Esta semana recebi em meu consultório um rapaz de 19 anos que queria se curar de sua homossexualidade. Ele dizia que se sentia desnorteado em relação a seus desejos, que já havia conversado com seus pais e o pastor de sua igreja, e que eles chegaram a conclusão que ele deveria procurar ajuda profissional para se livrar desse vício danoso que é o de desejar outros homens.
Silvana Macedo
Esta semana recebi em meu consultório um rapaz de 19 anos que queria se curar de sua homossexualidade. Ele dizia que se sentia desnorteado em relação a seus desejos, que já havia conversado com seus pais e o pastor de sua igreja, e que eles chegaram a conclusão que ele deveria procurar ajuda profissional para se livrar desse vício danoso que é o de desejar outros homens. Mesmo estarrecida com o que ouvia, conversei calmamente com ele a respeito e pedi que seus pais comparecessem na próxima consulta, que foi ontem. Mas, para meu grande espanto, o pastor foi junto.
Este pastor merecia um artigo à parte ou até um tratado inteiro. Ele é certamente uma das figuras mais grotescas e ignorantes que eu já conheci. Ele já começou afirmando que tinha certeza que não era encosto ou demônios atuando sobre a personalidade do rapaz porque já havia feitos várias orações e tinha certeza que desde então o rapaz se mantinha casto e sem pecar desejando homens. Mesmo querendo jogar o pastor pela janela, tive que ter paciência, já que os pais do rapaz nem abriam a boca, deixando que o pastor manipulasse suas vidas e vontades.
Após mais de 40 minutos de discussão inútil entre fé e ciência, deixei bem claro para todos que a ciência, e principalmente a Psicologia, não entende a homossexualidade como doença. A homossexualidade é uma condição do ser humano que por alguma razão acontece com uns e não acontece com outros. Não se toma vacina para deixar de ser gay ou se faz terapia para passar a gostar do sexo oposto. Afirmei inutilmente ao pastor que ninguém é gay por escolha própria. A pessoa nasce gay e pronto.
O pastor ainda afirmava que se fosse feita uma terapia, onde acostumássemos o rapaz a gostar de mulheres, logo ele passaria a gostar também, ou então se acostumaria a se relacionar com o sexo oposto. Eu ainda lhe disse que assim, vivendo nesta condição, ele poderia ser infeliz. Ele então disse que o importante era que Deus ficaria feliz, e Deus ficando feliz era isto que importava e nada mais.
A consulta, que durou quase uma hora e meia, acabou, eles foram embora e o pastor decidiu que o rapaz deveria procurar outra terapeuta e não eu. Antes que todos saíssem eu disse ao rapaz que não se violentasse e fizesse aquilo que sua natureza lhe pedia e não o que crenças ou sacerdotes fundamentalistas determinam. Expliquei ainda que mesmo que ele insistisse em ter um comportamento hétero e até casasse com uma mulher e tivesse filhos, em algum momento isto poderia aflorar de forma a ele não conseguir mais controlar seus desejos e levar seu casamento até a acabar. Fiquei triste pelo rapaz, que está perdido no mundo e blindado para sua sexualidade por medos, crenças e ignorâncias sem limites.
Cabe ainda uma pergunta: até quando coisas desse tipo, preconceitos imbecis e debilóides continuaram tão presentes em nosso sociedade. Estes dias mesmo o casamento entre homossexuais não foi aprovado na Croácia, obrigando os homossexuais de lá a não terem suas cidadanias de forma plena. Aqui no Brasil temos o deputado federal Marco Feliciano promovendo verdadeiros absurdos, sem que nenhum outro político ou partido faça alguma coisa temendo perder o voto dos evangélicos. O que estes políticos (praticamente todos se dizem héteros) não sabem é um país não é feito do voto de evangélicos e sim de cidadãos.
*Silvana Macedo, é terapeuta de casais e mora atualmente na cidade de São Paulo.
http://www.debatesculturais.com.br/ninguem-e-gay-por-escolha/