IAB contra a extinção do Licenciamento Ambiental

Os consócios do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) aprovaram por unanimidade, na sessão ordinária desta quarta-feira (25/5), o parecer da presidente da Comissão de Direito Ambiental, Vanusa Murta Agrelli, por meio do qual a advogada sugeriu a emissão de uma Moção de Repúdio à PEC 65/2012, de autoria do senador Acir Gurcacz (PDT-RO).

Se aprovada, a mudança na Constituição Federal resultará na extinção do licenciamento ambiental para obras públicas. Segundo Vanusa Murta Agrelli, o parlamentar propõe que o simples protocolo para elaboração do Estudo de Impacto Ambiental sirva de licença para o início da obra, eliminando as diversas etapas do processo, principalmente a análise das interferências do empreendimento no meio ambiente.

Leia a íntegra da Moção de Repúdio:

O Instituto dos Advogados Brasileiros, a mais antiga instituição vocacionada para pensar juridicamente o Brasil, que emprestou as letras advindas do notório saber de seus membros para escrever a 1ª Constituição da República, anota o repúdio à Proposta de Emenda Constitucional 65/2012 que acrescenta o §7º ao art.225 da Constituição Federal, dotando-a com a seguinte redação: 'A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente.'

A alteração desenhada pelo legislador introduz duas deformações de tamanha envergadura, que torna movediço o sistema normativo ambiental. Inicialmente institui que o simples protocolo de um documento, o Estudo de Impacto Ambiental seja convertido em licença. A seguir, reveste esta licença de imutabilidade, salvo, na ocorrência de fatos supervenientes.  O resultado é o rebaixamento do sistema de licenciamento, de atribuição do órgão ambiental, para a categoria de um ordinário protocolo. Seria o mesmo que prescrever, em sede constitucional, que a mera distribuição de uma ação judicial conceda maquinalmente ao autor, uma sentença procedente e irrecorrível. Ou seja, a simples distribuição deflagraria, instantaneamente e concomitantemente, a procedência e a formação da coisa julgada, eliminando-se o contraditório e a atividade jurisdicional. 

A substituição do licenciamento por um trivial protocolo do Estudo de Impacto Ambiental enfraquece a imposição de medidas acautelatórias como condicionantes para a execução da obra, o que significa dizer que a Constituição da República estaria, por vias transversas, delegando para o empreendedor o exercício do poder de polícia preventivo, o que revela-se absolutamente inadmissível no sistema pátrio.

Esta é a dimensão da malsinada PEC que exibe como justificativa a alegação de ocorrência de severos prejuízos deflagrados pelas interrupções advindas de decisões judiciais em desrespeito à soberania popular. Note-se que sob a roupagem de assegurar a continuidade de obras públicas após a concessão da licença, o texto viola o sistema do licenciamento ambiental estruturado pela precaução, repercutindo nocivas sequelas aos biomas e à sadia qualidade de vida do cidadão.

Notadamente o modelo do licenciamento reclama maior eficiência pelo viés do aprimoramento da estrutura da Administração Pública e da capacitação do corpo técnico, sem prejuízo do aspecto temporal que sacrifica aos que pretendem empreender. A despeito de eventuais insuficiências e excessos dos órgãos ambientais, inaceitável a proposição cuja configuração dispensa o exame da capacidade de carga do ambiente.  

A proposição afasta a precaução valorosamente introduzida no Brasil na mesma linha de tempo da Alemanha, país precursor das cautelas ambientais. Em descompasso com o sistema normativo, e em especial com a Lei Quadro do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), rompe com os documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, tais como a Declaração do Rio de Janeiro, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e a Convenção da Biodiversidade. 

A precaução, base do direito ambiental, tem no licenciamento, o que inclui o Estudo de Impacto Ambiental, sua maior expressão. Estes instrumentos previstos na Política Nacional do Meio Ambiente são preciosos subsídios para a tomada de decisão sobre o licenciamento, posto que, além de fazer o diagnóstico ambiental da área de influência do projeto, realizar as análises dos impactos ambientais e de suas alternativas tecnológicas e locacionais, projetar cenários acidentais e as respectivas medidas de contenção e respostas, identificam, no conjunto de eventos entrelaçados com a atividade,  as variáveis ambientais que precisam ser mitigadas e estabelecem o programa de monitoramento dos impactos.

A malsinada PEC, além de prescindir a análise dos impactos do empreendimento pelo Estado, fratura o direito à informação e à participação comunitária, cujo ápice é a audiência pública própria da fase em que o órgão ambiental faz as análises dos estudos protocolados. Demais disso, desorganiza a configuração trifásica do licenciamento e, a considerar que o protocolo dos estudos realiza-se na fase da licença prévia, eliminam-se as outras fases, que são as específicas para autorizar as obras e atividades.

Faltou ao legislador o diálogo das fontes. A caneta do legislador revela a fotografia do modesto tratamento destinado às questões ambientais em sede legislativa. O legislador que venha a propugnar pela aprovação da medida estaria revestindo o cidadão do título de vulnerável ambiental.

A PEC tem o potencial de desorganizar a vida. A autorização de obras no formato pretendido pode ser devastador para a diversidade biológica alocada no perímetro do empreendimento, e, em circunstâncias específicas, os impactos podem traçar uma trajetória ao longo de uma pluralidade de Municípios, avançando áreas protegidas, arruinando biomas vocacionadas para a preservação, comprometendo o futuro.

Além das razões expostas, cumpre sublinhar que a proteção ambiental com vistas à sadia qualidade de vida recebe tratamento de cláusula pétrea (art.60, §4º, CRFB), posto que refere-se a direito fundamental, de modo que o constituinte originário assegurou que o preceito seja protegido contra alterações.

Nesse sentido, Paulo Affonso Leme Machado destaca que 'A saúde dos seres humanos não existe somente numa contraposição a não ter doenças diagnosticadas no presente. Leva-se em conta o estado dos elementos da Natureza - águas, solo, ar, flora, fauna e paisagem - para se aquilatar se esses elementos estão em estado de sanidade e de seu uso advenham saúde ou doenças e incômodos para os seres humanos. Essa ótica influenciou a maioria dos países, e em suas Constituições passou a existir a afirmação do direito a um ambiente sadio'.

Bem de ver que o legislador constitucional elegeu o meio ambiente como tema essencial na Constituição, distribuindo a matéria numa variedade de capítulos, permeando a livre iniciativa, atualizando o conceito do direito de propriedade, determinando a reforma agrária. 

A partir dos pressupostos delineados, inadmissível a intenção do legislador consistente em suprimir elemento expresso em disposições instrumentais, cristalizado em cláusula pétrea estabelecida pelo constituinte originário. O legislador está desalinhado com a estrutura constitucional e com os rumos deste direito moderno que internou-se nas áreas tradicionais do direito, convidando o intérprete a fazer uma releitura pautando-se na proteção dos atributos ambientais. Os caminhos concatenados na PEC são atentatórios à Constituição em tal profundidade que significa, na prática, a arquitetura de uma outra Constituição.  

A gravidade notifica ao Congresso Nacional e ao Ministro do Meio Ambiente, determinando que atuem de modo célere e eficaz, com medidas urgentes, posto que intolerável o confisco da qualidade de vida. 

Na forma das razões aduzidas, manifestamos o repúdio quanto à PEC 65/2012, requerendo o encaminho deste Parecer à Casa Legislativa.

Rio de Janeiro, 25 de maio de 2016 

Vanusa Murta Agrelli

Presidente da Comissão de Direito Ambiental do IAB

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey