A Revolução Industrial "clássica",(1) que se deu na Inglaterra, pode ser vista como um fenômeno historicamente dado e datado ou, alternativamente, como um processo caracterizado, essencialmente, pela industrialização e as mudanças socioeconômicas e políticas que a acompanham.
Para Áudrei e Valéria.
Iraci del Nero da Costa *
A Revolução Industrial "clássica",(1) que se deu na Inglaterra, pode ser vista como um fenômeno historicamente dado e datado ou, alternativamente, como um processo caracterizado, essencialmente, pela industrialização e as mudanças socioeconômicas e políticas que a acompanham. Destarte, não é descabido propor-se "projeções" diferenciadas daquela ocorrência primeva. Acompanhando esta última interpretação, somos levados a afirmar quea Revolução Industrial não pode ser pensada como um conjunto linear e unívoco de transformações calcadas no desenvolvimento das técnicas e formas de produção bem como em algumas alterações no plano político; processos esses acompanhados por avanços da mais alta relevância no campo do conhecimento científico. Há vários autores que propuseram tal visão, entre eles encontra-se, em posição de realce, Alexander Gerschenkron.
A ausência de tal linearidade deve-se, basicamente, ao fato de que as mudanças observadas nas nações que conheceram a Revolução Industrial condicionaram os procedimentos, as formas de agir politicamente e o desempenho econômico adotados nas áreas que, subsequentemente, pretenderam vivenciar tal processo de alteração profunda do mundo produtivo. Isso já se patenteia quando comparamos a Inglaterra e os EUA; enquanto naquela primeira a Revolução Industrial deu-se de maneira "natural" - vale dizer, sem obstruções impostas por concorrentes externos e sem a intervenção conscientemente dirigida do Estado -, nos EUA, sob a liderança da burguesia industrial que o empolgou, já se percebe uma efetiva ação do Estado visando a garantir o almejado desenvolvimento industrial calcado nas inovações tecnológicas; com respeito a tal interferência basta lembrar o estabelecimento de tarifas alfandegárias protecionistas e os volumosos subsídios federais para a construção de ferrovias; cumpre anotar, ainda, a atuação de Alexander Hamilton o qual, para muitos, também cooperou com a industrialização norte-americana.
Ademais, como anotado por vários autores, tal intervenção do Estado mostra-se crescente quando consideradas outras áreas tais como a Alemanha, a França, a Itália, a Rússia e o Japão, nações estas aqui tomadas como meros exemplos. Sobre essa participação do Estado em algumas nações da Europa veja-se: HENDERSON, W. O. La revolucion industrial en el continente: Alemania, Francia, Rusia (1800-1914). Washington: Frank Cass & Co. Ltd., s/d. Com respeito ao Japão considere-se: ROSOVSKY, Henry. Japan's transition to modern economic growth, 1868-1885. In: ROSOVSKY, Henry (ed.). Industrialization in two systems: essays in honor of Alexander Gerschenkron. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1966. Ainda sobre os processos de industrialização em diferentes nações e sobre o destacado papel cumprido pelos bancos quanto à industrialização alemã e o protagonismo praticamente absoluto do Estado no referente à URSS veja-se: GERSCHENKRON, Alexander. Economic backwardness in historical perspective: a book of essays. Cambridge, Massachesetts: Belknap Press, 1966.
Pois bem, aos fatos apontados acima, por todos conhecidos, desejamos acrescentar, nesta breve crônica, algumas considerações adicionais. Assim, acreditamos poder encontrar mais circunstâncias históricas cujas raízes últimas encontravam-se na busca da continuidade, fortalecimento ou estabelecimento, em distintas nações do globo, das bases indispensáveis ao desenvolvimento da assim chamada Revolução Industrial. Tal aspiração, ademais, como veremos adiante, ganhou as mais diversas roupagens políticas, cobrindo o espectro ideológico que se estende da extrema direita às mais ferrenhas posturas assumidas pela extrema esquerda.
À direita colocam-se a Itália de Mussolini, a Alemanha nazista e o Império do Japão o qual, consistentemente, adotou reformas modernizantes desde a Restauração de Meiji.Segundo doses distintas, menos marcantes na Itália e mais densas e conscientes na Alemanha e no Japão, essas três nações procuraram desenvolver-se economicamente de sorte a equiparar-se aos países hegemônicos do ponto de vista da industrialização. Vistas sob tal perspectiva, e tendo em conta que o crescimento industrial antecedeu, nas três nações, a ascensão ao poder da direita extremada, pode-se propor que as Potências do Eixo empenharam-se, cada uma a seu modo, na implementação de medidas que as fizessem gozar plenamente as benesses proporcionadas pela Revolução Industrial. Já o Portugal de Salazar e a Espanha de Franco, a meu ver, representaram, tão só, ditaduras totalitárias de caráter fascista que não perseguiram o desenvolvimento econômico típico da modernidade.
No extremo oposto iremos encontrar as áreas dominadas pelos comunistas e nas quais imperou o assim alcunhado "socialismo real". Destarte, os governos totalitários instalados na URSS e seus satélites assim como na China de Mao Tsé-Tung, descartado desde logo o ilusório manto da luta pelo estabelecimento da sociedade comunista,(2) engajaram-se, de fato, na corrida pelo desenvolvimento econômico autônomo capaz de elevar suas nações e suas áreas de influência às alturas já alcançadas pelas nações industriais hegemônicas. Aqui, como nas áreas dominadas pela extrema direita, os elementos ideológicos - certamente condicionados pelo perfil histórico de cada região contemplada - apenas dão sabor diferenciado às razões mais profundas impulsionadoras da tentativa de equiparar as referidas áreas àquelas nações industrialmente mais avançadas.
Se tivermos em conta o século XX, entre os governos dominados por nazi-fascistas e comunistas postaram-se os regimes populistas. Aqui, exemplo palmar é achado nos períodos de governança de Getúlio Vargas, pois suas atitudes e medidas, sobretudo após 1937, visaram, claramente, a modernizar e industrializar o Brasil. Juan Domingo Perón, o preeminente líder populista argentino, embora propenso à modernização não a exerceu com o mesmo empenho demonstrado pelo governante brasileiro. De toda sorte, as iniciativas desses dois políticos projetaram-se por todo o século passado e abriram caminho para o desenvolvimento econômico industrializante assumido por seus sucessores no poder central das duas nações. Ademais, da perspectiva teórica e política, no respeitante ao desenvolvimento econômico e à América Latina como um todo, não podem ser esquecidos os papéis exercidos pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e pela obra de Raúl Prebisch.
A conclusão maior a ser haurida das ponderações aqui reportadas é a de que todo o século XX, assim como este início do XXI, viram-se profundamente marcados pela incessante busca, sob as mais diversas injunções sociopolíticas e contornos ideológicos, dos retornos positivos divisados no desenvolvimento econômico decorrente da assim dita Revolução Industrial. Vale dizer, os distintos movimentos ideológicos, por vezes conflitantes e até mesmo antagônicos, que informaram cada um dos casos acima referidos, visaram, em última instância, a unificar as classes sociais de cada nação em torno das práticas industrializantes.
NOTAS
1. Sem comprometê-los com minhas opiniões, erros e desvios sou grato aos professores Nelson Nozoe e Julio Manuel Pires pela leitura prévia desta crônica e pelas críticas e sugestões que efetuaram.
2. A este respeito são eloquentes o derruimento da URSS e do "socialismo real" bem como as drásticas transformações vivenciadas pela China nestes últimos lustros.
* Professor Livre-docente aposentado da Universidade de São Paulo.