Não fosse a intervenção do procurador alemão Fritz Bauer, Adolf Eichmann não teria sido localizado, pois o Mossad desconhecia a falsa identidade do criminoso de guerra, por não ter levantado a pista do empregado que vivia numa casa simples na periferia de Buenos Aires.
O filme O Estado alemão contra Fritz Bauer. do realizador Lars Kraume, projetado na Piazza Grande, no telão de 300 m2, tem o ator alemão Burghart Klaussner, no papel do procurador Fritz Bauer, informado por carta pelo pai da namorada do filho de Eichmann, sobre a verdadeira identidade do discreto empregado da Mercedes em Buenos Aires, sob a proteção do chefe de pessoal da empresa alemã.
Não fosse a intervenção do procurador alemão Fritz Bauer, Adolf Eichmann não teria sido localizado, pois o Mossad desconhecia a falsa identidade do criminoso de guerra, por não ter levantado a pista do empregado que vivia numa casa simples na periferia de Buenos Aires. Eichmann pecou por vaidade, pois planejava publicar um livro autobiográfico, Eu, Adof Eichmann, e gravou numerosos depoimentos para um jornalista alemão em Buenos Aires, um ghost writer encarregado de escrever o livro.
Ora, o jornalista andou apertado economicamente e para pagar suas faturas, andou vendendo alguns capítulos para jornais e revistas alemães. Os textos não foram publicados, porque como conta o livro havia ainda muitos nazistas nos principais setores da mídia, economia e política alemães, mas vazaram e um jornalista alemão vendeu essa informação para o procurador Fritz Bauer.
Fritz Bauer estava convencido de que a Alemanha precisava reconhecer seus crimes de guerra (como ocorrreu algumas décadas depois), porém o aparelho judiciário alemão estava nas mãos de alguns discretos antigos nazistas, que impediam as investigações do promotor alemão.
No primeiro contato com o Mossad, Fritz Bauer ficou decepcionado porque o serviço secreto israelense não acreditava nas informações do informante de Buenos Aires. E afirmou que só agiria, no caso só sequestraria Eichmann, se houvesse uma segunda pista credível e segura. Ora, Bauer possuía as contas de luz de dois funcionários alemães da Mercedes em Buenos Aires, mas precisava saber se um deles era mesmo Eichmann.
O procurdor Fritz Bauer usou, então, o que seria chamado no Brasil, de uma delação premiada, pois possuía documentos comprovando que o chefe do departamento pessoal da Mercedes tinha sido oficial nazista da SS. Diante da importância e urgência de obter a informação sobre Eichmann, Bauer foi encontrar esse alto funcionário da empresa automobilística, que aceitou fazer a delação para não ser denunciado e sofrer um processo por atos cometidos como oficial nazista. E confirmou a verdadeira identidade do funcionário em Buenos Aires.
De posse dessa preciosa informação, Bauer viajou a Israel via Paris e entregou ao Mossad essa segunda pista segura, à qual se seguiu o sequestro de Eichmann.
Não havia outra possibilidade senão o sequestro, pois os ex-nazistas vivendo na Argentina gozavam de proteção do presidente Peron. Contatos anteriores da Alemanha com a Argentina em busca de Eichmann tinham terminado com a negativa argentina de fazer qualquer busca do criminoso. Eichmann teria mesmo dito a autoridades argentinas não ter sido um bom funcionário alemão, pois encarregado da solução final não concluiu a liquidação dos onze milhões de judeus como fora encarregado pelo Terceiro Reich nazista.
Depois do sequestro do nazista, Bauer esperava conseguir de Israel a extradição de Eichmann para ser julgado na própria Alemanha. Mas isso lhe foi negado, pois Israel precisava do apoio bélico da Alemanha e dos antigos aliados, que não desejavam ter pela frente um tal processo na Alemanha dividida e em plena guerra-fria.
Paralelamente, o filme levanta uma questão ligada ao homossexualismo, severamente proibido nos anos 50 pela justiça alemã, com base em leis nazistas que ainda não tinham sido anuladas. Ora, o funcionário braço direito de Bauer na busca de Eichmann era homossexual e foi fotografado com um travesti pelo serviço secreto alemão, chefiado por um ex-nazista, com o objetivo de revelar sob pressão os planos de Bauer. Mas o funcionário rejeitou a chantagem e se autodenunciou, aceitando ser demitido por crime de homossexualismo, protegendo Bauer e as investigações sobre Eichmann.
O próprio procurador Fritz Baeur era homossexual, mas como revelara ao seu funcionário, era casado para evitar suspeitas, tinha esposa em Copenhague e nunca encontrara nenhum parceiro para evitar qualquer pressão no seu objetivo de agir como promotor e prender antigos nazistas. Nunca Bauer revelou ter sido o responsável direto pela prisão de Eichmann. Ao contrário, pouco antes do sequestro de Eichmann, tinha reforçado a informação do serviço secreto alemão de que Eichmann vivia no Koweit. E isso livrou-o de ser processado na Alemanha por ter contatado o Mossad.
O realizador do filme disse não temer processo por parte da Mercedes pela revelação, pois antes das filmagens contatou e informou a empresa, que preferiu não se manifestar. Além disso, o fato é comprovado pelos documentos do arquivo da Procuradoria alemã, da época de Fritz Bauer. Também foi notória, na época, a proteção argentina aos nazistas que conseguiram fugir da Alemanha com passaportes fornecidos pela Cruz Vermelha Internacional.
Rui Martins está em Locarno, convidado pelo Festival Internacional de Cinema.