Por que houve uma ausência de aplausos ao terminar o filme Tudo vai dar certo (Everything will be fine) de um dos maiores cineastas alemães Wim Wenders, com atores como James Franco e Charlotte Gainsbourg?
A história é tocante: Num dia de inverno de pouca visibilidade, numa estrada deserta e coberta de neve, no norte do Canadá, o jovem escritor Tomas dirige seu Jeep, para ir se encontrar com a namorada Sara.
De repente há um choque e um barulho, Tomas freia, não tem idéia do que poderia ser. Desce do carro e vê um menino no chão e um trenó que descera desembalado uma elevação e se chocara com seu carro. Assustado, Tomas apalpa a criança para saber se está viva, vê que se mexe, logo fica de pé e, seguindo suas indicações leva-a para casa.
A mãe abre a porta e Tomas explica ter havido um pequeno acidente, a mãe grita e sai correndo em direção ao carro. .Não fora um pequeno acidente. As crianças eram duas, Christopher não sofreu nada mas seu irmão Nicolas estava embaixo do carro, morto.
Tomas, mesmo não sendo culpado, não se perdoou pelo acidente e sofreu um trauma e uma depressão diferentes dos vividos pela mãe e pelo irmãozinho de Nicolas. Ao deixar a Polícia, onde prestou depoimentos sobre o acidente, foi se encontrar com Sara mas não entrou e quase enregelou dentro do carro do lado de fora, onde passou a noite.
A seguir, sem contar o acidente, rompeu com Sara, uma relação já em fase terminal, e rumou para um motel, onde tentou se suicidar.
O filme de Wim Wanders, como explica o próprio cineasta, é o longo processo de remissão ou de cura do sofrimento, a saída do trauma e da depressão, de Tomas, vivido por James Franco. A luz é sempre tênue e a filmagem feita em terceira dimensão, "para se obter ainda mais realidade" diz Wenders.
Mas por que os críticos não aplaudiram? Talvez por ser um filme perfeito demais, onde tudo parece meticulosamente medido, a ponto de se sufocar os sentimentos dos personagens. A trama é triste, sem entretanto provocar lágrimas e a perfeição asseptiza.
O filme está fora de competição, mas no dizer de um crítico, postado logo depois da exibição do filme, no online de um jornal de Zurique, "num ano de uma safra de bons filmes, Wim Wenders não teria nenhuma chance, se estivesse concorrendo ao Urso de Ouro".
Wim Wenders explica que a força da música do filme se deve a Alexandre Desplat, alguém meticuloso com quem trabalha há muito tempo e muitos filmes.
Para James Franco, Wenders dá bastante espaço para o ator desenvolver o personagem, entretanto, mesmo com essa margem de manobra, "eu sabia ser, eu próprio um personagem de Wenders. Ele tem sua maneira de conduzir e marcar a direção do filme. Neste filme, vi que o filme envolvia o estado interior e meu personagem. Mas Franco marca uma diferença entre Werner Herzog, com quem fez Raínha do Deserto, também em Berlim, e Wim Wenders, ambos alemães e minuciosos: Wim Wenders dá maior espaço de liberdade, não fica colado atrás como Herzog. Entretanto, aceitaria de olhos fechados qualquer outro filme com um ou outro, porque com eles se sente em segurança como ator.
Por sua vez, Charlotte Gainsbourg, disse ter se sentido bem ao viver a personagem de Kate, a mãe do menino acidentado. Papel que desempenha com desenvoltura e credibilidade. Por que sempre papéis tristes e dilacerantes? ao que Charlotte explica: "não são minha escolha, mas os que me oferecem".
Marie-Josée Croze que vive Ann, com quem Tomas se casou confirma Charlotte e Franco - "Wenders escolhe as pessoas que ele gosta. Nós nos encontramos antes do filme e me senti livre para viver a personagem de Ann. "Conheço a obra de Wenders e seu universo. Nos outros filmes, vi que ele é maníaco de detalhes e da subtileza do instante, por isso procurei ser a mais honesta possível, mesmo porque a 3D mostra tudo com relevo. Para mim foi uma honra trabalhar com Wenders".
"O título do filme pode ter alguma coisa de conto de fadas, mas o objetivo do filme, diz Wenders, é o de mostrar todo o processo de cura de Tomas, longo e cheio de entraves. Como curar Tomas de sua culpa junto a uma família que não conhece?
Tomas procura construir uma família com Ann, encontrada no elevador do prédio de sua editora. E que traz consigo uma menina, pois Tomas - para agravar seu trauma - é estéril. No processo de cura é ajudado igualmente pela generosidade da própria mãe de Nicolas, que lhe mostra ser necessário ele se perdoar a si mesmo.
Wenders acentua diversas vezes, durante o encontro com a crítica, ser um filme sobre a cura do sofrimento depois de um trauma, quando geralmente os filmes só tratam do trauma, da causa do sofrimento. Mas esqueceu de dizer que seu filme é, acima de tudo, um retrato do sofrimento masculino diante da morte de uma criança, mais exatamente do sofrimento paternal, mesmo se Tomas não era o pai de Nicolas.
Uma tristeza capaz de provocar soluços e lágrimas nos espectadores, mas impedida de arrebentar no filme de Wender, por isso a falta de palmas ao terminar.
Rui Martins