não.

Em todo o caso, é possível enxergar um pouco além do que os turistas costumam ver.

No que os guias querem mostrar, você vê, principalmente, os templos budistas, alguns seculares e outros extremamente contemporâneos e que são referências para muitas regiões.

Vê o exótico que encanta os ocidentais: os elefantes amestrados, capazes, inclusive, de pintar uma tela com flores coloridas (é verdade, eles foram treinados para isso); cobras imensas, aparentemente inofensivas que posam para fotos em seus ombros; um templo em poder dos macacos, Wat Phra That Lampnang Luang, onde eles vivem soltos e protegidos pela municipalidade de Lobpuri (são mais de 300 macacos); e as inusitadas Mulheres Girafas, em Chiang Mai, com os colares de cobre coloridos que deformam seus pescoços.

Vê as praias paradisíacas de Phuqet, inclusive as famosas Phi Phi, cenário do filme A Ilha, com Leonardo de Caprio e, Baia Bay, que os tailandeses já renomearam como a Ilha de James Bond para lembrar que o local serviu de cenário para um filme do agente 007.

Vê cidades modernas, como Bankok, com seus mais de oito milhões de habitantes, centenas de arranha-céus e autopistas que lembram Los Angeles e um trânsito caótico que não cessa nunca; Chiang Rai nas proximidades da fronteira com Myanmar e o Laos e Chiang Mai, cidade histórica, que já foi capital do país, além de Phuqet, com milhares de turistas disputando suas cálidas e transparentes águas azuis.

Pelos caminhos, vê o que é a principal riqueza do país, enormes plantações de arroz, hoje o principal produto de exportação da Tailândia.

E aí, começa a ver, também, o que nem todos os guias querem mostrar, homens e mulheres trabalhando lado a lado na construção de novas estradas.

Era um domingo, mas, mesmo assim, o trabalho prosseguia normalmente. Constrangido, o guia explicou que essas pessoas ganham por dia de trabalho, homem e mulher, e, se não trabalharem, não ganham.

Embora a Tailândia tenha vivido uma série de quarteladas desde o final da Segunda Guerra, com os militares comandando ainda o país, a imagem que é vendida ao estrangeiro é de um povo tranquilo, zen, que ama o seu rei (teoricamente a Tailândia é uma Monarquia Constitucional).

Isso os guias não falam, mas, a partir de 2006, houve várias intervenções militares e sucessivas dissoluções do Parlamento, com o país dividido entre duas frentes parlamentares: a Frente Unida pela Democracia e Contra a Ditadura e a Aliança Popular pela Democracia. Em 2012, Yingluck Sinawatra se tornou a primeira mulher a comandar o país, no entanto, um ano depois, foi deposta pela Corte Constitucional, que elegeu Niwathamrong Boonsongpaisan para o seu lugar. Finalmente, em 2014, o chefe do Exército Real, o general Prayut Chan-ocha, derrubou o governo e suspendeu a constituição de 2007 ao criar outra, que deverá ser referendada por eleições marcadas ainda para este ano.

Embora todas essas convulsões política, o olhar superficial do turista parece confirmar a opinião do guia de que existe nas ruas das principais cidades um clima de tranquilidade e paz. Uma explicação para isso pode estar, aos nossos olhos ocidentais, na mistura da religião, o budismo, com a existência da família real. Em cada ponto das cidades maiores, e, também, nas pequenas cidades e nas estradas, duas coisas são sempre visíveis: os templos budistas e os imensos painéis mostrando ora o novo rei sozin ho (assumiu no ano passado), ora cercado pelo pai (falecido o ano passado) e a mãe.

Num país onde a atual casa reinante, a Dinastia Chakri, está presente desde 1782, a família real parece fazer o papel de santos, que o budismo não tem. Ao contrário das outras grandes religiões, como a judaico-cristã, na qual a mulher é vista como igual apenas no âmbito familiar; da islâmica, onde é quase uma escrava, no budismo, ela é igual ao homem em tudo, inclusive no trabalho. O budismo não discrimina a mulher, não estabelece punições para o adultério e aceita o h omossexualismo. A própria figura do Buda é vista quase sempre com uma forma assexuada e, às vezes, até feminina.

A Tailândia (o antigo reino do Sião) é o único país do Sudeste asiático que nunca foi colonizado pelos europeus. Pela habilidade dos seus governantes, a Tailândia conseguiu se manter como estado tampão, neutro, entre as colônias francesas e inglesas da região.

Essa mesma habilidade pode ser vista no fato de a Tailândia, depois da guerra, ter se tornado a principal aliada dos Estados Unidos na região, cercada de países que faziam sua revolução anticolonial (Vietnam, Camboja e Laos). Quando, durante o conflito, foi aliada do Japão e chegou a declarar guerra aos Estados Unidos, ainda que tenha tido um forte movimento interno de resistência aos japoneses.

Hoje, um trecho da ferrovia, que os japoneses obrigaram os prisioneiros de guerra (60 mil, principalmente australianos) e trabalhadores da região (200 mil) a construir no meio da selva, causando milhares de mortes e que seria usada para invadir a Índia, é usado por um trem turístico, que parte da famosa estação sobre o Rio Kwai (outro ponto do país que o cinema norte-americano tornou famoso com o filme A Ponte do Rio Kwai, com Willian Holden e Alec Guiness, dirigido por David Lean, em 1957) e avança pela selva.

Aliás, tudo se transformou em fonte de renda para o turismo. O ópio, que os ingleses obrigaram os asiáticos a cultivar, permitiu a criação, em Chiang Saen, de um grande Museu do Ópio, que nos ajuda a entender todo o processo de produção desse estupefaciente, até o seu consumo final.

E como vivem os tailandeses? Difícil para o turista ter uma visão completa. Os índices econômicos mostram que a Tailândia tem um padrão de vida bem melhor que seus vizinhos do Sudeste asiático. Há trabalho para todos, ainda que extremamente mal pago e sem as garantias que existem no mundo ocidental. Como o país é farto na produção agrícola (sua produção de arroz é imensa) e tem uma grande quantidade de frutas (abacaxi, banana e mamão, principalmente) não faltam alimentos na mesa dos tailandeses.

Moram mal e é comum mais de uma família ocupar a mesma casa. Detalhe interessante: poucas têm cozinha. As pessoas comem nas ruas, nas grandes cidades, principalmente em Bangkok, as cozinhas se multiplicam pelas ruas. Em cada esquina, há sempre um panelão com um caldo fumegante, onde são jogadas verduras e pedaços de carne, principalmente as partes menos nobres de frangos e porcos, tudo misturado com grandes doses de temperos fortes.

Se você pensou em comer bem na Tailândia e não é alguém com muito dinheiro no bolso, esqueça a tal comida Thai e procure, na volta, um restaurante tailandês em Porto Alegre. Você será muito melhor servido.

Hoje, a Tailândia é um dos principais centros turísticos do mundo. Foram 30 milhões de turistas em 2015, dos quais 60% são chineses, o que transformou o turismo na mais importante atividade econômica do país.

Fora o turismo, a Tailândia é um grande centro exportador de materiais eletrônicos e produção de automóveis, usada principalmente pelo Japão como base de produção. São cinco fábricas de automóveis japoneses, duas americanas e uma indiana.

Para concluir, uma síntese, ainda que precária do autor.

A Tailândia vive uma forma de capitalismo bem perverso, na medida em que usa o budismo para estimular o povo a aceitar suas condições precárias de existência, como uma etapa para uma vida melhor (a reencarnação justifica todas as dificuldades atuais) e o culto ostensivo a personalidade, nas figuras da família real, para garantir uma certa estabilidade política que permita aos ricos continuarem cada vez mais ricos (nas praias do Sul, mansões à beira mar, com imensos iates ancorados na frente mostram isso) e os pobres conformados com a sua situação.


Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey