Stanislav Petrov, o russo que salvou o mundo de uma guerra atômica

Por ANTONIO CARLOS LACERDA

PRAVDA.RU

 

MOSCOU/RUSSIA - Há 30 anos, Stanislav Petrov estava monitorando possíveis ataques de mísseis dos Estados Unidos, quando teve uma surpresa. Petrov não se vê como herói, mas diz que a ex- União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) teve sorte por ter sido ele quem estava trabalhando. No dia 26 de setembro de 1983, o mundo escapou de um possível desastre nuclear.

 

Nas primeiras horas do dia, os sistemas de alerta balístico da URSS detectaram mísseis vindo em direção à região. Leituras de dados de computador sugeriam que havia sido lançado um ataque dos Estados Unidos. O protocolo da URSS determinava que a atitude a ser tomada em casos como esse seria o lançamento imediato de um ataque nuclear de retaliação.

 

Mas Stanislav Petrov - cujo trabalho era monitorar lançamentos de mísseis em países inimigos - decidiu não relatar o ataque a seus superiores, apostando na interpretação de que se tratava de um alerta falso.

 

Ele tinha ordens claras de, em casos como esse, reportar imediatamente o ocorrido a seus superiores. A opção segura seria a de passar a responsabilidade das decisões para seus superiores. Entretanto, a sua decisão pode ter salvado o mundo.

 

"Eu tinha todos os dados (para sugerir que havia um ataque de mísseis em andamento). Se eu tivesse mandado meu relato para meus superiores, ninguém teria contestado meus dados", disse Petrov à BBC - 30 anos depois daquele dia.

 

Petrov - que se aposentou e hoje vive em uma pequena cidade perto de Moscou - era parte de uma equipe treinada que trabalhava em uma das primeiras bases de alerta da União Soviética, não muito longe da capital. Seu treinamento foi bastante rigoroso, e suas ordens sempre foram claras.

 

Seu trabalho era registrar qualquer ataque com mísseis e relatá-los aos líderes militares e políticos. No clima político de 1983, uma retaliação imediata seria a opção mais provável. Mas Petrov congelou diante da situação.

 

"A sirene tocou, mas eu fiquei parado por alguns segundos, encarando a tela vermelha com a palavra 'lançado' escrita", diz. O sistema, com bom nível de confiabilidade, estava alertando sem grandes margens para dúvida de que os Estados Unidos tinham lançado um míssil.

 

"Um minuto depois, a sirene soou de novo. Um segundo míssil havia sido disparado. Depois um terceiro, um quarto e um quinto. Os computadores mudaram o alerta de 'lançado' para 'ataque de mísseis'".

 

"Não havia regras sobre quanto tempo tínhamos para ponderar antes de relatar um ataque. Mas nós sabíamos que cada segundo de adiamento era uma perda de tempo precioso, e que a liderança política e militar da União Soviética precisava ser alertada sem atrasos".

 

"Tudo que eu precisava fazer era pegar o telefone e fazer contato direto com os altos comandantes - mas eu não conseguia me mexer. Eu me sentia como se estivesse sentado em cima de uma frigideira", lembra Petrov.

 

Ele resolveu consultar fontes secundárias, como especialistas que operam radares de satélites, que disseram não ter detectado mísseis. Mas o que mais chamou sua atenção foi a intensidade dos alertas feitos pelos computadores.

"Havia 28 ou 29 testes de segurança. Depois que o alvo fosse identificado, o alerta teria que passar por todos esses testes. Eu não via como isso podia ser possível nessas circunstâncias".

 

Petrov chamou o plantonista do quartel-general do Exército soviético e alertou para uma falha no sistema. Caso estivesse errado, a primeira explosão nuclear poderia acontecer em poucos minutos.

 

"Vinte e três minutos depois eu percebi que nada tinha acontecido. Se um ataque de verdade tivesse acontecido, eu já teria recebido notícias. Foi um alívio enorme", ele lembra, com um sorriso. 'Sorte que era eu'.

 

Agora, 30 anos depois, Petrov avalia que a probabilidade de o ataque ser real era de 50%. Ele admite que nunca teve certeza de que se tratava de um alerta falso.

 

Ele afirma que foi o único entre seus colegas que tinha tido uma educação em escolas civis. "Meus colegas eram soldados profissionais, ensinados a dar e receber ordens".

 

Ele acredita que, caso tivesse sido outra pessoa no seu lugar, provavelmente o alerta teria sido informado aos superiores.

 

Dias depois, Petrov foi repreendido por suas ações naquele dia. Mas curiosamente não foi por ter tratado tudo como alerta falso - mas sim por erros cometidos na hora de escrever tudo no livro de registros. Por dez anos, ele não falou sobre o assunto.

 

"Eu achava que era uma vergonha para o Exército soviético que nosso sistema tivesse falhado desta forma".

 

Depois do colapso da URSS, a história foi amplamente contada na imprensa e Petrov ganhou vários prêmios internacionais.

 

Apesar de tudo, ele não se vê como um herói. "Era meu trabalho", diz ele. "Mas eles tiveram sorte que era eu quem estava trabalhando naquela noite".

 

ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU

 

 


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Timothy Bancroft-Hinchey