Embarcação do Inferno no Porto: "discreta invenção" abre ano teatral do Teatro Nacional São João
"Embarcação do Inferno", a co-produção com que A Escola da Noite e o Cendrev assinalam os 500 anos do mais conhecido texto de Gil Vicente, é a primeira proposta teatral para 2018 do Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto, cuja programação trimestral foi anunciada hoje em conferência de imprensa. A temporada inclui espectáculos para o público em geral e para o público escolar, uma oficina para professores e uma entrevista ao vivo com José Bernardes e terá lugar no Teatro Carlos Alberto, entre 15 e 21 de Janeiro de 2018.
Na conferência de imprensa realizada esta quarta-feira no Salão Nobre do TNSJ, que contou com a presença do Secretário de Estado da Cultura, Nuno Carinhas, director artístico do Teatro Nacional, referiu o "gosto especial" que tem em acolher este projecto e estas companhias, salientando a longevidade da carreira do espectáculo, que conta já com mais de 100 apresentações. Para além das sete apresentações previstas (17 a 21 de Janeiro), o programa da temporada no Porto inclui uma oficina para professores (sábado, 20 de Janeiro) e abre com uma entrevista ao respeitado vicentista José Augusto Cardoso Bernardes, conduzida por Pedro Sobrado (segunda-feira, 21h00).
António Augusto Barros, director artístico d'A Escola da Noite e co-encenador do espectáculo, manifestou a sua satisfação pelo facto de o espectáculo poder ser visto no Porto, no âmbito da digressão nacional iniciada há um ano. Lembrou alguns dos pontos de partida do processo de criação artística, como a homenagem à manifestação artística tradicional dos Bonecos de Santo Aleixo (também relacionada com a impossibilidade de qualquer uma destas companhias poder actualmente assegurar o elenco exigido por uma peça como a "Barca do Inferno") e a "necessidade de reavaliarmos, nos dias de hoje, o legado de Gil Vicente". Sobre este último aspecto, destacou as "fontes renascentistas" que inspiram a obra de Vicente e "a questão judaica", que considera "insuficientemente explorada" nos estudos vicentinos.
Citando a expressão que Garcia de Resende utilizou para qualificar o trabalho de Gil Vicente, referiu-se ao espectáculo como uma "discreta invenção", "no sentido que no século XVI esta palavra também tinha e que entretanto se perdeu: o de inteligente". "Assim tentámos que fosse - verão, agora no Porto, se conseguimos ou não", concluiu António Augusto Barros.
Um projecto amplo, a percorrer o país
Co-produzida por duas das companhias portuguesas que mais aprofundadamente têm trabalhado o património vicentino, "Embarcação do Inferno" estreou em Outubro de 2016 em Évora, no Teatro Garcia de Resende. Desde então, o espectáculo foi apresentado em mais de 100 récitas, às quais assistiram perto de 10 mil espectadores, entre os quais largas centenas de alunos e professores do ensino secundário. Para além das duas cidades das companhias - Évora e Coimbra -, o projecto passou já por outras oito localidades portuguesas, de sete distritos diferentes: Campo Benfeito (Viseu), Bragança, Aveiro, Viana do Castelo, Caldas da Rainha (Leiria), Barreiro (Setúbal), Figueira da Foz (Coimbra) e Castelo Branco. Entre o conjunto das actividades propostas pelos grupos para assinalar os 500 anos da primeira apresentação e publicação do "Auto da Barca do Inferno" (2016-2018) estão, a par dos espectáculos, oficinas para professores e o ciclo de conferências "Gil Vicente no seu tempo e no nosso tempo", coordenado por José Augusto Cardoso Bernardes, professor e investigador na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e consultor científico do projecto.
O espectáculo é co-encenado pelos directores artísticos das duas companhias - António Augusto Barros e José Russo - e conta com um elenco misto: Ana Meira, Jorge Baião, José Russo, Rosário Gonzaga e Rui Nuno (Cendrev) e de Igor Lebreaud, Maria João Robalo e Miguel Magalhães (A Escola da Noite). A equipa inclui ainda Ana Rosa Assunção (figurinos e bonecos), João Mendes Ribeiro e Luisa Bebiano (cenografia), António Rebocho (iluminação) e Luís Pedro Madeira (música).
Ao longo de 2018 e até Janeiro de 2020, o projecto continuará "na estrada" e regressará anualmente ao Teatro Garcia de Resende e ao Teatro da Cerca de São Bernardo, em Évora e em Coimbra, onde Cendrev e A Escola da Noite, respectivamente, são companhias residentes. No âmbito da digressão nacional do próximo ano estão já confirmadas, para além do Porto, as passagens por Leiria (ainda em Janeiro) e por Braga (em Novembro).
A Escola da Noite e o Cendrev apresentaram recentemente as suas candidaturas ao Programa de Apoios Sustentados - Quadrienais da DGArtes, incluindo nos respectivos planos de actividades a continuidade e o aprofundamento deste projecto emblemático no percurso das duas estruturas.