Recomendo que os leitores que ainda não o tenham feito criem imediatamente uma conta de Twitter e sigam-me sem demora (@chinahand). Para meu grande embaraço e surpresa, descubro que já rabisquei mais de 800 tuítos desde que a coisa começou para mim, em novembro passado.
Muitos são bobagens efêmeras, é claro. Mas às vezes a tripa de mensagens inclui tuítos interessantes e bem sacados, que ilustram a dinâmica do debate sobre a política externa dos EUA enquanto evolui ao longo do mês, da semana, ou, às vezes, num só dia; e merecem ser repassados.
Eu, é claro, acrescento ali meus dois centavos de ideias, sempre na esperança de soar claro e interessante, sobre eventos que, muitas vezes, transformam-se depressa demais para ser assunto de um postado, mas, mesmo assim, são significativos.
Por exemplo, comecei a prestar mais atenção ao ir e vir entre os falcões norte-americanos pró-confronto China-Japão, de um lado; e os falcões (relativamente) moderados no governo Obama, de outro; e ao papel do governo Abe como observador, participante, vítima ou beneficiário, dependendo de como se encaminham os debates.
Um conjunto dos tuítos que li tratava da República Popular da China que se metera numa questão entre os EUA e o Japão que se recusa a devolver algumas poucas centenas de quilos de plutônio suficientemente enriquecido para ser usado em armas atômicas.
No nível mais simples, claro, a China quer semear dúvidas sobre o caráter genuinamente pacifista do Japão, que vai andando cautelosamente na direção de pleno status soberano como potência militar, mas, ao mesmo tempo, tenta não perder as vantagens de propaganda & marketing que lhe advêm dos 70 anos de vida sob Constituição dita "pacifista", e quer continuar a marketar suas iniciativas de segurança regional como "pacifismo ativo".
Em outro nível, a República Popular da China parece estar cutucando discretamente os EUA para que vivam de acordo com o que pregam em matéria de não proliferação, pregação que já rendeu um (muito prematuro e precipitado) Prêmio Nobel da Paz para o presidente Obama. Assim, quando a China firmemente levantou a questão, é possível que os EUA tenham decidido ceder uma jogada à República Popular da China, e falaram publicamente do assunto do plutônio.
A fala, compreensivelmente, enfureceu o governo Abe, que sentia que esse seria assunto a ser tratado com máxima discrição entre aliados, não como oportunidade que os EUA desavergonhadamente colheram, para fazer gentilezas à China. Talvez coincidentemente, indivíduos e veículos pró-confronto China-Japão nos EUA vaiaram a questão plutônio e desviaram a atenção para a ameaça chinesa, mais velada.
Acho que há aí, também, mais uma questão.
O Japão, e, de fato, qualquer potência tecnicamente capaz, não precisa de plutônio enriquecido ao grau de produzir armas, para fazer uma bomba atômica. Enriquecimento ao nível só de combustível também funcionará muito bem, obrigado, se você estiver disposto a aceitar resultados de alcance/tamanho/radiação menos ótimos. Assim sendo, as poucas centenas de quilos de plutônio enriquecido não são, realmente, o problema.
O problema são (a) as cerca de cinco toneladas de plutônio-metal que o Japão tem no país e as vinte e tantas toneladas que tem armazenadas em usinas de reprocessamento no Reino Unido e na França (uns sujeitos do Pentágono tomaram, bem ad hoc, a decisão de consolar o Japão pela normalização das relações com a República Popular da China, deixando que o Japão seja o único parceiro atômico dos EUA, além de Reino Unido e França, autorizado a "fechar o ciclo do combustível" - quer dizer: a recuperar o plutônio do combustível usado, para prevenir a eventualidade de uma seca de urânio que, como se pode perceber, não se materializou); e (b) o programa de foguetes que o Japão, apesar da localização desfavorável no hemisfério norte (que torna lançamentos comerciais relativamente antieconômicos), gastou bilhões para desenvolver.
Para encurtar a história, apesar das manifestações vociferantes e, em alguns círculos, sinceras, do Japão, de que não tem interesse em armas nucleares, o Japão é, por nomeação, uma potência nuclear in ovo, e continuará a sê-lo, até que se evapore, seja lá como for, a ameaça militar, nuclear e convencional, chinesa.
À guisa de lembrete, cito o primeiro-ministro do Japão:
"É com certeza verdade que o Japão tem capacidade para ter armas atômicas, mas não as produziu."[1]
O primeiro-ministro Hata fez essa declaração ante o Parlamento japonês (a "Dieta"), em 1994. Conservem, por favor, no fundo da cabeça, a informação acima, para usá-la quando começarem as conversas sobre o quanto o Japão é estrategicamente desamparado. E é algo que a República Popular da China muito apreciará ver injetado nas discussões sobre o posicionamento do Japão nas questões da segurança.
Uma das mais interessantes especulações[2] sobre o programa nuclear do Irã, é que o país, para o seu sapateado na direção de ultrapassar o limiar nuclear, teria copiado o exemplo do Japão.
E, com esses antecedentes, sempre penso que o motivo dos EUA para elevar Yukio Amano à presidência da Agência Internacional de Energia Atômica (depois que finalmente viram-se livres do irritantemente independente ElBaradei) bem pode ter sido que Amano, veterano do establishment nuclear japonês, sabe exatamente como foi jogado o jogo do armamento nuclear japonês, e jamais se inclinaria a facilitar a vida do Irã.
É quando sempre penso se sub rosa o toma-lá-dá-cá não terá sido algo como: a firmeza de Amano contra o dossiê iraniano foi recompensada com EUA fazerem-se de cegos - e azar dos demais premiados com o prêmio Nobel... - à cuidadosa construção de capacidades nucleares no Japão - e às 30 toneladas de plutônio das quais o Japão tem a posse.
E, para meter o pé, de vez, em território de xadrez em 12 dimensões, desconfio que o governo Abe está em surto silencioso de pânico por causa do foco de John Kerry no Oriente Médio - onde a China, porque apoia o Irã e a Síria, tem papel muito mais significativo e importante a representar, que o Japão.
O medo seria de que a República Popular da China prometa - ou dê! - ajuda significativa no Oriente Médio e exija de Kerry, como retribuição, uma atitude mais conciliatória em relação à China.
Assim sendo, é possível que o incidente do plutônio seja, mesmo, um osso que Kerry jogou aos seus camaradinhas de Pequim - e uma fissura no acerto inicial segundo o qual os EUA não fariam barulho algum em torno da 'nuclearização' do arsenal japonês.
Seja como for, apareceu uma onda de tuítos no Twitter, todos reclamando que Kerry estava focado demais no Oriente Médio e não andava devotando os devidos tempo e atenção à ameaça chinesa.
De fato, surpreenderam-me muito (a) a quantidade de comentários devotados à ameaça chinesa (tática "de fatiar salame", que é a fórmula usada para inspirar terror paralisante, sempre que se fala sobre os passos cautelosos e graduais, mediante os quais a China vai cuidando de melhorar sua posição no âmbito marinho); e (b) a insistência em que a até aqui bem-sucedida tentativa dos chineses para impedir a militarização de todas essas questões (é estratégia chave da República Popular da China, dada a imensa superioridade militar dos EUA) deveria ser detonada, mediante política abertamente confrontacional.
Sinto-me firmemente confiante de que (a) essa abordagem é piração; e (b) Kerry & Biden sentem o mesmo que eu e, enquanto fazem a encenação de urrar e bater no peito contra a China, eles estão, sim, realmente mais interessados em reduzir as tensões, que em inflá-las.
O problema é que não há eleitorado, em Washington, interessado em redução de tensões. As forças dos falcões pró-confronto China-Japão, por sua vez, têm vastíssimo poder político, financeiro e 'de segurança' para atrair para suas recomendações e política um governo da 'contenção', o que lhes ampliará as forças. O crescente entusiasmo por algo chamado "dinâmica de contenção" - impulso que se aproxima perigosamente da confrontação - cria um ambiente de escalada (a China, claro, também subirá o tom da sua contenção, em reação) que vai ganhando ares de farsa da profecia que se autocumpre, mascarada como se fosse doutrina de segurança.
E isso empurra as fricções EUA-China para mais perto da área militar, na qual os estrategistas dos EUA mais se sentem confortáveis.
Para garantir, entra no circuito também a demonização de uma palavra, mais demonizada a cada vez que aparece: "apaziguamento". A facção dos que se autodeclaram "apaziguadores" é, como se poderia prever, bem pequena.
O jogo na Ásia continua a ser econômico, e sinto/espero que o governo Obama entende pensa que pode deixar que o complexo militar/industrial/de-segurança/vigilância embarque e nesse trem da alegria da "ameaça chinesa", enquanto o negócio dos negócios vai prosseguindo.
Mas se você quer aprender a derrotar a China, não deixe de estudar os seus tuítos. ****
________________________________________
[1] http://www.independent.co.uk/news/world/japan-admits-it-can-make-atomic-bomb-1423293.html
[2] http://www.timesofisrael.com/iran-nuclear-denial-has-japanese-ring/