Bola de meia: O que acontece quando se morre?
Aqueles que tinham confessado seus pecados e depois comungado, iam direto para o céu, esclarecia o Padre Bombardeli, nas aulas de catecismo do Colégio São Tiago, em Farroupilha.
Naquela época, morrer era uma coisa tão distante quanto aqueles afluentes do Amazonas que o professor de Geografia, nos obrigava a decorar.
Na margem direita, Purus, Madeira e Tocantins.
Eu sabia tudo de cor, margem direita, margem esquerda, mas no fundo era como a morte, não acreditava que fosse uma coisa de verdade.
De verdade era aquela bola feita com uma meia de cano longa cheia de panos, objeto de desejo nos períodos de recreio.
Ela não picava - depois no dicionário iria aprender que o verbo certo era quicar - mas isso não importava muito.
Não havia nenhuma organização prévia, nenhum time definido. Quem chegava ia chutando a bola do jeito que dava. Ela rodava de um canto para outro sempre ao alcance de um pé mais atrevido.
Dizer que era melhor que uma bola de couro, podia parecer uma heresia. Talvez fosse só despeito.
A bola de couro era da turma dos maiores. Raramente surgia uma chance de usá-la. Mas a verdade era que ela não era tão dócil como a bola de pano. Ela picava - quicava, aprenderíamos depois - nervosa de um lado para outro e muitas vezes, acabava escapando para dentro de uma sala de aula, quebrando um vidro ou, pior do que tudo, batendo com força num daqueles padres que caminhavam pelo pátio com o rosário entre os dedos.
Aí não tinha jeito. A bola era confiscada e a turma enfrentava um castigo. Todo mundo ia embora e os jogadores ficavam escrevendo 100 vezes nos seus cadernos "não devo jogar bola no recreio".
Com as bolas de meia, os padres não se incomodavam.
O único problema é que quando terminava o recreio a gente voltava para a sala de aula pingando suor por todo o corpo.
O professor Inácio perguntava qual o sujeito daquele verso do hino nacional "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas" e quando a gente se levantava para responder, sentia aquele fio de suor correndo pelas costas.
Hoje, nem lembro mais os nomes dos afluentes do Amazonas.
Sobre a morte, porém, tenho pensado bastante.
Quanto a confessar e depois comungar, acho que não vai resolver muito, mesmo porque, com o passar do tempo virei um ateu.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS