Precisamos ler os ensaios do Dr.Franklin

Conheci Franklin Cunha há uns três anos, quando ele me convidou para participar do site Imagem Política. O site tinha sido criado por um grupo de médicos de esquerda para defender o programa "Mais Médicos", que as entidades da classe médica criticavam, e continuou para promover a reeleição de Dilma à Presidência e depois para defendê-la dos ataques da direita.

Há um ano, talvez porque as políticas de Dilma estavam ficando indefensáveis ou porque seus idealizadores começaram a ter outras preocupações, o site terminou, mas a amizade ficou.

Até hoje, continuamos a nos encontrar periodicamente. Fico feliz em poder dizer que sou amigo do Mareu Soares, Luíz Octavio Vieira, Airton Fischmann, Lenine Cunha e Luís Carlos Lantieri, mas é com Franklin que meus encontros são mais freqüentes.

Admirador de bons vinhos tintos e leitor obcecado por temas políticos, o Dr. Franklin sempre lamenta que não tenhamos bons ensaístas no Brasil, ao contrário da Argentina, onde eles são muitos.

Pois, ele agora dá a sua contribuição para sanar essa deficiência, ao colocar à disposição dos leitores seu livro "A Lei Primordial e outros ensaios".

Ex-piloto da Varig, profissão de grande prestígio no passado, a qual abandonou para cursar a Faculdade de Medicina, ginecologista durante muitas décadas e membro da Academia Rio-Grandense de Letras, Franklin usou todas essas experiências para falar sobre tudo, da medicina, da política e da vida, num estilo  enxuto e direto.

"E pensar que escrever é a segunda profissão desse homem", diz na contra-capa do livro, Luís Fernando Veríssimo.

Vou copiar para os meus poucos leitores, duas passagens de seus ensaios.

O primeiro é parte do ensaio "Limbus Puerorum":

"Na teologia católica o limbo é o lugar para onde vão as almas das crianças mortas, excluídas do para paraíso pelo pecado original não redimido pelo batismo. A culpa familiar e social gerada pela alta mortalidade infantil na Idade Média obrigou o Concilio de Trento (1545) a agendar em suas discussões o problema do que fazer com a grande quantidade de crianças mortas sem batismo para as quais o Inferno parecia ser uma pena assaz cruel. Os teólogos católicos que antes previram apenas o Céu para os bons e o Inferno para os réprobos, ncontraram uma solução conciliatória ao criar um novo lócus para os frutos inocentes do "pecado da carne". Lá, eles não gozariam da visão divina, mas também não sofreriam os tormentos infernais. O "Limbus Puerorum", segundo Tomás de Aq uino,  deveria ser destinado às crianças, onde aguardariam o Juízo Final.  Salvar um bebê para a eternidade, evitar os castigos infernais, era uma maneira de a família aliviar o luto e a culpa de uma morte precoce"

No segundo ensaio, Ciência e Barbárie, Franklin nos fala sobre os doutores Edward Wirths e Hans Hinselmann. O primeiro foi médico no campo de extermínio de Auschwitz , onde como ginecologista realizou uma série de experiências em mulheres prisioneiras sobre lesões pré-cancerosas do colo uterino, desenvolvendo com o apoio da excelente indústria ótica alemã, o colposcópio, enquanto o segundo, dirigia um laboratório em Hamburgo que examinava o colo uterino retirado das pacientes.

Em 1945, Wirths se suicidou logo depois de se entregar às autoridades britânicas de ocupação, enquanto Hinselmann nunca foi julgado.

No final desse ensaio, escreve Franklin: "Ambos eram excelentes médicos, competentes ginecologistas que muito contribuíram para a detecção precoce e para a cura do carcinoma do colo uterino. Provavelmente, ouviam Wagner, Bach, Beethoven e cantavam emocionados Die Schone Mullerin e outros lieder de Schumann, assim como deviam ler, embevecidos, Heine, Schiller, Goethe e Nietzsche. E segundo consta, eram perfeitos pais de família e freqüentavam regularmente os cultos religiosos dominicais. Enfim, pertenciam ao cerne da cultura européia, como disse Steiner, mas, em nome dela e da ciência médica, praticaram crimes que jamais deverão ser esquecidos. Mesmo quando de sua ciência só restará o olvido."

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey