Chegamos a um ponto em que precisamos de adultos na sala, de preferência mulheres, mas adultos, que deixam seus chapéus do lado de fora
Nunca pensei que me encontraria em uma posição em que veria um mundo bipolar se formando diante dos meus olhos, com oceanos de ódio saindo da boca de políticos ocidentais e dos teclados de jornalistas ocidentais, como catracas do “nós e eles” chegando a proporções astronômicas. Há mais de vinte anos que escrevo sobre meu desejo de ver um mundo multipolar em que a gestão de crises ocorre no Conselho de Segurança das Nações Unidas e em que todos os lados podem sentar-se à volta de uma mesa, ouvir uns aos outros, repito, OUVIR UNS AOS OUTROS e desfazer as crises antes que elas se concretizem.
Há vinte anos tenho escrito sobre a barbárie da abordagem ocidental, impondo a democracia e removendo governos de 30 mil pés de altura, bombardeando países, bombardeando civis e depois reivindicando o alto terreno moral por meio de artigos de opinião pueris dirigidos a leitores e espectadores pueris facilmente conduzidos e ingénuos.
Há setenta anos ou mais, a Rússia e os russos leram e viram o ódio sendo vomitado pelos meios de comunicação ocidentais, nunca uma história positiva, sempre uma versão distorcida dos eventos. Sempre anti-Rússia, sempre anti-Russo.
Agora que a Rússia está envolvida em uma operação militar ativa na Ucrânia, o vitríolo atinge a estratosfera. Fica-se curioso quanto ao tratamento dado nos meis de comunicação ocidentais sobre, por exemplo, nos anos 90 aviões militares dos EUA e do Reino Unido estavam atacando campos de cereais no Iraque para que as crianças morressem de fome (claro que não informaram, apenas a RAI UNO mostrou imagens que foram rapidamente retiradas da Internet para enganar o público crédulo); como os meios de comunicação ocidentais relataram a carnificina no Iraque em que 1.200.000 civis foram assassinados direta ou indiretamente pela intervenção chamada Choque e Pavor. Lembram-se? Quando crianças iraquianas foram cegos, quando as suas carinhas foram desfiguradas, seus corpos rebentados, seus membros queimados e suas famílias destruídas? Eu poderia continuar com esse tipo de informações sobre Kosovo, Líbia e sobreo apoio dado aos terroristas takfiri, na Síria.
E assim por diante. E quantos outros conflitos que andam por aí, esquecidos porque faltam-lhes aquele toque para serem designados como “sexy”. Estas crianças morrem sem ninguém usar as imagens da sua infelicidade como peça de propaganda.
Neste mundo “nós e eles”, alguém tem que ser sensato, pois estamos enfrentando uma situação em que uma qualquer escalada pode ver bombas nucleares voando sobre as nossas cabeças. Depois de ver a constante humilhação da Rússia, depois de ver a OTAN intrometendo-se para o leste em direção às fronteiras da Rússia (por quê?), depois de ver que ninguém disse nada sobre os moradores de Donbass sendo massacrados há oito anos (quem disse algo sobre os ucranianos russófonos sendos massacrado pelo batalhão Azov de neonazistas com insígnias fascistas? Quem falou das crianças em Donbass, vítimas de bombardeios do lado ucraniano? Quem disse algo sobre o tratamento de etnias menores, pessoas não-brancas pelas autoridades, quem disse algo sobre oficiais com retratos de Hitler nos seus escritórios?) Minha opinião nos últimos anos foi que a Rússia deveria bater a porta, trancá-la, fechar com chave e jogar fora a chave, virar as costas e abrir mercados no Irã, Índia, China, Vietnã, Indonésia, Filipinas, Nigéria, África do Sul, Brasil (um BRICS ampliado). Mas nunca pensei que isso realmente aconteceria.
Agora, eu também não quero que isso aconteça. Preferiria que todos fóssemos amigos. Então, o que precisamos hoje é de alguns adultos na sala enquanto o mundo muda de marcha. Estamos olhando para uma divisão leste-oeste com muitos pontos de inflamação esperando para explodir.
Queremos uma Terceira Guerra Mundial com mísseis nucleares voando sobre nossas cabeças, enviando a civilização de volta à idade da pedra, matando civis inocentes, chacinando animais, queimando plantas? Queremos acordar a uma manhã escura com bolhas na pele, vomitando sangue?
Então, o que precisamos é de informações de todos os lados, não de censura. A censura não respeita ninguém. Então, por que a União Européia tenta sufocar o RT e o Sputnik? Por que há ataques DDOS constantes a meios de comunicação russos a partir da Ucrânia? Sufocar o livre fluxo de informação de um lado para que a “informação” do outro se torne propaganda? A censura transforma informação em propaganda e vitríolo. A censura transforma informação em ódio. A informação torna-se vitríolo, sem contrapeso.
Se alguém está planejando algo, eu quero saber; se alguém está dizendo algo, eu quero ouvir. Quero ler o que diz o Ministério da Defesa ucraniano e, com certeza, quero ler o que diz o Ministério da Defesa russo, não quero ignorá-lo. Quero ouvir russos e ucranianos em todas as esferas da vida para obter uma imagem global. Eu, e a maioria do público informado, somos capazes de tomar nossas próprias decisões depois ler os factos e opiniões apresentados de todos os lados. Isso é pedir demais? Por que desligar o lado russo das comunicações? Faz alguma diferença? Impede que os eventos aconteçam? Ou facilita o fluxo unidirecional de informações de só um dos lados?
Que tipo de reportagem o lado ocidental quer? Tecidos de mentiras como esta:
Uma menina ucraniana carregando um atirador de ervilhas conseguiu destruir sessenta mil soldados Spetsnaz em três segundos usando ervilha seca e seu traseiro depois de comer um prato de feijão, enquanto um menino de 4 anos destruiu toda a força aérea russa em três segundos com um laser que ele havia fabricado no galpão de seu avô usando cocô de galinha e pedaços de madeira podres. Os soldados russos estão assando bebês depois de sugar seus miolos pelas órbitas oculares depois de peidarem o hino nacional ucraniano ruidosamente sentados em troncos de árvores.
Esse é o tipo de bobagem que eles querem? Esta é a verdade? Isso é respeitar todos os lados ou fazer palhaços do lado ucraniano? Então deixem o RT falar, deixem o Sputnik falar, vamos ouvir todos os lados, o que significa respeitar todos os lados.
Isso também não significa que eu queira ler histórias de ódio propagadas na mídia, como “Os russos estão bombardeando as escolas”. Claro que eles não são bombardeando as escolas. Se alguém coloca uma peça de artilharia perto de uma escola e atira contra os soldados, o quê são supostos a fazer, fazer cócegas nas costas uns dos outros com espanadores e dar risadinhas? A pergunta depois virá, então por quê eles estão lá? A resposta: pela mesma razão que os moradores de Donbass choram há oito anos enquanto o oeste armava o outro lado. Qualquer coisa para ferrar os russos. Eles denunciam um lado, abafam informações do outro e criam lendas de monstros, gerando ódio. Por quê é que o CIA tinha tantos laboratórios de manipulação de virus na Ucrânia? Ai, não ouviram pois não? Claro. E das tropas da OTAN já na Ucrânia antes da tempestade rebentar? Por quê? E o equipamento militar que a OTAN vendeu à Ucrânia. Para quê?
E veja onde isso nos levou.
Se eu quisesse, poderia detalhar algumas revelações chocantes sobre a Ucrânia e a história do fascismo naquele país, poderia detalhar crimes chocantes contra crianças, por exemplo, na verdade tenho ao meu lado uma pilha de documentos detalhando o que eles fizeram, a ponto onde só de olhar para os papéis eu fico doente. Eu poderia escrever centenas de páginas sobre isso.
Mas não vou. Não vou porque meu foco não é espalhar ódio como muitos estão fazendo. Eu não odeio a Ucrânia, nem odeio os ucranianos, nem ninguém (exceto suas vítimas, é claro). Eu não sou ucraniano, então minha posição é manter meu nariz fora dos assuntos dos outros, mas eu insisto, quero ouvir informações de ambos os lados. A censura transforma informação em propaganda e vitríolo, alimentando o ódio. Não estou aqui para isso, mas muitos que trabalham na comunicção social estão.
Dito isto, quero sugerir soluções (conversações de paz e cessar-fogo; a Ucrânia não adere à OTAN, mas adere à UE mais tarde, uma solução comercial e não militar? Por exemplo). Quero combater crimes de ódio. Quero ver gerações de crianças educadas respeitando umas às outras, não odiando seus vizinhos nas próximas gerações. Quero promover eventos esportivos, eventos culturais entre os dois lados para deixar isso para trás. Mas como podemos fazer isso, se um dos lados está incitando o ódio e censurando o livre fluxo de informações?
Portanto, precisamos de um fluxo livre de informações, não de censura, e precisamos de alguns adultos na sala que deixem seus chapéus do lado de fora, se sentem e ouçam uns aos outros.
Só para terminar, gostaria de terminar esta peça com a experiência de minha mãe na última grande guerra. Ela faleceu há dois anos, muito idosa, tendo tido uma tremenda influência na vida de seus dois filhos, meu irmão gêmeo e eu, e era uma enorme referência na vida de tantas pessoas, mais de noventa anos de vida trabalhando incansavelmente para as comunidades, e uma consequência de seu falecimento foi minha incapacidade de escrever qualquer coisa de qualquer substância nos últimos dois anos, exceto diatribes sobre o Covid. Essa coisa me chocou de volta em algum tipo de reação.
A experiência na infância da minha mãe faria com que as crianças de hoje passassem décadas em terapia, embora sua vida familiar fosse muito feliz. Sua escolaridade foi cravejada com o som de bombas caindo e vidros se estilhando, sua própria casa foi atingida diretamente por uma bomba e destruída (se eles não tivessem se mudado no dia anterior, teriam sido mortos). Uma aula típica seria interrompida pelo aviso de ataque aéreo, todos debaixo das mesas, bombas caindo, vidro quebrando, e depois do sirene soar que o ataque tinha terminado, sairam de debaixo das mesas, sacudiam o vidro dos livros, escovavam os estilhaços das mesas e continuavam com a lição.
Uma noite, ela estava caminhando para casa, já uma jovem, e viu um bombardeiro alemão pego pelas lanternas com balas traçantes subindo e atingindo o avião, que tentava desesperadamente escapar. Todos ao seu redor gritavam “Vá lá, pegue o cabrão!” e ela disse que só pensava era que havia rapazes lá em cima naquele avião, apavorados, que queriam voltar para suas mães.
Ela nunca odiou os alemães depois da guerra e sempre nos disse que eles mesmos experimentaram as mesmas coisas. Isso, apesar de toda a sua vida ter sido vivida sob as nuvens criadas por aqueles cinco anos de conflito, nos quais ela se envolveu diretamente e quanto mais velha ela crescia, mais ela falava de suas memórias... apesar de tudo isso, ela os perdoou e nós gozávamos, quando crianças, de umas férias muito felizes na Alemanha. Então eu termino minha peça com o exemplo da minha mãe. Podemos todos, por favor, tentar segui-lo?
Obrigado. Significaria muito para mim e para tantos outros. Incluindo russos e ucranianos. Menos ódio. Menos tomar lados, Mais reportagens objectivos apresentando o contexto. Ninguém gosta de ver crianças a chorarem, sejam quem forem, até iemenis, mas estas são invisíveis.
Timothy Bancroft-Hinchey pode ser contatado em timothy.hinchey@gmail.com