Quando jovens, eles se imaginam capazes de mudar o mundo com os instrumentos que aprenderam a manejar na universidade, mas não percebem que são apenas peças de uma engrenagem que não dominam.
Quando se dão conta disso, já são velhos e só têm dois caminhos a seguir: ou se tornam cínicos e por isso mesmo capazes de conviver com seus limites ou se tornam amargurados e sofrem com a sua impotência.
Estamos falando dos jornalistas em geral
Transformados em escritores, historiadores, cronistas ou simples testemunhas, eles, há séculos contam a história dos homens e dos seus feitos, quase sempre com a ilusão de que fazem isso em busca de uma verdade superior, porque se imaginam acima dos condicionamentos das sociedades em que vivem, chegando à suprema arrogância de se dizerem hoje "formadores da opinião pública".
Para não ir muito longe na História, tomemos como ponto de partida o acontecimento mais crucial do século XX, a Segunda Guerra Mundial vista pela nossa ótica, de brasileiros que viveram aquela época.
Independentemente do que escrevesse um ou outro jornalista, havia algumas "verdades" aceitas pela maioria das pessoas e tornadas hegemônicas pela mídia, ainda que esse termo não estivesse já em uso:
a) vivíamos sob a ordem e o progresso e não precisávamos pensar em política porque o Dr. Getúlio fazia isso por nós; b) o ideal inalcançável, era a classe média americana com suas casas de jardins na frente, piscina nos fundos e um carro na garagem; c) Mussolini havia feito os trens andarem no horário na Itália e Hitler recuperara a Alemanha; d) os índios eram malvados não apenas nos filmes de faroeste; f) e o que não podíamos jamais esquecer, os comunistas eram fundamentalmente maus.
Essa era a opinião pública, um conceito hegemônico que interessava à classe dominante, não o construído por um ou outro jornalista, mas por uma já grande máquina da comunicação, independentemente da possível divisão de suas opiniões particulares.
Quando o capitalismo criou a sua serpente venenosa, na forma do fascismo e depois do nazismo, foram os execrados comunistas da União Soviética, os únicos com capacidade e coragem, capazes de destruir essa máquina diabólica.
Então, independentemente do que poderiam pensar alguns jornalistas, a opinião pública foi informada que os comunistas não eram tão maus assim e o Exército Vermelho passou a ser exaltado e os feitos dos soviéticos vistos com todo seu heroísmo.
Até o nosso grande poeta, Carlos Drummond de Andrade, teve espaço para escrever versos como este:
A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
Os telegramas de Moscou repetem Homero.
Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
que nós, na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
na paz de tuas ruas mortas, mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
na tua fria vontade de resistir.
As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.
Quando a guerra terminou, ao contrário do que pensava Drummond, a velha ordem capitalista precisava ser recomposta e o comunismo mostrado outra vez como grande adversário.
Isso foi feito com guerras localizadas, até os dias de hoje, mas, principalmente, com uma grande lavagem cerebral, pelos meios de comunicação, independentemente do que poderia estar pensando ou escrevendo alguns jornalistas.
Os Estados Unidos iniciaram a grande meta, definida pelo Presidente Eisenhower de conquista dos corações e mentes em todo o mundo para o "american way of life", independentemente do que pudesse pensar um ou outro jornalista
Para isso, foram usados não apenas os grandes meios de comunicação de massa, mas também a cooptação de personagens importantes da ciência e da cultura onde eles estivessem, para que falassem da "Grande Democracia do Norte" e deixassem de lado o fato de que essa democracia era quase que só dos brancos.
Então, ficamos sabendo que os norte-americanos eram nossos grandes aliados, a quem devíamos solidariedade (ou seria submissão?), que os russos viviam atrás de uma cortina de ferro e que fazíamos parte do país do futebol e do carnaval, independentemente do que poderiam pensar ou até dizer algum jornalista inconformado.
Hoje, com meios de comunicação cada vez mais sofisticados, esse processo se tornou mais eficientes e as novas "verdades" que interessam objetivamente à classe dominante passaram a ser "verdades" de todos nós.
Independentemente de jornalistas tão importantes e esclarecidos, como um Robert Fisk, no plano internacional e um Janio de Freitas, entre outros no Brasil, a maioria das pessoas acredita que:
a) Israel faz o papel do mocinho e os palestinos o de bandido, no Oriente Médio; b) que os Estados Unidos defendem a democracia no mundo inteiro;c) que todos os políticos brasileiros são corruptos; d) que a corrupção entre os partidos é uma exclusividade do PT; f) que Lava Jato pretende apenas depurar a vida política nacional; g) que foi legal o impeachment da Dilma; h) que o Lula não pode voltar em 2018; i) e que bandido bom é bandido morto.
Independentemente, portanto, do que podem pensar um ou outro jornalista, poderíamos percorrer o alfabeto inteiro, anotando o que a mídia decidiu ser politicamente correto e com o que devemos concordar.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS