"A hegemonia neoliberal está claramente desmoronando. O que precisamos é de uma Tatcher de esquerda, um líder que repita o gesto de Tatcher na direção oposta." - (Slavoj Zizek - Problema no Paraíso - Do Fim da História ao Fim do Capitalismo - Jorge Zahar Editor -2014)
Qual teria sido para Zizek, esse gesto de Margaret Tatcher?
Foi: "Se aferrar ao seu projeto de liberalismo econômico, de início percebido como louco e gradualmente elevando sua loucura singular ao nível de uma norma aceitável, até o ponto em que se pode dizer que havia criado um novo trabalhismo, uma vez que até os seus adversários políticos adotaram suas práticas econômicas básicas"
Margaret Tatcher seria então um Mestre.
Zizek vai buscar na psicanálise a figura do Mestre, basicamente em Lacan e em Roudinesco ("A posição do mestre permite a transferência: o psicanalista supostamente sabe o que o analisando vai descobrir. Sem esse conhecimento atribuído ao psicanalista, a busca da origem do sofrimento é quase impossível") para tentar provar que só ele pode representar os anseios do povo e transformá-los em realidade.
Para Zizek, nem sempre, o povo é capaz de perceber em qual direção o futuro aponta e nessa hora, só o Mestre pode fazer essa leitura.
No início da segunda guerra, depois da vergonhosa derrota de suas tropas diante dos nazistas, os franceses ansiavam pela paz, mesmo que ela significasse apoiar o Marechal Petain e seu governo colaboracionista de Vichy.
Foi preciso que o General De Gaulle, mesmo minoritário e ridicularizado pelos ingleses, assumisse o papel de Mestre e resistisse, no seu exílio na Inglaterra, ao poderio nazista porque, entre os militares franceses, ele foi um dos poucos a perceber que o nazismo representava um retrocesso histórico e por isso, no final, seria derrotado.
De Gaulle foi um Mestre.
O Mestre é um solitário, que precisa assumir riscos, contrariar vontades e arcar com suas conseqüências.
Nas suas Memórias sobre a Segunda Guerra Mundial (Editora Nova Fronteira -1959) Winston Churchill diz que diariamente precisava ouvir o que pensavam o seu Gabinete de Guerra, seus ministros, generais, almirantes e o parlamento, para depois tomar uma decisão, sozinho. Era sim ou não, mas essa escolha poderia significar vitória ou derrota. Poderia significar que milhares de pessoas iriam morrer ou viver.
Churchill foi um Mestre como também foram Robespierre, Lenin, Fidel Castro e para incluir um brasileiro, Leonel Brizola.
Na Revolução Francesa, Robespierre implantou o "terror" contra a nobreza e o clero para que a revolução burguesa fosse vitoriosa. Quando votou pela decapitação do Rei Luis XVI, ele disse que era o Rei ou a Pátria.
Robespierre foi um mestre.
Quando os mencheviques e socialistas revolucionários, na Rússia, disseram que a revolução contra o Czar deveria se consolidar numa democracia burguesa, Lenin foi um dos poucos que foi capaz de perceber que era preciso dar novos passos para frente.
Lenin foi um mestre.
Quando seu movimento guerrilheiro parecia ter perdido o rumo, Fidel Castro no seu julgamento de Moncada, afirmou "a História me Absolverá". Seis anos depois entrou vitorioso em Havana.
Fidel foi um Mestre.
Em 1961, quando políticos de todas as matizes buscavam conciliação com o golpe militar que queria afastar Jango da Presidência, Leonel Brizola não concordou e assumiu o comando de um movimento rebelde, contraditoriamente chamado de Legalidade e mesmo que depois tenha sido traído por seus aliados, foi também um Mestre.
Quem leva esse conceito mais a fundo é o filósofo francês Alain Badiou, quando diz: "Estou convencido de que é preciso restabelecer a função capital dos lideres no processo comunista, qualquer que seja o estágio".
Badiou diz que é preciso fazer isso seguindo a lição de Lenin, que via na educação das pessoas a única forma de conquistar o socialismo, mas usando um discurso diferente para cada público: "Quando lido com pessoas cujo jargão é lacaniano, digo: uma figura do Mestre. Quando são militantes, digo ditadura, no sentido de Carl Schmitt (anti liberal e anti parlamentar). Quando são trabalhadores, digo líder de massa e assim por diante. E logo me entendem".
Quem poderá ser o novo Mestre capaz de capitalizar a revolta latente de todos os brasileiros e apontar a direção a ser seguida?
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS