Pressionar mais a Rússia dará em nada
17/10/2020, Moon of Alabama
Ao longo dos últimos anos, EUA e seus fantoches na União Europeia (EU) aumentaram a pressão contra os russos. Parecem acreditar mesmo que possam obrigar a Rússia a obedecer ao seu diktat. Não podem. Mas a ilusão de que a Rússia ceda, e de que, para tanto, faltariam só mais algumas poucas sanções, ou mais algumas poucas cidades incendiadas nas vizinhanças da Rússia, essa parece ser mesmo ilusão imorredoura.
Como Gilbert Doctorow descreve a situação:
Os incêndios que ardem junto às fronteiras da Rússia no Cáucaso acrescentam-se à desordem e ao conflito na fronteira ocidental, na vizinha Bielorrússia, onde diariamente os piromaníacos que dirigem a União Europeia jogam gasolina ao fogo, agindo, não há dúvida, em conluio com Washington.
Ontem soubemos da decisão do Conselho Europeu, de impor sanções ao presidente Lukashenko, ação praticamente sem precedentes dirigida contra chefe de Estado de nação soberana.
...
É fácil ver que a real intenção das sanções é pressionar o Kremlin, que é o real poder que mantém Lukashenko no governo, somando-se às várias outras medidas implementadas simultaneamente, na esperança de que Putin e sua entourage finalmente quebrem e deixem-se submeter à hegemonia global norte-americana, como a Europa quebrou, há muito tempo.
...
A política de pressão total sobre a Rússia acima delineada, tem, como pano de fundo, as campanhas eleitorais presidenciais nos EUA. Os Democratas continuam tentando desqualificar Donald Trump, declarado "fantoche de Putin", como se o presidente, na presidência, tivesse sido muito gentil com seu gêmeo autocrata (sic). Claro, sob o poder da Câmara de Representantes dominada pelos Democratas e com a cumplicidade do staff anti-Rússia no Departamento de Estado, no Pentágono, a política dos EUA para a Rússia durante toda a presidência de Trump foi aumento jamais mitigado de novas pressões militares, informacionais, econômicas e outras, sempre na esperança de que Vladimir Putin e sua entourage cederiam. Não fossem os nervos de aço do Sr. Putin e de seus assessores próximos, as políticas de pressão irresponsáveis, temerárias acima expostas poderiam já ter resultado em comportamento agressivo, e os russos poderiam já ter agido de modo que faria a crise dos mísseis cubano parecer brincadeira de criança.
O lobby dos fabricantes norte-americanos de armas, sob o formato de "Conselho Atlântico", confirma a estratégia 'ocidental' de que fala Doctorow e 'exige' 'apertar mais e mais a Rússia', com mais e mais sanções:
Chave para aumentar os custos para a Rússia é uma estratégia transatlântica mais proativa para sanções contra a economia da Rússia e a base de poder de Putin, associada a outros passos para reduzir a alavancagem da energia russa e a renda das exportações. Deve-se buscar uma nova política da OTAN para a Rússia, em paralelo com a política de sanções imposta pela União Europeia, que enfrenta as mesmas ameaças dos ciberataques russos e de desinformação. No mínimo, devem ser estendidas as sanções da UE que resultaram das hostilidades na Ucrânia, como as sanções da Crimeia, por mais um ano, não só por seis meses. Ainda melhor, aliados e membros da UE devem apertar ainda mais as sanções, sem prazo para terminar, ou até que a Rússia ponha fim à agressão e tome medidas concretas para a desescalada.
O lobby das armas quer também que a Europa pague pelos armamentos para a Ucrânia e a Geórgia:
Uma estratégia mais dinâmica da OTAN para a Rússia deve andar lado a lado com uma política mais proativa para Ucrânia e Geórgia, no quadro de uma estratégia ampliada para o Mar Negro. A meta deve ser aumentar a capacidade de ativa contenção, nos dois parceiros, e reduzir a habilidade de Moscou para minar a soberania daqueles Estados, mesmo que a decisão sobre novos membros permanentes da OTAN permaneça, por enquanto, em banho-maria.
Como parte desse esforço expandido, aliados europeus devem esforçar-se mais para aumentar as capacidades de Ucrânia e Geórgia em terra, mar e ar, complementando os esforços de EUA e Canadá iniciados em 2014.
O objetivo de toda a campanha contra a Rússia, explica o autor do Conselho Atlântico, é subordiná-la às exigências dos EUA:
Relações entre o ocidente e Moscou começaram a deteriorar já antes de a Rússia invadir (sic) a Ucrânia, invasão (sic) acelerada pelo medo, em Moscou, de que valores (sic) ocidentais (sic) se encastelassem ali, com todo seu potencial para minar (sic) o regime de Putin. Ante a possibilidade de mais 16 anos de poder para Putin, muitos especialistas creem que as relações provavelmente permanecerão confrontacionais ainda por muitos anos. Argumentam que o melhor que EUA e aliados (sic) podem fazer é administrar essa concorrência e desencorajar ações agressivas que partam de Moscou. Contudo, ao empurrar a Rússia para trás (sic) cada vez mais assertivamente (sic) no curto e no médio prazo, os aliados (sic) mais provavelmente conseguirão convencer Moscou a voltar (sic) a respeitar as regras da ordem liberal internacional e a uma cooperação mutuamente benéfica (sic), como foi o objetivo inicial da Lei de Fundação da OTAN-Rússia de 1997 [ing. mutually beneficial cooperation as envisaged under the 1997 NATO-Rússia Founding Act].
As tais "regras da ordem liberal internacional" são, claro, qualquer regra que os EUA declarem que sejam regra da ordem liberal internacional. Podem mudar a qualquer momento e sem aviso, convertidas em quaisquer outras regras consideradas mais convenientes à política exterior dos EUA.
Mas, como disse Doctorow acima, Putin e seus conselheiros mantêm-se calmos e ignoram todo esse lixo, apesar da hostilidade manifesta contra eles.
Um dos mais próximos conselheiros de Putin é, claro, o ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov. Numa recente entrevista de amplo alcance transmitida para várias estações de rádio russas, o ministro tocou em muitas das questões sobre as quais Doctorow escreve. Quanto à estratégia dos EUA para a Rússia, Lavrov diagnostica:
Sergey Lavrov: [...] Numa das perguntas anteriores, você mencionou que não importa o que a Rússia faça, o ocidente sempre tentará nos conter e nos impedir, e minar nossos esforços na economia, na política e no campo da tecnologia. Todos esses são elementos de um tipo de abordagem.
Entrevistador: A estratégia de segurança nacional deles determina que façam e que farão isso.
Sergey Lavrov: Claro que sim, mas a dita estratégia está articulada de tal modo, que muita gente decente pode perfeitamente não ver o que ali se diz. Mas a dita estratégia está sendo implementada de um modo, pode-se dizer, escandaloso.
Entrevistador: O senhor também pode articular as coisas de modo que resulte diferente do que o senhor realmente quer dizer, correto?
Sergey Lavrov: Mas é o contrário. Eu sei usar a linguagem. Só muito raramente acontece de eu dizer uma coisa, querendo dizer o oposto. Mas eles muito claramente tentam nos desequilibrar, e não só com ataques diretos à Rússia, em todas as esferas possíveis e imagináveis, com concorrência comercial inescrupulosa, sanções ilegítimas e coisas desse tipo, mas também cuidando de desequilibrar a situação bem junto às nossas fronteiras, o que nos impede de nos concentrar em atividades criativas. Mas, apesar dos instintos humanos e das tentações para responder no mesmo campo, tenho certeza de que temos de respeitar a lei internacional.
A Rússia não aceita as tais envenenadas supostas 'regras da ordem liberal internacional'. A Rússia mantém-se aderida à lei, posição que, na minha avaliação, é muito mais forte. Sim, sim, frequentemente a lei internacional é quebrada. Mas, como Lavrov disse noutra oportunidade, ninguém cancela todas as leis de trânsito 'por causa' de acidentes de estrada.
A Rússia mantém-se calma, não importa o quanto escandaloso seja o nonsense que EUA e UE inventem. O país consegue isso porque sabe, não apenas que goza de superioridade moral porque respeita a lei, mas, também, porque sabe que tem capacidade militar para se impor, numa situação de confronto e sair vitoriosa. Em dado momento, entrevistador e entrevistado até riem:
Entrevistador: Como dizemos por aqui, "quem não ouve Lavrov, ouvirá Shoigu [ministro da Defesa]".
Sergey Lavrov: Já vi escrito numa camiseta. Exatamente. É disso que se trata.
Sim, se trata disso. A Rússia é nação militarmente segura e o 'ocidente' bem sabe. Eis uma das razões para o frenesi anti-Rússia. A Rússia não precisa preocupar-se com a hostilidade sem precedentes que vem de Bruxelas e de Washington. Pode ignorá-la, ao mesmo tempo em que segue cuidando dos próprios interesses.
É tão óbvio, que é preciso perguntar pela razão real pela qual prossegue a campanha de pressão anti-Rússia. O que, afinal, têm em vista, os governos norte-americanos que insistem, obcecados, contra a Rússia?*******
Foto: By Frank Baulo, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=53230816