Teerã contra Washington: Da defensiva à ofensiva

A seguir ao acordo nuclear com o Irã, Washington anunciou que começaria a levantar as sanções económicas contra Teerã. Foi permitido a bancos iranianos reconectarem-se à rede de comunicações SWIFT, a qual maneja o pagamento de transações internacionais; a proibição de exportações de petróleo iraniano foi levantada e Washington finalmente decidiu descongelar ativos financeiros iranianos mantidos no exterior (os ativos haviam sido apresados em 2012).

por Valentin Katasonov

Ninguém realmente sabe o volume e a estrutura destes ativos. Alguns responsáveis iranianos apresentaram o montante total de US$130 bilhões, ao passo que o Institute of International Finance, em Washington, estimou-os em US$100 bilhões.

As reservas de divisas externas do Banco Central, bem como o Fundo Nacional de Desenvolvimento do Irã, são responsáveis por uma proporção significativa destes ativos. Em Janeiro de 2015, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, declarou que US$55 bilhões em ativos congelados podiam ser libertados para o Irã. Contudo, o Banco Central do Irã está a utilizar diferentes números. Segundo o governador do Banco Central, Valiollah Seif, o montante em causa é de US$32,6 bilhões. Seja como for, os montantes são consideráveis.

Prevendo que seus ativos financeiros no estrangeiro seriam apresados na década de 2000, o Irão organizou-se para que fossem movidos para céus mais seguros. Do ponto de vista de peritos iranianos, tratava-se de bancos fora da jurisdição dos EUA e da Europa Ocidental. Ativos iranianos foram retirados de bancos ocidentais e colocados em bancos na China, Japão, Coreia do Sul, Turquia e Formosa. Contudo, os peritos iranianos calcularam mal. Washington conseguiu alcançar dinheiro do Irã mesmo ali, um fato que também deveria sem mantido em mente na Rússia, contra a qual o Ocidente ainda pode utilizar armas como o congelamento das suas reservas de divisas estrangeiras.

O confisco das reservas de divisas estrangeiras do Irã

Em Abril, a alegria de Teerã com o descongelamento das suas reservas cambiais externas demonstrou-se de curta dura. O Supremo Tribunal dos EUA recusou retornar US$2 bilhões em ativos congelados ao Banco Central do Irã e sentenciou que o dinheiro deveria ser enviado às famílias de americanos mortos em ataques terroristas pelos quais o Irã é alegadamente responsável. Isto refere-se ao ataque terrorista de 1983 em Beirute, no qual foram mortos 241 soldados americanos. O Supremo Tribunal dos EUA descobriu "impressões digitais" no ataque verificado 33 anos atrás. A alegação é inconvicente e já foi muitas vezes refutada tanto por peritos iranianos como ocidentais (em 2001, Caspar Weinberger, que era secretário da Defesa dos EUA no momento da tragédia no Líbano, reconheceu que nunca houve informação confiável quanto a quem estava por trás do ataque em Beirute).

O apetite chega com o comer e as autoridades estado-unidenses que confiscaram US$2 bilhões das reservas do Irã preparam também uma outra decisão. O tribunal estado-unidense descobriu impressões digitais do Irã nos eventos do 11 de Setembro de 2001 e ordenou a Teerã que pagasse US$7,5 bilhões em compensações às famílias daqueles americanos mortos no ataque (com base em US$2 milhões por vítima). Além disso, foi ordenado a Teerã que pagasse US$4 bilhões em compensação às companhias de seguros que cobriram danos devidos ao ataque terrorista de 2001. Não há evidência real para apoiar  afirmação de que autoridades iranianas estivessem envolvidas na preparação e execução do ataque terrorista. Teerã não vai cumprir a decisão do tribunal dos EUA, de modo que autoridades estado-unidenses estão a preparar uma revolução sobre ainda outro confisco de reservas cambiais do Irão no montante de US$10,5 bilhões.

O segundo alvo - Arábia Saudita

Há toda a probabilidade de que o Irã seja apenas o começo, do que o Tio Sam está a praticar no Irão. E o Tio Sam prefere a palavra reparações a confiscos. Segundo os EUA, trata-se de compensação por danos sofridos pela América e seus cidadãos durante uma variedade de ataques militares e terroristas. A próxima vítima destas reparações/confiscos é a Arábia Saudita.

Um diploma intitulado "Justiça contra patrocinadores de terrorismo" está atualmente a ser preparada no Congresso dos EUA, a qual permitirá às famílias vítimas do 11/Set processarem aqueles estados envolvidos no ataque terrorista de 2001. Embora o documento não mencione quaisquer estados, toda a gente sabe que o diploma se destina especificamente à Arábia Saudita. Em 2014, as reservas internacionais da Arábia Saudita montavam a quase US$750 mil milhões. Este montante reduziu-se a seguir ao colapso dos preços do petróleo, mas as reservas do país ainda hoje estão perto dos US$600 mil milhões. Trata-se de um bocado apetitoso para o Tio Sam!

Atualmente as relações entre Washington e Riad estão complicadas e o cenário de reparações/confiscos é altamente provável. Riad já declarou que pode retirar suas reservas cambiais, que montam a centenas de bilhões de dólares, dos EUA. Contudo, isto levanta pelo menos duas questões. Primeiro, de que as reservas cambiais da Arábia Saudita deveriam ter sido retiradas mais cedo, quando as relações entre os dois países ainda eram amistosas. Agora, Washington poderia bloquear a retirada em grande escala de reservas e ativos. Segundo, mesmo se Riad houvesse retirado suas reservas e ativos dos EUA, ainda há a questão de [saber] onde elas poderiam ser depositadas com segurança. A infeliz experiência do Irã mostra que a mão do Tio Sam pode não só alcançar bancos na Europa como também no Japão e Coreia do Sul, China e Hong Kong, Turquia e Formosa.

Em relação a bancos chineses, eles de qualquer forma não poderiam ser considerados um refúgio confiável para ativos da Arábia Saudita, no mínimo porque o Congresso dos EUA começou a discutir a possibilidade de introduzir sanções econômicas contra a China. Chegou o momento de Pequim ponderar cenários como o possível congelamento das suas gigantescas reservas cambiais estrangeiras. A China está numa posição extremamente vulnerável, uma vez que as suas reservas de divisas externas são as maiores do mundo: em 1 de Maio de 2016 elas chegavam aos US$3,2 trilhões (trillion). Além disso, a China tem mais de US$1,24 trilhões em títulos do Tesouro dos EUA (mais suas reservas cambiais depositadas em bancos dos EUA). Para reduzir a sua vulnerabilidade, a China está a aumentar a fatia do ouro nas suas reservas, uma vez que o metal precioso é imune a uma variedade de sanções. Entretanto, a Arábia Saudita não pode trocar suas reservas cambiais por ouro ao mesmo ritmo da China e da Rússia porque ao contrário destes ela não é um país produtor de ouro e comprar grandes quantidades de ouro no mercado global é problemático (a procura excede de longe a oferta).

Teerã encara as ações de Washington como "roubo descarado"

No fim de Abril de 2016 o Ministério Iraniano dos Negócios Estrangeiros protestou junto a Washington quanto ao confisco de US$2 mil milhões de reservas cambiais do Irão. Os media iranianos referiram-se às ações de Washington como "roubo descarado" e Teerã decidiu passar da defensiva para a ofensiva. Em Maio, o Majlis [Parlamento] iraniano aprovou um diploma apelando ao governo a que processasse os EUA e pedisse compensações por danos sofridos pelo Irão em consequência de ações dos EUA desde 1953. A história das atividades subversivas contra o Irã começa com o derrube do governo legítimo em 19 de Agosto de 1953, organizado por agências de inteligência dos EUA e Reino Unido. Mais adiante na lista está a guerra de oito ano entre o Irão e o Iraque (1980-1988) instigada por Washington. O Majlis está a exigir que seja paga compensação às famílias dos 223 mil iranianos mortos, bem como aos 600 mil veteranos da guerra com o Iraque, tendo convidado o governo a estimar o montante da reclamação. Pagamentos de reparações por perdas verificadas em consequência dos 37 anos de sanções económicas aplicadas por Washington em 1979 ocupam um lugar especial na declaração de reclamações juntos aos EUA.

Sobre a avaliação monetária da civilização americana

Há um breve epílogo para esta história. Em Maio de 2016 o presidente dos EUA completou uma vista a vários países da Ásia. Em vários deles, os EUA cometeram crimes contra a humanidade, infligindo danos materiais e morais gigantescos aos povos destes países. Isto refere-se, acima de tudo, ao Japão. Os bombardeamentos atómicos de Hiroshima e Nagasaki, em Agosto de 1945, ajustam-se totalmente à definição moderna de "ato terrorista". Peritos estimam que as bombas atómicas da América ceifaram as vidas de 300 mil pessoas. Houve também efeitos genéticos das bombas atómicas. Washington nunca pediu desculpas por estes atos bárbaros e o Japão nunca tocou no assunto da compensação pelo dano causado. Entretanto, vamos supor que a compensação por cada civil japonês morto fosse igual à compensação calculada pelos EUA para o ataque terrorista de 1983 no Líbano (US$2 milhões por pessoas). Neste caso, o Japão poderia exigir aos EUA pagamentos de reparações totalizando US$600 bilhões. E isto sem contar os danos genéticos que atualmente afetam cerca de um quarto da população japonesa ou os danos materiais causados pela destruição de edifícios e estruturas nas zonas de explosão atómica.

Barack Obama também visitou o Vietnã. Tal como o Japão, Hanoi permaneceu silenciosa e não apresentou ao presidente dos EUA reclamações de reparação relativas à agressão estado-unidense nas décadas de 1960 e 1970. Mas só com a utilização de substâncias tóxicas, pelo menos cinco milhões de cidadãos vietnamitas desenvolveram doenças e anormalidades genéticas. Incidentalmente, soldados dos EUA também foram afetados por estes produtos químicos, mas eles acabaram por obter alguma compensação do seu governo. Com base no montante da compensação dada a estes soldados estado-unidenses, a compensação por danos causados ao povo do Vietname seria da ordem das centenas de milhares de milhões de dólares.

Com seus pedidos de reparação contra os EUA, o Irã esperançosamente criará um precedente muito necessário, de que o Japão, o Vietnã e outros países onde a América impôs a sua democracia se aproveitarão no futuro.

07/Agosto/2016

Ver também:

Ahmadinejad to Obama: You still have time to fix 'bitter past' & return $2bn to Iran

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

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Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey