Eu e o meu Avatar

Eu e o meu Avatar

Tudo indica que, em breve, não vamos mais poder dar bom dia para a caixa do supermercado ou puxar assunto com o funcionário do banco, porque nos seus lugares estarão máquinas cada vez mais inteligentes, mas frias como um embaixador russo dos tempos da guerra fria,numa discussão com o representante americano em assembléia da ONU.

Já ouvi dizer que mesmos os botecos estão prestes a aderir a essas novas tecnologias: no Natalício aqui em frente, haveria uma máquina para comprar o chope e outra para disponibilizar (esse é o verbo do momento) batatas fritas, sem contar as maquininhas para passar o cartão. Obviamente não aceitarão mais dinheiro vivo por uma questão de higiene.

Há uns meses, depois de alguns anos sem viajar, fui à Europa. Não sei como consegui chegar lá e sair. Nos aeroportos tudo é automatizado. As pessoas passam nas cancelas encostando os celulares nos leitores óticos e eu nem celular tinha. Aqueles cartões de embarque ficaram no passado. Os bilhetes de passagens, com várias folhas cheias de instruções em várias línguas, estão há muito arquivados. Ainda bem que guardo no fundo do baú aquela velha passagem da Varig para provar que em 1975 fui a Paris pela primeira vez.

E os carimbos no passaporte? Cada vez menos. Em partes da Europa, você só sabe que trocou de país quando as placas de estrada mudam de língua.

Um amigo meu, que sabe duas ou três palavras em inglês e nenhuma em alemão, disse que chegando a Berlim, queria que o funcionário da migração, que só falava alemão, carimbasse seu passaporte. Depois de muita insistência e uma fila cada vez maior diante do guichê, o funcionário capitulou, tirou da gaveta um velho carimbo e fez a vontade do meu amigo.

- Os caras registram eletronicamente tua chegada e depois tua partida. Então, por que você queria o tal carimbo?

- De que adiantaria ter ido à Alemanha, ficado uma semana sem falar com ninguém e passado um frio de cão, se na volta não pudesse mostrar aos amigos o carimbo no passaporte, provando que tinha estado na Alemanha?

É isso. Eu não vou viajar mais. Estou esperando que se aperfeiçoe os avatares . 

Lembram do filme  Avatar, do James Cameron?  

Cada pessoa tinha um avatar, um corpo biológico controlado pela mente humana. Como o filme era de 2009, certamente os avatares evoluíram muito até hoje.

Mando meu avatar para a China (já imaginou como deve ser complicado pedir café com leite, pão e manteiga em Xangai) e fico tranquilamente vendo o Inter ganhar o campeonato brasileiro da série A.

Espero que esse tipo de otimismo também não tenha saído da moda.

Claro, estou pensando em 2020, se estiver vivo até lá.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey