Numa entrevista, dois dias antes de começar o Festival de Cinema de Locarno (do 5 ao 15), seu diretor, o italiano Carlo Chatrian, destaca ser forte este ano a presença brasileira não só em qualidade como em quantidade, pois são nove os filmes nas diversas mostras, dos quais quatro em competições.
A principal presença brasileira no Festival é a do realizador Júlio Bressane que levou a Locarno, há dois anos, o filme Educação Sentimental.
Segue a íntegra da entrevista.
Pergunta - Como está o cinema brasileiro este ano no Festival Internacional de Locarno?
Carlo Chatrian - Serão exibidos nove filmes novos, todos com estréia em Locarno. Bressane traz quatro filmes e um deles é do próprio Bressane, um filme extraordináario, que confirme seu humor e sua leveza na direção e seu desejo de refazer as regras do cinema e da sociedade.
Os outros três foram por ele produzidos, dois são primeiros filmes: Origem do Mundo, de Moa Batsow, e O Espelho, de Rodrigo Lima. São filmes interligados, que conservam o mesmo ambiente, filmados no mesmo lugar.
São como estrelas, um mais para documentário, outro mais metafórico, acho que serão verdadeiras descobertas. Tela Brilhadora, título que agrupa os quatro filmes, é um projeto lançado e criado pelo próprio Bressane. Foi ele quem nos propos, nós achamos ótimo e, então, trouxemos Bressane no júri, acompanhado dos filmes de seu projeto.
Existem mais filmes brasileiros no programa?
Carlo Chatrian - Sim, e na competição internacional, pois embora o filme seja espanhol, seu diretor, Sérgio Oksman, é brasileiro e o filme foi todo rodado no Brasil. É a história de um filho que vai encontrar seu pai no Brasil, não se vê exatamente os jogos da Copa mas se mostram as transmissões e como o futebol é vivido pela nação, Com a tragédia, se assim posso falar, vivida pela equipe brasileira no ano passado. É um filme na primeira pessoa, existencial e uma escolha das filmagens de uma maneira bem marcante.
Há também uma coprodução codirigida pela brasileira Petra Costa e a dinamarquesa Lea Glob, o filme Olmo e a Gaivota. Mais dois curtas-metragens, na mostra Leopardos de Amanhã: História de uma Pena, de Leonardo Mouramateus, e O Teto sobre Nós, de Bruno Carboni.
E na Piazza Grande um outro filme brasileiro, fora da competição...
Carlo Chatrian - Trata-se de Heliópolis de Sérgio Machado, á história de um músico, com uma interrupção no seu percurso profissional, que toma o desafio de ir ensinar a música clássica numa favela. No início, não parece ser bem entendido, mas a seguir se estabelece a relação dele com os jovens músicos, num filme de fundo político e com bastante conteúdo emotivo.
Mas, tirando-se o Brasil, parece que América Latina em geral não está muito presente na Piazza Grande e nas diversas mostras.
Carlo Chatrian - No ano passado, é verdade havia mais filmes latinoamericanos, porém temos este ano um filme mexicano na competição, que também é guatemalteco, e temos um filme colombiano e um argentino na competição de Cineastas do Presente. Há ainda três curtas-metragens argentinos na mostra Leopardos de Amanhã.
É normal haver um ano com maior e outro com menor presença latinoamericana. Entretanto, é bom lembrar haver uma presença latinoamericana bem forte nos júris.
(Nota da Redação: Daniela Michel, diretora de Festival mexicano, na Competição Internacional; o realizador brasileiro Júlio Bressane, na competição Cineastas do Presente: a produtora argentina, na competição Leopardos de Amanhã; e o crítico de cinema argentino, Roger Alan Koza)
Se podemos resumir, é muito uma questão de épocas de produção. Recebemos muitas propostas de filmes mexicanos e da Argentina, mas tivemos de fazer escolhas, porém isso não tem nada a ver com a qualidade do cinema latinoamericano.
Como está o Brasil este ano em Locarno?
Acho que o Brasil nunca esteve tão bem representado em Locarno, nestes últimos dez anos, com seus quatro filmes em competições. O filme de Bressane, Garoto também poderia estar na competição, mas foi sua escolha de estar em Locarno com os outros três filmes da Tela Brilhadora. Podemos dizer que este ano o cinema brasileiro está em destaque.
E a representação lusófona em geral, filmes africanos e de Portugal?
Carlo Chatrian - O cinema africano tem estado em crise nestes últimos anos e mostra pouca presença, não só em Locarno como nos outros festivais, onde é difícil achar um filme de Moçambique ou de Angola. Mas através da mostra Open Doors há um boa presença de filmes que estão se fazendo na África do Magreb. Também se pode ver, fora de competição, o filme argelino Contra-Poderes, de Malek Bensmail, em coprodução com a França.
De Portugal, recebemos muitos filmes este ano, tivemos de fazer uma escolha e restaram uma coprodução portuguesa com a França, Cosmos, dirigida pelo realizador polonês Andrej Zulawski; e mais dois curtas-metragens de João Rosas, Maria do Mar, e O que nos Resta, uma coprodução com a Áustria, dirigida pela austríaca Jola Wieczorek. Há ainda o filme Nuvem Negra, de Basil da Cunha, citado como filme suíço, porém o realizador é de origem portuguesa, que se vive entre Lausanne e Lisboa.
Por Rui Martins, convidado pelo Festival Internacional de Cinema de Locarno.