NÓS, lideranças dos povos indígenas da Amazônia, participantes do Fórum Social Mundial da Biodiversidade 2015, realizado em Manaus entre os dias 25 e 30 de janeiro de 2015, em razão de inúmeras ações desenvolvidas pelo Estado Brasileiro em flagrante violação à Constituição Nacional e a outros instrumentos legais internacionais (ex. OIT 169), que ameaçam o meio ambiente, a cultura e a vida dos povos indígenas - inclusive daqueles que não tem contato com a sociedade envolvente, publicamente repudiamos:
- As ações do Governo Federal que, para construir grandes hidrelétricas na Amazônia não consultou as comunidades afetadas e nem as esclareceu quanto aos impactos ambientais e sociais de tais empreendimentos; promoveu manobras e manipulações para forçar as comunidades a aceitarem a realização das obras; omitiu a verdade aos povos indígenas e à opinião pública quanto aos verdadeiros interesses e quem seriam os beneficiados com a energia gerada pelas usinas, além de usar a violência policial para reprimir e intimidar as comunidades;
- As manobras no Congresso Nacional da bancada ruralista e outras ligadas ao agronegócio para aprovação da PEC 215 que retira do Poder Executivo e transfere para o Legislativo a prerrogativa de demarcar as terras indígenas. Nos últimos anos, esses setores têm agido, dentro e fora do Parlamento, de forma bastante incisiva para derrubar as conquistas dos povos indígenas, ora disseminando a violência e o preconceito, ora plantando informações falsas nos meios de comunicação para jogar a população contra os povos indígenas;
- A nomeação de representantes do agronegócio e a bancada ruralista, personificada na senadora Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura. Com essa nomeação, a presidenta Dilma Roussef afronta os povos indígenas, os trabalhadores rurais, comunidades quilombolas e outras que resistem à violência e aos desmandos dos latifundiários e do agronegócio quebrando os acordos com os povos tradicionais.
- As articulações dos grupos interessados na exploração mineral em terras indígenas que buscam aprovar o Projeto de Lei que abre as terras indígenas para essa atividade sem nenhuma preocupação com o que possa acontecer com as comunidades e o meio ambiente. Ao longo de mais de 500 anos, a exploração mineral serviu para enriquecer um pequeno grupo de aventureiros à custa de destruição, genocídio e empobrecimento das populações.
- O descaso do Governo Federal para com os povos indígenas sem contato com a sociedade. Por décadas, esses povos têm sofrido a violência do modelo depredador de desenvolvimento. Também têm resistido rejeitando o contato e isso tem lhes permitido viver de acordo com seus costumes e tradições. Na atualidade eles estão ameaçados pelos mega empreendimentos na Amazônia. Recentemente, temos testemunhado a exploração de fatos sensacionalistas, por um lado, e, por outro, informações da ocorrência de epidemias, ações de narcotraficantes contra esses indígenas e impactos causados pela exploração de recursos naturais, pelas madeireiras ou como a prospecção petrolífera na região do Vale do Javari em área onde há informações da presença de grupos isolados.
- A militarização da Amazônia e os impactos dos quartéis instalados dentro das terras indígenas. Invadem nossas áreas e violentam nossa vida, não respeitam nossos costumes e abusam de nossas mulheres.
Nós, povos indígenas, juntamente com os segmentos que apoiam nossa luta, queremos a imediata demarcação e regularização de todas as nossas terras e nos juntamos aos demais setores da sociedade que rejeitam o atual modelo de desenvolvimento depredador e "ecocida" implementado pelo Estado Brasileiro, pois esse modelo está na raiz da instabilidade econômica e ambiental, do desequilíbrio sistêmico socioambiental que abala todo o planeta e resulta no esgotamento dos recursos naturais em vários países e, no Brasil, está levando todos a um futuro de incertezas em vista das crises no abastecimento de água, de energia e na crise econômica que se torna cada dia mais evidente. Queremos também que os países mais poluem o planeta, se empenhem para a redução dos poluentes nos próximos anos.
Lembramos que com nossa experiência milenar de reciprocidade e interação com o meio ambiente geramos uma grande e rica diversidade de formas de conviver em sociedade (sociodiversidade), e exercemos não só um papel de proteção da biodiversidade, mas contribuímos ativamente para o seu enriquecimento. As imagens de satélite mostram que as regiões onde as terras indígenas estão demarcadas são as mais preservadas da Amazônia, mais ainda que outras áreas de proteção ambiental (parques nacionais, reservas, etc.) que continuam sendo saqueadas e desmatadas.
Por isso, quando lutamos para manter a nossa autonomia e as nossas formas próprias de vida, pela demarcação e garantia de nossas terras, contra a exploração e depredação da Amazônia,agimos não só em prol de nossa causa, mas em defesa de toda vida no planeta. Bem e bom viver e conviver com a Mãe-Terra, como nos ensinaram os antepassados, como aquela que nos sustenta e dá segurança, nos ajudará a encontrar os caminhos para salvar e construir o futuro da Amazônia. Essa é nossa luta e compromisso, nossa contribuição com a vida da humanidade e do planeta, para que nossos filhos e os filhos de nossos filhos possam continuar a dança da vida sobre a Mãe-Terra.
Manaus (AM), 29 de janeiro de 2015
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB); Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (IAJA); Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN); Comunidade Inemanatã; Assentamento Povo do Sol Nascente; COPIME; CIMI Norte 1; PIAMA; ARCA; AKIM; ACW; WAIKIRU; AAIMAV; OPIK; AIUE; ACIWK; OMISM WATYAMÃ; APN; AENGKA; ABNIS; Yampinima; ASPITAM.