É hora de resistir ou de atacar?
De 17 de julho de 1942, a 2 de fevereiro de 1943, o Exército Vermelho e boa parte da população de Stalingrado, resistiram ao poderoso exército alemão, combatendo de casa em casa, até iniciar a virada histórica que só terminou com a queda de Berlim, dois anos e três meses depois, pondo fim à segunda guerra mundial na Europa e aniquilando o nazismo, o sistema social, político e econômico mais desumano a que o capitalismo criou até hoje.
A batalha de Stalingrado é considerada a maior e mais sangrenta batalha de toda a história, causando a morte e ferimentos em cerca de dois milhões de soldados e civis.
Seus heróis foram cantados pelo grande poeta Carlos Drummond de Andrade na sua coleção de poemas Rosa do Povo, editada em 1945:
Stalingrado
"O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
Outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora
E o hálito selvagem da liberdade dilata seus peitos
A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais
Os telegramas de Moscou repetem Homero
Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
Que nós, na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída
Na paz de tuas ruas mortas, mas não conformadas
No teu arquejo de vida, mais forte que o estouro das bombas,
Na tua fria vontade de resistir.
Outro grande poeta latino-americano, Pablo Neruda, também, em sua Carta a Stalingrado, cantou a resistência impossível;
"Stalingrado, aún no hay Segundo Frente,
Pero no caerás aunque el hierro y el fuego te muerdan dia y noche
Aunque mueras, no mueres!
Porque los hombres ya no tienen muerte
Y tienen que seguir luchando desde el sitio em que caen
Hasta que lea victoira no este sino em tuas manos
Aunque estén fatigadas y horadas y muertas,
Porque outra manos rojas, cuando la vuestras caigan,
Sembarán por ele mundo los huesos de tus héroes
Para que tu semilla llene toda la tierra".
Durante toda sua história, os homens venceram muitas batalhas na luta por um mundo melhor e mais igual para todos. Nem todas as batalhas foram sangrentas, como em Stalingrado. Muitas foram apenas políticas, mas nem por isso menos importantes. Nós, brasileiros, estamos empenhados em mais uma: restaurar o império da lei e da justiça, enxovalhado por um golpe de estado incruento, mas, que ainda assim, feriu profundamente nossa condição de cidadãos.
Essa batalha deve começar pela arregimentação de todas as forças políticas e sociais que, de alguma maneira ou outra, vem resistindo ao governo títere de Michel Temer.
Não basta mais gritar # Fora Temer. É preciso agir politicamente.
No domingo passado, Janio de Freitas, talvez o mais bem informado dos jornalistas brasileiros, deu duas notícias em sua coluna que podem indicar que a resistência começou a ser organizar.
Diz ele que, na mesma ocasião que Temer recebeu em Brasília, num jantar, João Roberto Marinho, o dono da Rede Globo, para se queixar do noticiário da televisão; em São Paulo, opositores faziam reunião para examinar hipóteses de mobilização, "inclusive com presenças ilustres".
Janio de Freitas não revelou quais seriam essas presenças ilustres, mas alertou que partes importantes dos movimentos sociais planejam aproveitar o período de recesso parlamentar para organizar, com redes de internet e com o setor sindical, reações aos retrocessos originários do governo Temer.
Uma dessas reuniões está prevista para janeiro em Porto Alegre, tentando reviver um pouco o entusiasmo que cercou o Fórum Social Mundial de 2001. Entre os dias 17 e 21, estará se realizando na capital o Fórum Social das Resistências pela Democracia e pelos Direitos dos Povos e do Planeta.
István Meszaros diz no seu livro Atualidade Histórica da Ofensiva Socialista que o capitalismo vive uma crise estrutural e que, mais do que ficar na defensiva, é hora de avançar e propor uma a conquista da sociedade socialista.
Resistir ou avançar?
A burguesia revolucionária da França propôs em 1789 a guerra para chegar ao poder, como diz com todas as letras, a Marselhesa, transformada em seu hino nacional;
"Allons enfants de la Patrie
Le jour de gloire est arrivé
Contre nous de la tyrannie
L'étendard sanglant est levé
L'étendard sanglant est levé:
Entendez-vous dans les campagnes
Mugir ces féroces soldats!
Ils viennent jusque dans vos bras
Égorger vos fils et vos compagnes
Aux armes citoyens
Formez vos bataillons
Marchons! Marchons!
Qu'un sang impur
Abreuve nos sillons"
"Avante, filhos da Pátria,
O dia da Glória chegou.
Contra nós, da tirania
O estandarte ensanguentado se ergueu.
O estandarte ensanguentado se ergueu.
Ouvis nos campos
Rugirem esses ferozes soldados?
Vêm eles até aos nossos braços
Degolar nossos filhos, nossas mulheres.
Às armas cidadãos!
Formai vossos batalhões!
Marchemos, marchemos!
Que um sangue impuro
Regue o nosso arado"
Compare o hino guerreiro dos burgueses franceses com o hino bucólico do príncipe português transformado em imperador brasileiro em 1822.
Ouviram do Ipiranga, as margens plácidas
De um povo heroico o brado retumbante
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos
Brilhou no céu da pátria nesse instante
Conseguimos conquistar com braço forte
Em teu seio, ó liberdade
Desafia o nosso peito a própria morte!
Ó pátria amada
Idolatrada
Salve! Salve!
Por isso mesmo, a independência brasileira não foi uma conquista do povo, mas uma concessão do príncipe português, transformado em nosso primeiro imperador e o Brasil teve ainda que, por mediação da Inglaterra, pagar uma indenização a Portugal pela independência.
Talvez tenha chegado a hora de transformar essa independência formal, numa independência de verdade, conquistada pela união de todo o povo.
E, já que o futebol é tão importante para nós, quem sabe possamos utilizar um pouco da sua linguagem: time que joga na retranca, nunca ganha jogo.
É preciso marcar no campo do adversário e nunca deixar de atacar se quisermos vencer.
Quem sabe, as últimas estrofes da letra de Joaquim Osório Duque Estrada para o nosso hino, possam servir de estimulo para uma reação indignada do nosso povo.
Mas, se ergues da justiça a clava forte
verás que um filho teu não foge à luta
em teme, quem te adora, a própria morte
Marino Boeira é jornalista formado em História pela UFRGS