Mais forte que o açoite dos feitores
Uma sombra vespertina me contagia...Não se trata de mandar ou não notícias...O único modo de governar cada brecha...Desse tempo falho é interrompendo-o...Minha boca é morada ácida
Uma sombra vespertina me contagia
Não se trata de mandar ou não notícias
O único modo de governar cada brecha
Desse tempo falho é interrompendo-o
Minha boca é morada ácida
Quero uma figueira sem pássaros
Para gozar dos frutos e anseios
De querer ser grande
A colher já não cabe no bule
Sua espada já não cabe em meu ventre
E atravessa cortando sua manhã
Perpassa grades
Parte chaves
Assim invisível incorpórea
Vou ao termo
Posto de pé o próprio amor inflamado
Vai a pique
Você se queima
Mas sou eu quem sai ferida
***
Até que a fenda desabe
Movida por invisíveis galopes
Busca agônica pelo divino
Dentro de mim tudo é tão apertado
Espaço de mundo imenso
Onde me sinto cercada
Você carvalho e seiva
Labaredas em trânsito
Fogo incontido lambendo o peito e tudo
Ripa seca enquanto seus gumes
Inscrevem em mim o impossível:
Aquele que não para de se não inscrever
***
De algum modo próximos de algum modo isolados
"Onde não puderes amar não te demores"
Cada um demonstra amor
À sua maneira
Se o meu ressoa em você
Como trovoada
Inverno noite ou relâmpago
Então me amar não deve ser
Trabalho fácil
Enquanto você se esforça
Quero apenas me demorar
Na sua pele
Celebrar nossa fertilidade
Inventar novos modos
De ser no mundo
Lado a lado
Assistir aos teus cabelos secarem
Compartilhando planos e projetos
Imagino que o futuro a dois
Seja uma felicidade irrecusável
Sentimento doce
Que ressoe azul
Solar e morno
Meu amor,
Aproxima-se e vê
Ou as coisas são claras
Ou não são
***
Gaslighting
I
Hoje é dia de festa no céu do útero
Ser deposta do trono
Eletrocutada
Catapultada
De mim
II
Esse amor
Um luxo
Agua translúcida de Bora Bora
Acalenta e aquece
Enquanto me afogo à deriva
Nessa vista linda e estéril
III
Por vezes confiante
Outras tantas catastrófica
Nesse terreno inóspito
IV
Nada me consola e seu toque me causa repulsa
Engulo a colher de sopa levada à boca
Sequer gosto de sopa
Talvez eu goste e não saiba
Talvez odeie
De todo modo permaneço engolindo
V
Contemplo as ilhas da Polinésia
Lágrima após lágrima
Endureço
Seu sorriso me quebra
Até quando?
VI
Me posto exausta em seus lábios
Prenda de gosto agridoce
VII
Se ao menos a língua rompesse a barragem desse oceano
Permaneço inavegável
VIII
Nesse desejo
Reside a promessa
Vindoura
De um gozo
Que a cada vez
É negado
IX
O que em mim se fecha ao seu mais leve toque se te amo?
X
Nem sempre o não demarca o fim
Acendo a lamparina
E permanece escuro
***
Síndrome de Manoel de Barros
Começou no vigésimo quarto aniversário
Apequenei-me de imensidões
Deu furo o meu vazio
Repleta de imanências
Passei a desperdiçar fala
Ocupei-me em desconhecer coisas e seres
Desletrei-me
(Ainda assim chamejava luxúria)
Colecionei desutilidades
Varada de acúmulos
Imprestável para o silêncio
Pessoa apropriada para nadas
Abandonada por dentro e por fora
Preteri ser gente
Pra andar com os bichos
Devotei-me às borboletas que devotam túmulos
Quis ser túmulo
Não sendo pessoa subterrânea
Tentei árvore
Depois ninho
Também não funcionei pra madeira
Ou verso de folha
Tentei pedra
Não fui comum com pedras também
Assumi compostura de água
Me acomodei incolor que é mais que infinito
Haveria de ficar no concluir das águas
Que pra mim tinha sentimento longínquo
Ampliava solidão
De coisa esquecida na terra
***
Um poema para Angélica Freitas
Uma mulher sem qualidades
Cozinha em tramontinas descascadas
Especialista em largar panelas no fogo
Foi abandonada
No 109º dia de casamento
Ao jogar água fervente com sapólio
Na cara do macho escroto
Yasmin Nigri (1990) é carioca, poeta, artista visual e bacharel em filosofia pela UFF, onde atualmente cursa o mestrado na linha de estética e filosofia da arte. Trabalha com mediação educativa em exposições de arte, elabora e ministra oficinas de criação poética, é crítica de arte, integrante e co-fundadora do coletivo feminista Disk Musa, onde trabalha na produção de conteúdos audiovisuais e performance.
Foto: Milton Boeira
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