Colômbia: A improcedência do Plebiscito

Carta Aberta ao Governo Nacional

Nos dirigimos a vocês da maneira mais comedida com o ímpeto de fazer algumas precisões à iniciativa governamental de Plebiscito, já que conjuntamente Governo e FARC temos a responsabilidade de desenvolver o Acordo Geral para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura

La Habana, Cuba, sede dos diálogos de Paz, 8 de fevereiro de 2016, Ano da Paz

Carta Aberta ao Governo Nacional

Nos dirigimos a vocês da maneira mais comedida com o ímpeto de fazer algumas precisões à iniciativa governamental de Plebiscito, já que conjuntamente Governo e FARC temos a responsabilidade de desenvolver o Acordo Geral para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura, subscrito em 26 de agosto de 2012, servindo como testemunhas do fato delegados da República de Cuba e do Reino da Noruega.

Desde o momento aludido conseguimos êxitos sem precedentes que hoje nos têm próximos a alcançar um Acordo Final de Paz. Vale considerar que no transcurso dos meses de encontro efetuamos 46 ciclos de conversações, confrontado e contrastado teses, resolvido dificuldades surgidas na Mesa, e superado graves crises. Três anos de filigrana e de pacientes negociações se traduziram em acordos relacionados com inovadoras políticas de desenvolvimento agrário integral, iniciativas de transcendência para a melhoria da participação política dos colombianos, soluções ao problema das drogas ilícitas, criação da Jurisdição Especial para a Paz e a conformação da Comissão para o Esclarecimento da Verdade; a elaboração e aprovação por ambas as partes de mecanismos e políticas que buscam ressarcir as vítimas do conflito, tendo em conta em todo momento seus direitos fundamentais e a importância da verdade, sem deixar de lado a tomada de medidas de desescalada do histórico conflito, algumas já em desenvolvimento, com o ânimo de minorar os sofrimentos e fortalecer a confiança, e de encaminhar o país de maneira coletiva para o não retorno à guerra e a construção de uma cultura do "nunca mais".

Expomos todo o anterior porque esse catálogo de afortunadas decisões e compromissos que estão para ficar e cumprir-se sem vacilação alguma foram alcançados atendendo e interpretando com especial acerto cada um dos conteúdos que compõem o Acordo Geral já aludido, e a Agenda negociada no mesmo.

Se põe de presente com firmeza esta circunstância, porque entendemos que não se pode de maneira unilateral atuar na contramão das formas e do fundo do Acordo Geral selado com nossas firmas, que, mais que uma folha de rota, constitui um Acordo Especial Humanitário com tudo o que isso implica no interno e frente à comunidade de nações, dada a circunstância incontroversível de estar enquadrado no espírito e na letra do Direito Internacional Humanitário.

Concretamente, queremos nos referir aos alcances negativos que para o Acordo Geral e seu espírito, e para o trânsito para a paz, tem o chamado "plebiscito para a referenda", recentemente aprovado pelo Congresso da República. Cremos que este não é nem a via política nem o instrumento jurídico-constitucional adequado para alcançar a "referenda do acordo final para a terminação do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura". [texto tomado para sua citação do projeto conciliado pelas câmaras]

Por uma parte, a pretensão extra agenda que se adverte lesa o Acordo Geral, toda vez que de seu ponto sexto se desprende que somos as partes na Mesa de Diálogo os competentes para definir o sistema de referenda que se aplicará aos acordos que finalmente sejam alcançados. De tal maneira que a iniciativa posta em marcha inconsultavelmente não só desatende a palavra empenhada na Agenda como também constitui uma aplicação de instituições constitucionais e legais fora de lugar, sob pretexto de dar ao plebiscito condições e alcances dos quais carece por natureza.

Se analisamos friamente o mecanismo para referendar o Acordo Final, o primeiro que faríamos seria descartar a opção do Plebiscito, porque, ainda que este instrumento está consagrado na Constituição Nacional, sua impertinência, neste caso, é evidente à luz do Artigo 103 da Carta que assinala: "São mecanismos de participação do povo em exercício de sua soberania: o voto, o plebiscito, o referendo, a consulta popular, as assembleias populares, a iniciativa legislativa e a revogação do mandato. (...)"; em seguida, a Lei Estatutária 134/1994 indica que o Plebiscito é o pronunciamento do povo mediante o qual se apoia ou rechaça uma "decisão do executivo". Com a iniciativa em comentário, o executivo e o legislador parecem desconhecer os alcances que a lei estatutária que regulamenta os mecanismos de participação do povo assinala inequivocamente, sem permitir entorse alguma à instituição do plebiscito. A Paz é um direito e um dever de obrigatório cumprimento que, neste caso, tem sido possível graças a este processo bilateral de conversações entre as FARC-EP e o Estado colombiano, não por uma decisão individual ou dadivosa de uma pessoa.

O acordado na Mesa de Havana não pode ser confundido com uma "determinada decisão do Executivo". Que classe de metamorfose conceitual, política ou jurídica pode ser essa? Onde está o necromante que o possa explicar? Já o disse a Corte Constitucional em Sentença C-150 de 8 de abril de 2015: "Em síntese, o plebiscito tem como finalidade avalizar ou rechaçar uma decisão do executivo com propósitos fundamentalmente políticos e não normativos (...)".

Não é o plebiscito um mecanismo apto para produzir normas, ou para modificá-las, referendá-las ou derrogá-las. Muito menos constitui tal instrumento caminho algum para reformar a Carta. Não em vão indica esta no artigo 374 que: "A Constituição Política poderá ser reformada pelo Congresso, por uma Assembleia Constituinte ou pelo povo mediante Referendo". Inadequada, então, resulta a decisão unilateral do Governo e do Congresso de criar a ficção de um "plebiscito referendário".

Ademais da anterior consideração, devemos relembrar que o artigo 77 da Lei Estatutária 134 de 1994 afirma com precisão absoluta que o pronunciamento que o povo faça num Plebiscito, sobre políticas do Executivo, a propósito de aprová-las ou rechaçá-las, deve ser sobre aquelas "que não requeiram aprovação do Congresso". E o destacamos particularmente, porque a medida unilateral de referenda que se lhe vem expondo ao país como "plebiscito referendário" implica uma substituição do artigo 22 da Constituição Política que define a paz como "um direito e um dever de obrigatório cumprimento". Diz o artigo terceiro do Projeto de Lei Estatutária que convoca o Plebiscito: "A decisão aprovada através do Plebiscito para a Referenda do Acordo Final para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura terá um caráter vinculante para efeitos do desenvolvimento constitucional e legal do Acordo. Consequentemente, o Congresso, o Presidente da República e os demais órgãos, instituições e funcionários de Estado, dentro da órbita de suas respectivas competências, ditarão as disposições que lhes correspondam para acatar o mandato proveniente do veredito do povo expressado nas urnas".

Basta o anterior para compreender que estamos frente a um erro político e jurídico que se pretende apresentar como fórmula constitucional e legal que resolve tudo, que como consequência, referendaria o Acordo Final de Paz ainda por alcançar. Acrescentemos que a proposta que o Governo faz entranha um sério déficit democrático ao fixar um minguado limite de 13% do censo eleitoral, para criar um enganoso mandato: o de transladar todo o acordado e o que resta por se acordar na Mesa de Havana à chamada Comissão Legislativa em via de criação, ao próprio Congresso se fora o caso, ao executivo "e os demais órgãos, instituições e funcionários de Estado", a fim de delegar-lhes o que fosse "da órbita de suas respectivas competências", segundo o dito no texto conciliado pelas câmaras.

Sirva, então, esta comunicação para manifestar frente ao país que não aceitamos a aplicação do chamado "plebiscito para referenda do acordo final para a terminação do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura". A Paz é um mandato universal e constitucional, um direito imperativo e inseparável, assim como o é a dignidade humana. O acordo final que trará a paz à Colômbia, que se está construindo com tanto esmero e sacrifício, não pode ser posto em perigo por interesses políticos.

Em nossa opinião, o plebiscito referendário desconhece o Acordo Geral, a Constituição, o Estado de Direito e as normas de funcionamento do Estado colombiano. Lhes convidamos, então, a que, de maneira bilateral e tranquila, continuemos o desenvolvimento dos pontos da Agenda que ainda ficam por resolver, entre eles o ponto 6, que, seguramente, é tão claro para vocês como para nós outros: "Implementação, verificação e referenda". Deixemos de lado o que não tenha surgido dos textos do Acordo Geral e busquemos conjuntamente vias jurídicas que permitam a imediata implementação de todo o acordado em Havana uma vez se firme o Acordo Final. Mãos à obra. O país agradecerá.

Nos subscrevemos com toda consideração,

ESTADO-MAIOR CENTRAL DAS FARC-EP

Com cópia:

Corte Constitucional

Congresso da República

Plenipotenciários do Governo na Mesa de Diálogos

Países garantidores e acompanhantes

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey