Gal Costa: Parceria com Caê é fundamental

Renato Contente

"Não há defasagem de tempo entre a composição e o canto: cada interpretação sua tem a mesma idade da canção. Todas as minhas músicas que aparecem aqui foram feitas junto dela e um pouco por ela também. Ouso considerá-la como parte integrante do meu processo de criação". O trecho faz parte do texto, de Caetano Veloso, que apresenta o bossanovista Domingo (1967) - primeiro LP dele e também de Gal Costa -, mas poderia ser de Recanto, lançado em dezembro passado e apresentado hoje na cidade.


A devoção que os dois nutriam pelo canto joãogilbertiano foi o que deu liga à estreia fonográfica em conjunto e fez de dois corações vagabundos uma só entidade. Foi essa essência cool por eles compartilhada que fez Gal ser a Baby da Tropicália, alertando o País do cheiro de chumbo no ar com Divino Maravilhoso, no 4º Festival da Música Popular Brasileira, em 1968. Quando Caetano e Gil foram exilados, em 1969, ela teve o chão roubado, e se sustentou por aqui como a porta-voz dos dois nas canções de Legal (1970) e Fa-tal - Gal a todo vapor (1972). Cantar (1974), idílico e o último dos hippies, foi o primeiro disco produzido por Caetano (o segundo foi Recanto), mas a crítica não aprovou uma Gal que, recolhendo suas feras, começava a mostrar sua essência de entertainer da beleza. O ótimo disco fracassou e retraiu a intérprete de A rã, que passaria alguns anos em crise até admitir para si mesma a mudança inevitável.


Até Recanto, talvez o último grande trabalho de Gal com Caetano tenha sido nos Doces Bárbaros (1976), uma irmandade a quatro com Gil e Bethânia. Neste ínterim, Caetano nunca deixou de fazer parte de seus discos e de seu coração, mas, nos LPs, sua participação era mais suave. Tropical (1979) marca a ruptura fatal com o espírito cool de antes, mas não com as composições - para ela, sempre complementares - de Caê.


Hoje, revisitando-se com bases eletrônicas e aos olhos de um público com sede dos anos 1970, ela retoma a transgressão e ousadia que, já alguns anos, estavam bem guardadas em alguma estante empoeirada. Nunca esteve mais atual. Em 2012, por mais que se pense o contrário, não nos faltam motivos para manter os olhos firmes, pra este sol, para essa escuridão.

 

Publicado no Jornal do Commercio, Recife, em 06/10/2012

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey