Por Alessandro Lyra Braga
Dificilmente alguém lerá o título desse artigo e não ficará reflexivo. Qual passado não nos condena? Mesmo que não tenhamos cometido atos ilícitos do ponto de vista jurídico, fantasmas de atos que podemos classificar de várias formas, sempre aparecem. Parece que ninguém está livre dessa verdade!
Pensando bem, não necessariamente nosso passado vá sempre nos condenar por atos monstruosos, até criminais. Às vezes, a tida ou pensada monstruosidade dos atos passados está somente em nossas cabeças, já que em muitos casos algumas coisas que fazemos não chegam nem a ser de conhecimento de todos. Afinal, quem não tem seus mais resguardados segredos?
Muita gente afirma que o que passou, deve permanecer lá atrás no passado e pronto. Mas não é assim que vida realmente funciona. Alicerces mal fincados no passado geram desabamentos inevitáveis no futuro e vidas pessoais e profissionais podem ser seriamente comprometidas e até destruídas por conta de situações impensadas. Nestes momentos o passado cobra seu preço, que costuma ser significativo.
Comportamentos questionáveis, vergonhas passadas, porres colossais e brigas selvagens são fantasmas comuns a praticamente todas as pessoas. Nestes quesitos não há quem não tenha um passado condenatório. Conheço uma pessoa que num porre fenomenal pediu uma almofada roxa em casamento! Ainda quanto aos porres, tenho um amigo que tomou um pavoroso porre de licor de ovo e hoje se arrepia só em ver shampoo Colorama. Outra pessoa que eu conheço, depois de tomar saquê com a fúria de um samurai, brincava de andar feito uma gatinha debaixo das mesas de uma boate. Não há passado que não condene estas pessoas!
Como eu sou um anjo de imaculado passado, busco na memória o passado de amigos e de pessoas com as quais mesmo não tendo amizade, conheço suas histórias. Esta semana mesmo, encontrei com uma antiga colega de colégio, com a qual nunca conversei nos tempos escolares. Hoje eu soube ela é uma exemplar funcionária pública, recatada e dedicada mãe de família, mas nem sempre foi assim. Ela era tida como uma "moça fácil", muito "generosa". O engraçado é que na hora que me deparei com ela eu não me lembrei da fama que ela possuía e, quando inocentemente eu disse que me lembrava dela do tempo que estudávamos no mesmo colégio, foi até constrangedor. A jovem "quase senhora" quase desmaiou! Ficou pálida como papel! Acho que fiz com que alguns (muitos) fantasmas aparecessem para ela...
Outro momento engraçado com relação ao nosso passado está nas relações entre pais e filhos. Os pais e mães sempre cobram a quase perfeição de seus filhos. Isto é natural, pois os pais geralmente vislumbram seus filhos como pessoas perfeitas, incapazes de fazer a mesmas besteiras que eles pais fizeram no passado e que não querem que venham à tona. Tenho inúmeros exemplos desse tipo para contar, pois tenho muitos amigos que têm filhos que estão fazendo exatamente aquilo que seus pais fizeram em tempos idos, como se tudo acontecesse a partir de uma programação genética. É super interessante!
Interessante também é quando somos bem jovens e escutamos nossos pais se queixando da teimosia e das manias de nossos avós. Em toda família é a mesma coisa. Com o passar dos anos todos envelhecemos e nossos pais passam a se comportar exatamente igual aos nossos avós, cometendo as mesmas teimosias e tendo as mesmas manias. Nessa hora sempre dizemos, "você está agindo como vovô agia e você tanto reclamava!". É o passado nos condenando novamente pelos naturais desabafos. O fato é que podemos ficar certos que, um dia, acontecerá o mesmo conosco.
Muita gente também é assombrada por traumas de fatos do passado que custam a ser superados. Eu mesmo conheço algumas pessoas muito especiais que até hoje vivem deixando que as assombrações do passado imperem em suas vidas. Seus traumas não lhes deixa viver plenamente relações que poderiam ser imensamente construtivas. Assim, dia-a-dia, suas vidas vão fugindo de suas mãos. Eu mesmo já expus a algumas dessas pessoas que a superação desses traumas dependerá única e exclusivamente de suas próprias vontades, mas sempre é precioso ter coragem para dar determinados passos, por mais que o medo possa existir.
Embora eu tenha dito que sou um anjo e não teria atos publicamente condenáveis a revelar, como todo mundo, tenho atos pessoalmente condenáveis para me auto-torturar. Lamento que no passado eu tenha dito algumas coisas a determinadas pessoas que, além de não ter resolvido as questões à época, ainda geraram mágoas que até hoje estão fortemente presentes. Admito que sou um verdadeiro "banana" com relação à ofensas, maledicências e críticas que recebo. Qualquer pessoa dá na minha cara, até a hora que eu digo basta! Aí a porca torce o rabo e, valendo-me dos mais primorosos requintes de verdadeira e absoluta crueldade verbal, sou capaz de dizer coisas que não se diria ao pior carrasco nazista. Já levei gente ao choro mais doído e gerei inimizades mortais por conta desses momentos. O fato é que hoje eu acredito saber entender melhor estes fantasmas e compreendo que se eu cheguei a tal ponto foi porque alguém fez algo para merecer, provocando-me ferozmente. Assim, mesmo que eu tenha me condenado a vida inteira por tais atos, hoje eu já sei julgá-los sob outra ótica e, da maioria deles, eu já me absolvi.
Como historiador, sou muito preso à análise do passado, convivendo com ele como se fosse o próprio presente. Aliás, para mim é! Por exemplo, guardo o acervo de fotografias antigas de minha família, algumas com mais de cem anos, e, provavelmente, eu seja o único ainda a saber o nome de certos parentes ali presentes. Quando eu me for, certamente meu passado me condenará por não haver transmitido estas informações adiante. Mas, será que alguém terá o interesse de saber estes nomes? É... já estou tentando me absolver de mais esta culpa!
*Alessandro Lyra Braga é carioca, por engano. De formação é historiador e publicitário, radialista por acidente e jornalista por necessidade de informação. Vive vários dilemas religiosos, filosóficos e sociológicos. Ama o questionamento.
http://www.debatesculturais.com.br/seu-passado-lhe-condena/