O filme cearense Punhos Cerrados do trio de realizadores Pedro Diógenes, Ricardo e Luiz Pretti é experimental, em outras palavras não a praia do grande público. Além disso, pode parecer old- fashioned por tratar de política e expressar posições anarquistas de esquerda.
Puro engano, o filme é bastante atual e transporta para Locarno o clima brasileiro de contestação e de insatisfação dos Black Blocks, que pode ser minoritário, mas é revelador do ressurgimento de uma juventude desvinculada do pensamento único. Além disso, filmado há um ano e meio, o filme tem algo de pioneiro, pois foi anterior às primeiras manifestações de junho do ano passado, seguidas de protestos contra os gastos exigidos pela Copa de futebol.
Sintoma ou confirmação de um despertamento da juventude brasileira, a apresentação do filme, diante de um cinema repleto, pelo trio de cineastas, parecia manifesto político da época do CPC dos anos 60 - "o Brasil vive um momento político em que se querem mudanças mas se punem e prendem manifestantes" frase completada depois com "enquanto se observa o surgimento da caretice e ameaça dos evangélicos conservadores, empenhados em retirar conquistas e direitos", ,no caso, entenda-se a esperada mas sempre adiada legalização do aborto e a citação das Sagradas Escrituras para se justificar propósitos homofóbicos.
A assimilação da temática do filme e das declarações dos realizadores com a revolta dos Black Blocks é automática, e bem aceita pelos realizadores, mesmo porque no Rio de Janeiro continua a repressão contra quem enfrenta o governo e, em Fortaleza, foram reprimidos os contrários à remoção de favelas e casas habitadas pela população pobre para a construção de uma super-estádio, numa cidade pobre e sem saneamento básico, destinado à recente Copa do Mundo.
O filme Punhos Cerrados é uma imaginária convocação do povo à rebeldia anarquista por uma rádio pirata, cujos dirigentes são procurados pela Polícia. "Por que rádio pirata e não Facebook, instrumento mais moderno de divulgação ?" alguém perguntou na conversa dos realizadores com o público e veio a explicação: " porque seria cinematográfico" e além disso o trio detesta a rede social do Facebook..
Resta, então, como referencial no mundo do cinema, o filme Pump up the Volume, de 1990, contando como um estudante criou uma rádio pirata no campus de uma universidade norteamericana. Para quem não se lembra, o disc-jockey anônimo e subersivo da rádio-pirata tinha sucesso com seu cinismo e revolta, junto aos estudantes. Não só a direção da escola como a Polícia queriam descobrir a identidade do insolente.
Punhos Cerrados utiliza como mensagens transmitidas pela rádio-pirata, apenas textos consagrados de escritores, dramaturgos, compositores como Artaud e Léo Ferré, entre muitos outros. "A anarquia é o direito de se questionar a todo tempo, de não se aceitar posições políticas como absolutas e definitivas", acentuam.
O filme de 70 minutos faz parte da mostra Sinais de Vida e foi convidado pelo Festival de Locarno há mais de seis meses. A produtora é a Alumbramento com a qual o trio já fez três curtas-metragens, mas na verdade a realização do filme contou com recursos dos próprios realizadores, amigos e colaborações diversas. "O orçamento inicial era de 5 mil reais, porém saiu muito mais caro. Houve também doações de amigos feitas através de uma "vaquinha" lançada pela Internet."
Rui Martins