A questão verdadeira é se essas ações para paralisar o país, exacerbar uma diminuição no ritmo da atividade econômica, desencorajar investimentos externos diretos, levar à falência setores inteiros da economia, como construção e energia, gerando, no processo, nova onda de desemprego...
Doutrina do Choque aplicada ao Brasil - "Ninguém está questionando a corrupção institucional histórica nem a indignação ante a escala da corrupção e da ação desses cartéis até hoje, em 2015.
A questão verdadeira é se essas ações para paralisar o país, exacerbar uma diminuição no ritmo da atividade econômica, desencorajar investimentos externos diretos, levar à falência setores inteiros da economia, como construção e energia, gerando, no processo, nova onda de desemprego, poderiam de algum modo visar ao melhor interesse nacional, mais do que à promoção eleitoral de um determinado partido ou faixa específica do espectro político. (...)
O Departamento de Justiça dos EUA também está auxiliando a acusação na 'Operação Lava Jato' - o que já começa a levantar preocupações sobre intromissão na soberania nacional do Brasil."
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O Brasil está tendo um 2015 horrível; situação econômica bem menos favorável, inúmeros erros de avaliação política cometidos no início do primeiro mandato da presidenta Rousseff e escândalos sem fim que se seguiram à eleição de 2014, resultaram em dilúvio de manchetes, em casa e no exterior, todas declarando que "Brasil está em crise" ou, como em fevereiro na Time, que o Brasil estaria "À beira do abismo".
Contudo, para observadores experientes do Brasil, e no contexto da situação que se vê na Grécia, esse tipo de linguagem é sensacionalista e excessiva. 2015 será o pior ano de contração do PIB em 25 anos, mas é estatística que, sozinha, não chega nem perto de descrever a situação real. Será ano difícil para os trabalhadores brasileiros? Sim. Provavelmente, se verão retrocessos nos ganhos impressionantes que o Brasil obteve na sua luta contra a desigualdade e a fome? Alguns, sim, pequeno. O Brasil perderá o seu Grau de Investimento que tanto lhe custou obter? Talvez, dependendo de com quem se fala. Mas a questão realmente importante é: será que o governo brasileiro chegará de pires na mão para pedir ajuda ao FMI, tentando evitar o calote? Não.
Em 1991, o Brasil era a 9ª maior economia do mundo. Quando Fernando Henrique Cardoso deixou a presidência, o país já havia caído abaixo de Índia e México, para o 13º lugar. Hoje, é o 7º. Permaneceu por algum tempo no 6º lugar, durante a Crise Financeira Global, pela qual o Brasil foi dos países menos afetados, dentre outras razões, também por tem implantado regulações financeiras protetivas das quais, em 2007, a fraternidade dos Friedman-itas na revista Economistreclamara.
Em 2012, estudo do Federal Reserve examinou o quanto crises econômicas são com frequências profecias que se autocumprem, movidas por algum clima de incerteza alimentado pela imprensa-empresa.
"Há fundamentos tangíveis e muitas vezes dolorosos que determinam o rumo da economia - desemprego, taxas de juros, preços da moradia, inflação, produção industrial, dívida pública. Mas mais que qualquer outra coisa, mercados são psicologia, e uma atmosfera de pânico entre produtores e consumidores faz reduzir as compras, movimentos que acentua ainda mais qualquer retrocesso."
A grande mentira
Brasil Wire tem escrito muito sobre o viés interno e a falta de pluralidade na paisagem da imprensa-empresa brasileira, material que está bem sintetizado numa matéria intitulada "Brasil, o país dos 30 Berlusconis" [ing. "Brazil, the country of 30 Berlusconis"]. A imprensa-empresa no Brasil, monoliticamente toda ela contra o governo do Partido dos Trabalhadores, tem alimentado gozosamente a histeria geral com a linguagem da crise - e o corpo de correspondentes estrangeiros aparece ainda mais gozosamente, puxando o cordão.
Vez ou outra, a televisão ao vivo oferece alguma surpresa. O ex-jornalista de esportes e apresentador de TV Faustão, apresenta hoje um dos programas mais populares da TV brasileira, puxador de audiência dos domingos à tarde na rede Globo. No final de junho, Faustão monologava sobre como o Brasil é país das crises, do desemprego, do desespero, quando pediu que sua convidada, atriz famosa, muito conhecida e respeitada Marieta Severo, falasse sobre esses 'problemas'. A atriz discordou de tudo, da posição pessimista de tantos do público audiente do Programa do Faustão, e explicou que, na opinião dela, a inclusão social é hoje maior do que jamais antes, que a percepção de "crises" é coisa subjetiva. Ainda mais surpreendentemente, houve muitos acenos de cabeça, de pessoas que concordavam com a atriz, no público normalmente robótico daquele programa; depois se soube que a atriz teria recebido ameaças por ter manifestado opiniões tão equilibradas pela televisão, em programa de domingo à tarde.
Quebrar o país, para quebrar o governo
A atual situação pela qual o Brasil passa não é desconhecida para quem tenha lido A Doutrina do Choque - A Ascensão do Capitalismo de Desastre, de 2007, da autora Naomi Klein, que explica os mecanismos pelos quais políticos de direita, em colusão com aliados políticos dentro da imprensa-empresa, têm frequentemente tentado fabricar crises, como método para fazer avançar seus objetivos.
No livro, Klein comenta o caso do Chile, como exemplar para a América Latina, mas o Brasil também é caso exemplar, e anterior.
No início do golpe militar de 1964 no Brasil, que foi estimulado pelos EUA, houve vários exemplos de exacerbação deliberada de um ambiente político difícil, por forças reacionárias, para assim gerar pretexto para um golpe armado que se anunciaria para "salvar do caos", o Brasil.
Que o golpe de 1964 no Brasil tenha sido estimulado pelo governo dos EUA não é fantasia paranoide, e é fato já claramente demonstrado por documentos do Arquivo de Segurança Nacional dos EUA afinal tornados públicos, nem aquele caso marcou o fim da interferência dos EUA em assuntos internos do Brasil.
Dilma Rousseff não foi eleita nas presidenciais de 2014 - como insiste em repetir uma narrativa da imprensa-empresa zumbificada - por "mínima margem de votos": venceu por mais de 3,5 milhões de votos, porcentagem comparável à de Barack Obama contra Mitt Romney. Mas o mito se perpetua pela imprensa-empresa, de que Rousseff seria presidenta sem legitimidade, e que derrubá-la do governo seria alguma espécie de 'vitória da democracia' no Brasil. Houve também alegações previsíveis e sem qualquer base, de que teria havido fraude eletrônica, e 'comentaristas' a repetir que "amanhã, os mercados não serão generosos com o Brasil". Ninguém está questionando essa corrupção institucional histórica nem a indignação ante a escala da corrupção e da ação desses cartéis ainda em 2015.
A questão verdadeira é se essas ações para paralisar o país, exacerbar uma diminuição no ritmo da atividade econômica, desencorajar investimentos externos diretos, levar à falência setores inteiros da economia, como construção e energia, gerando, no processo, nova onda de desemprego, poderiam de algum modo visar ao melhor interesse nacional, mais do que a um determinado partido ou faixa específica do espectro político.
Estão em ação tentativas para apresentar a Petrobras - que hoje alcança níveis recordes de produção - como empresa falida e sem salvação possível, que só a privatização poderia recuperar. Enquanto isso, a imprensa-empresa mostra o "juiz Moro" como alguma espécie de salvador da Petrobrás e do país - que os resgataria de uma histeria que a própria imprensa-empresa só fez fomentar ao longo dos últimos anos.
A imprensa-empresa quer que todos acreditemos que essa campanha anti-Brasil em curso hoje seria simplesmente "as instituições do Brasil afinal trabalhando como devem". Dora Cavalcanti, advogada que representa um dos gigantes da construção, a empresa Odebrecht, criticou publicamente as irregularidades em todo o processo e na tramitação do caso pelas estruturas judiciais no Brasil. O Departamento de Justiça dos EUA também está auxiliando a acusação na "Operação Lava Jato" - o que já começa a levantar preocupações sobre intromissão na soberania nacional do Brasil.
O medo é que todos os ganhos sociais obtidos durante a geração anterior sejam desconstruídos, se essa 'mudança de regime' alimentada pela doutrina do choque e capitalismo de desastre acontecer no Brasil. Amostra do que pode estar por vir já se vê agora, nas manobras que Eduardo Cunha está comandando no Congresso (que se pode comparar à paralisia que se estabeleceu entre a Câmara de Deputados de Newt Gingrich e o segundo mandato de Bill Clinton). Eduardo Cunha, que integra o bloco evangélico do Congresso brasileiro e tem longa história de acusações por corrupção, tem usado as fraquezas do Executivo, para forçar votações e discussões públicas sobre 'causas célebres' tipo redução da maioridade penal, financiamento privado de campanhas eleitorais e legislação de terceirização, que a esquerda define como "retrocessos".
O principal partido de oposição no Brasil, o PSDB, recolheu-se para um jogo de espera, em vez de apresentar qualquer tipo de ideia ou políticas de aprimoramento político ou social, itens que muitos brasileiros, com muita razão, procuram e gostariam de poder discutir. Já não parece haver dúvidas de que o Partido dos Trabalhadores deixou-se tomar por uma espécie de 'fadiga de governo'. Desde a eleição, a máquina do partido deixou-se enrolar em infindáveis discussões internas sobre o que o partido deveria fazer para retomar a representatividade que perdeu, aos olhos da classe trabalhadora, classes médias letradas e movimentos sociais de base.
Uma das hipóteses é que se, como muitos economistas preveem, 2016-17 vir uma retomada do Brasil na direção de melhores perspectivas econômicas (o FMI prevê aumentos no PIB de +1,1% para 2016, e de +2,0% para 2017), se fechará a janela de oportunidade com vistas ao golpe midiático, judicial e parlamentar em curso hoje para derrubar Rousseff e o PT do governo, embora não sem resistência (ing., port.). Mas a direita brasileira ultrapassa linhas partidárias como DEM, PP, PSDB e PMDB e não quer apenas derrubar a presidente Rousseff: querem a total extinção do Partido dos Trabalhadores como força política.
Êxodo
O Brasil conhece bem o êxodo de jovens e ricos. Desde o restabelecimento da democracia em 1989, em vários momentos, como 1994, 1999, 2001, houve êxodo de cérebros para o Hemisfério Norte, em momentos de crise de segurança econômica ou de inflação. O medo de inflação rampante e imprevisível é ainda o principal medo dos que tenham idade suficiente para lembrar dos anos 1990s.
É estranho que o sonho de jovens educados de classe média seja deixar o país, quando, depois de um curto período de otimismo, tudo mudos nos últimos dois anos, com a volta dos velhos medos econômicos. Quanto desse medo é racional? Quanto é induzido pela imprensa-empresa? A crise não é econômica - não, pelo menos, até agora. A crise é institucional e política.
É preciso questionar a ética por trás da propaganda de imagens falsificadas de um estado em colapso. Que efeito tem isso em termos psicológicos sobre a população?
Entre a classe média superior que fala inglês, não se deve subestimar o efeito da mídia estrangeira - à qual se tem acesso hoje pelas redes sociais - sobre a psicologia do país e sua autoimagem.Complexo de Vira Lata pode ser expressão já desgastada pelo uso, mas o 'viralatismo' que ela descreve é fenômeno genuíno e muito disseminado. Agências de Marketing até identificam o complexo como característica alvo para compradores do que as agências vendam, como brandsestrangeiras [ou apresentadas em ingês (NTs)].
Os megaeventos da Copa de Mundo de futebol de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, quando o Brasil obteve o direito de hospedá-los, foram divulgados como se "o país do futuro" afinal tivesse 'chegado lá'. Embora trazendo também preocupações éticas e econômicas bem documentadas, esses eventos também serviram como plataformas de mídia, para veículos estrangeiros alimentarem imagens sensacionalistas de caos, para leitores habituados a material que só faz reafirmar a superioridade pós-colonial deles mesmos. Independente de contexto sociopolítico, o material é familiar: estereótipos de miséria, crimes, violência, corrupção sempre "abaixo do Rio Grande", com eventuais rápidas exibições de inocentes belezas naturais.
Há três principais linhas de propaganda anti-Brasil sempre presentes em toda a cobertura em língua inglesa (também, em alguma medida, em inglês europeu).
- Uma é a questão da degradação ambiental, que insiste que o Brasil deve ser proibido de desenvolver-se, tropo que nada tem de novo e persiste já há décadas.
- Outra é o 'problema' da "economia fechada" do Brasil (que nunca deixa de fazer referência à propriedade majoritariamente estatal da Petrobrás).
- A terceira, é o Brasil moderno sempre retratado como "estado fracassado".
Exemplo de como a narrativa editorial desse "estado fracassado" é levada à opinião pública pode ser visto no modo como o racionamento de água em São Paulo foi noticiado, sobretudo se comparada essa cobertura e a cobertura dos eventos na Califórnia, onde a situação é muito mais grave. A chuva continuada e em alguns meses maior que a média de novembro a abril foi completamente ignorada; foi ignorado também o detalhe crucial de que apenas 5% da água é direcionada para o consumo doméstico - cerca de 40% de toda a água do Estado de São Paulo é consumida só na indústria de produção do Etanol. Não se fala disso. A explicação oferecida é que "Brasileiros tomam banho demais".
Todos os projetos & soluções em andamento para aliviar a carência de água foram consideradas 'pouco interessantes' para os leitores e telespectadores. Muito mais atraente, em termos editorais, foi a possibilidade de fim do mundo, por falta d'água, à maneira de filme de Mad Max.
Em fevereiro de 2015, Ian Bremmer do Eurasia Group publicou essa matéria espantosa na revistaTime, que circulou pelas mídia tradicionais e sociais, antes dos protestos da direita contra o governo, como 'prova' de que uma 'revista conceituada' da 'imprensa estrangeira' já sabia que o país estaria caindo aos pedaços. Não satisfeito, o mesmo Bremmer publicou nova loucurada aindamais ridícula, para 'comprovar' o que ele mesmo escrevera, como se o 'endosso' comprovasse a validade do artigo.
Junho
Além do momento de economia mais lenta, a atual 'crise' começou a ser percebida, gostem ou não, em junho de 2013, quando o governo da presidenta Dilma Rousseff, que então alcançava 79% de aprovação, passou repentinamente a ser alvo de movimentos de rua, para manifestar a 'insatisfação' popular, que levou quase um milhão de pessoas às ruas - embora motivado pela provocação feita pela polícia militar do estado de São Paulo, que atacara com violência um pequeno protesto acontecido antes.
Depois daquela manifestação de brutalidade, quando uma jornalista quase perdeu um olho, atingida por uma bala de borracha, houve uma grande manifestação em São Paulo, com bem poucas evidências de qualquer sentimento Anti-Rousseff ou Anti-PT. O que realmente se via era uma espécie de insatisfação geral e difusa, contra o 'sistema político', 'os políticos' e os serviços públicos. Nessa noite monumental, o noticioso Globo News exibiu repetidas vezes cenas de uns poucos milhares de pessoas que escalaram a cobertura do prédio do Congresso em Brasília, com subtexto bem claro.
Atacado pela direita e pela esquerda, o Partido dos Trabalhadores parecia nesse período ter perdido o controle do pacto social que o mantivera no poder, até ali, por três mandatos presidenciais.
Resultado disso foi um PT intimidado, eleição presidencial mais disputada do que se teria previsto um ano antes, eleição do Congresso mais conservador desde 1968 e esse golpe midiático, judicial e parlamentar paralisante. Resultados que seriam as últimas coisas que os manifestantes originais teriam desejado ou previsto ou esperado.
Soube recentemente que grupos de direita e explicitamente antigoverno, com os "Vem Pra Rua" &MBL, que foram formados em junho de 2013, imediatamente depois dos protestos e no momento em que o movimento original se recolhia, fizeram sua 'participação' com apoio e suporte financeiro de ONGs com sede fora do Brasil e instituições de ensino também com sede fora do Brasil. Essas organizações continuaram sua campanha, mantida com bilhões de organizações dos EUA a tentar mudar a opinião pública jovem no Brasil em relação à privatização da saúde e da educação públicas, para pôr fim aos programas de bem-estar social, pró desregulação das finanças e outros temas 'correlatos'. Recentemente, representantes do MBL estiveram com Eduardo Cunha em Brasília para apresentar uma petição para o impeachment (ilegal) da presidenta.
Analisado de hoje, aquele quadro de junho de 2013, o que se vê é que a esquerda brasileira deixou-se efetivamente enganar e realmente entregou o que a direita esperava: o enfraquecimento da presidenta Rousseff e do PT.
Um golpe muito 'à brasileira'
Para observador externo, é golpe vasto de mais para ser visto por inteiro e complicado demais para ser compreendido. Matéria publicada na Folha de S.Paulo (ing.) fala em 'tomada do poder', outros falam de clusterfuck [lit. "fodeu-total"], mas pode-se usar a palavra "golpe"? Sim se pode. Em 2015, o conceito de "golpe" já há muito tempo deixou de exigir a presença de tanques nas ruas.
Contra uma muralha de silêncio na imprensa-empresa estrangeira, movimentos sociais e partidos da coalizão lançaram declarações antigolpe nos últimos dias. Se não basta para provocar preocupação internacional, o que estaria faltando?
Rousseff como se sabe foi mantida prisioneira e torturada durante três anos durante a ditadura que foi ativamente assistida e apoiada pelos EUA, especialmente durante os mandatos de Kissinger ("E essa semana os dois se encontraram"), e o poder dominante naqueles anos de ditadura permanece vivo sob várias formas no Brasil, mas especialmente no Senado.
Por todo o continente há esforços recentes bem documentados, alguns bem-sucedidos, para derrubar governo eleitos, no Paraguai, no Equador, na Bolívia e, claro, na Venezuela, em todos os casos usando uma combinação de distorção 'jornalística' e protestos de rua induzidos por empresas-de-mídia ("imprensa-empresas"), combinados com jogadas parlamentares e dos corpos jurídicos. No caso do Paraguai, há comunicação documentada em telegramas do Departamento de Estado divulgados por Wikileaks, que comprovam que os EUA sabiam do, e sugerem conivência noimpeachment de Fernando Lugo - e desde o momento em que foi eleito. Uma das ideias que circulam é que a ação contra Lugo estava relacionada a interesses do petróleo no Paraguai; outras motivações que estariam por trás da derrubada de Lugo incluem tornar possível um veto contra a entrada da Venezuela, como membro pleno, do Mercosul. Mas o Paraguai acabou suspenso do Mercosul depois do golpe, e foi impedido de exercer tal veto.
O modus operandi em toda a América Latina é em grande medida semelhante, mas o Brasil é vasto e diverso, e qualquer tentativa de desestabilização, seja iniciada por elites locais, interesses de fora ou alguma combinação das duas coisas, como quase sempre é o caso, terá sempre de acontecer em muitas frentes, sem garantias de sucesso. Há quem diga, erradamente, que 2013 teria sido um golpe malsucedido, mas os esforços dos então golpistas nunca pararam. Uma estratégia de Guerra de 4ª Geração observada em outros países latino-americanos como a Bolívia, inclui o longo jogo de destruir bases sociais e movimentos de base que possam apoiar partidos que não favoreçam interesses norte-americanos. O registro de popularidade da presidenta Rousseff, que era recorde, de79% em maio 2013, hoje está 10%. Mas mesmo esse número tem de ser examinado com atenção - parte considerável da insatisfação com Rousseff advém do que parece ser inabilidade para administrar as forças de direita, que agora tentam sequestrar o poder.
Como esse jornalista escreve, o principal motivo de preocupação dos eleitores brasileiros, e tema que afeta a popularidade de qualquer presidente, são os empregos, os aumentos de impostos e a inflação. 2015 está sendo ano ruim nesses três quesitos, o que sempre fará aumentar a impopularidade de qualquer governante.
Internamente, Roberto Amaral, ex-presidente dos socialistas, escreveu em março, que o golpe já acontecera - a partir do momento em que Eduardo Cunha assumiu a liderança do Congresso. A hipótese de Amaral é que o país seria hoje governado por Cunha, pelo procurador no processo da "Operação Lava Jato" Sergio Moro, por Renan Calheiros, presidente do Senado, pelo juiz Gilmar Mendes da Suprema Corte e pela Globo TV, cujo âncora William Waack aparece citado nos telegramas do Departamento de Estado como homem a serviço, provavelmente, dos EUA.
O PSDB, tido como principal partido da oposição divulgou documento em que diz que não apoia qualquer golpe ou impeachment - mas não há dúvida de que estão prontos a saltar para o bote golpista, se se criar um vácuo de poder. Como partido preferido da imprensa-empresa brasileira, e dos EUA e aliados, a volta ao poder dos políticos do PSDB seria resultado mais provável no caso de colapso do Partido dos Trabalhadores. E nem é preciso repetir, porque é muito claro para todos, que nenhum golpe para derrubada (ilegal) de governo democraticamente eleito na América do Sul - muito menos num país de território gigante, como o Brasil - seria jamais tentado sem a garantia prévia de que os EUA reconheceriam qualquer governo que nascesse do golpe.
Em 1998, documentos que permanecem secretos referiam-se a um esquema norte-americano para ajudar a garantir resultados eleitorais favoráveis. Revelações recentes de Wikileaks mostram que a Agência de Segurança Nacional dos EUA mantêm escutas clandestinas nas comunicações de várias figuras chaves responsáveis por assuntos da economia do Brasil.
No mundo profissional dos cara-de-pôquer da diplomacia dos EUA, a atual embaixadora Liliana Ayelde, apesar de ter sido expulsa da Bolívia sob acusações de envolvimento em ações para desestabilizar o governo, e de estar no Paraguai como embaixadora durante o golpe que derrubou Fernando Lugo, nem por isso é uma Victoria Nuland.
No momento em que esse artigo está sendo escrito o senador José Serra, do PSDB, que há muito tempo negocia por trás das cortinas com empresas estrangeiras de petróleo e com o Departamento de Estado sobre a abertura dos campos de petróleo do pré-sal brasileiro, atualmente controlados pela Petrobras, está tentando fazer passar pelo Senado a correspondente legislação nesse sentido.
Além do "Nacionalismo dos recursos" [orig. "Resource Nationalism"], a baixa receptividade aos controversos novos tratados comerciais, a emergência dos países BRICS e seu banco de desenvolvimento que fará concorrência ao Banco Mundial e ao FMI, e a consolidação, que amplia a integração regional, do bloco do Mercosul, são preocupações conhecidas e bem documentadas doDepartamento de Estado dos EUA sobre o Brasil. Essa informação disponível e de livre acesso para todos, é infelizmente alvo de censura editorial e/ou de autocensura nas empresas-imprensa - e desde antes de todos sabermos das atividades de organizações norte-americanas como a Associação Interamericana de Imprensa (ing. IAPA).
Para coincidir com a recente visita da presidenta Rousseff aos EUA, Brasil Wire publicou matérias sobre um conjunto de conflitos que têm de ser resolvidos, para que os dois países construam parceria legítima, entre iguais. Simultaneamente, a revista Foreign Policy que pertence ao grupo doWashington Post publicou matéria sob o título "Por que o Brasil não engolirá a isca com que Dilma o tenta", comentando como fato consumado a derrubada de Rousseff (Outros artigos anteriores, da mesma FP [esse artigo mais antigo, e esses dois artigos] sobre a eleição da presidenta Rousseff em 2010, já manifestavam sentimentos semelhantes). Mais matérias semelhantes foram publicadas pela Reuters, cujo diretor de sucursal (e ghostwritter de Fernando Henrique Cardoso), deixou recentemente o Brasil, depois do escândalo do #PodemosTirarSeAcharMelhor - que sugeria viés pró-oposição. E também o canal Bloomberg, financiado pela [corretora] Terminal e dedicado a agitar mercados, juntou sua voz a esse mesmo coro de 'inevitabilidade'.
Definir uma crise
Se se olha além dos dados crus da economia, o Brasil tem sido muito bem-sucedido nos últimos 12 anos, gerando estatísticas que realmente contam mais, a saber, as que têm a ver com a vida diária real das pessoas. Por mais que especialistas midiáticos ativos na imprensa financeira anglo-saxônica frequentemente acusem o governo do Partido dos Trabalhadores de estar "desperdiçando os ganhos do boom das commodities", a verdade é que o Brasil usou um clima econômico global favorável para atender questões importantes e realmente prioritárias, como pagar sua dívida internacional; erradicar a fome; construir um programa de transferência básica de renda para um programa de bem-estar; e aumentos massivos nos gastos em educação e saúde. Em 2005, o Brasil disse ao FMI que não mais precisaria de empréstimos, e pagou o que devia, servindo-se de reservas acumuladas. Desde então, o Brasil acumulou uma das maiores reservas mundiais de dólares - US$375bn, dez vezes superior ao que tinha na década passada - e mantém a posição de 3º maior possuidor de papéis da dívida externa dos EUA, com mais de $320bn.
O Brasil é também país de território enorme, e, se o crescimento do PIB de estados tradicionalmente ricos como SP estão andando para trás, vê-se uma história de vasto sucesso comparativo do imenso norte do país, cujo PIB cresceu até 8%. Mais importante que isso, o crescimento que se espalhou demograficamente resultou em crescimento a níveis chineses para os mais brasileiros mais pobres - com a camada mais alta da pirâmide, dos mais ricos, não ultrapassando pobres índices alemães de crescimento.
O Brasil é o único país dentre as grandes economias emergentes de mercado que conseguiu combinar crescimento e redução da desigualdade. Nada, até esse momento, indica qualquer tipo de reversão cíclica que altere essa tendência, mas o Brasil tem de manter-se atento, porque a estagnação é um risco; e reconstruir a confiança do país é vitalmente necessário.
O professor Fernando Luz Lara, que vive nos EUA, escreveu para Brasil Wire sobre coeficientes GINI convergentes que medem trajetórias opostas da desigualdade (a) no Brasil e (b) nos EUA - leitura muito indigesta para os que, ganham a vida a tentar ignorar o fracasso da economia neoliberal, que jamais entregou o que prometeu à maioria das populações.
O Brasil já passou por tempos piores. E conhecerá tempos melhores. *****
8/7/2015, Brasil Wire, Londres, Reino Unido (dica de Oriente Mídia, pelo Twitter)