Está em preparação um putsch em Atenas, para salvar a aliada Grécia das garras da Rússia inimiga. Os putschistas-chefes são EUA e Alemanha, com apoio do pessoal que não paga impostos na Grécia - oligarcas gregos, armadores anglo-gregos e a Igreja Grega. No mais alto e no mais baixo níveis do governo grego, e de Thessaloniki a Milvorni, todos os gregos compreendem o que está acontecendo. Ontem, votaram empenhadamente em ato de resistência. Segundo uma alta figura política em Atenas, veterano de 40 anos de política, "o que estamos vendo acontecer é mudança de regime em câmera lenta."
Até domingo à tarde, a disputa ainda continuava muito apertada. Os votos Sim e Não estavam praticamente empatados, a diferença não maior que um fio de cabelo.
No início da manhã, o London Times de Rupert Murdoch publicou que "Forças gregas de segurança têm já um plano secreto para usar o exército, com as polícias especiais antitumulto, para conter possível agitação civil depois do referendum de hoje sobre o futuro do país na Europa. Na chamada "Operação Nêmesis", está previsto o uso de soldados para patrulhar as maiores cidades, se houver agitação pública prolongada. Detalhes do plano emergiram agora, com as pesquisas mostrando que os campos "Sim" e "Não" estão correndo pescoço a pescoço".
Nenhum funcionário ou militar grego fala com os jornais e jornalistas de Murdoch. Mas agentes dos governos de EUA e Grã-Bretanha, sim.
"Até às 15h, estava pescoço a pescoço" - informa o veterano político em Atenas. - "Então os jovens começaram a votar."
Será que o resultado - 61% a 39% - no referendum, com margem de 22% a favor do Οχι (Não), que o New York Times declarou "chocante" e uma "vitória que nada resolve", consegue derrotar a Operação Nêmesis? Será que no neo-Eixo - EUA e Alemanha - atacará novamente, como os alemães fizeram depois que o 1º Οχι grego, de 28/10/1940, derrotou a invasão italiana?
O Kremlin também compreende o que está acontecendo. Por isso, quando Victoria Nuland (de solteira, Nudelman) do Departamento de Estado visitou Atenas, para deixar lá seu ultimatum contra qualquer quebra no regime de sanções anti-Rússia; e quando, logo depois, começaram osthink-tanks anglo-americanos, com 'alertas' de que a Marinha Russa estaria pronta para entrar no porto de Pireus, já não restou qualquer dúvida e o jogo ali estava, bem claro.
A palavra-senha para a Operação Nêmesis é que a Grécia teria de ser salva, não dela própria nem dos credores, mas do grande inimigo em Moscou. Os russos decidiram nada fazer para aumentar a divulgação dessa propaganda; esperar e observar.
No cargo de chefe do Gabinete de Assuntos Europeus e Eurasianos do Departamento de Estado, Nuland é a funcionária encarregada de promover guerras em solo europeu. O que ela fez na Ucrânia está documentado em "UAU! É a minha garota! Biden e Kerry não têm colhões!". Ela esteve em Atenas, quase sem qualquer cobertura de mídia, dia 17/3, quando fez dois ultimatos. O comunicado distribuído pelaEmbaixada dos EUA em Atenas levava o título de "Queremos ver prosperidade e crescimento em Atenas".
Nuland disse ao primeiro-ministro grego Alexis Tsipras (à direita, na foto) que não rompesse a unidade dos aliados da OTAN contra a Rússia. "Por causa dos eventos de agressão crescente no leste da Ucrânia" - disse ela -, os EUA estamos muito satisfeitos por termos obtido solidariedade entre a União Europeia e os EUA; e por a Grécia ter desempenhado o papel que lhe cabe, ajudando a construir consenso". Na imagem do encontro, distribuída também pela Embaixada dos EUA, vê-se que Nuland faz com as mãos a mesma ameaça que se lia nas entrelinhas do press-release.
Nuland também avisou Tsipras de que não deixasse de pagar o que deve à Alemanha, ao Banco Central Europeu e ao FMI. Tsipras ouviu ordens para fazer "um bom acordo com as instituições". O referendum que Tsipras convocou dia 27/6, foi surpresa para Nuland. A parte "nêmesis" na Operação Nêmesis é o castigo planejado contra essa manifestação dehúbris grega.
Ocupado há um ano em esbravejar contra a legitimidade do referendumde março 2014 na Crimeia, que disse "Sim" à reintegração da região à Rússia, o Departamento de Estado, por 48 horas, não deu atenção aoreferendum grego. Dia 29/6, perguntado sobre o que o governo dos EUA pensava fazer, no caso de o resultado do referendum "ser Não", o porta-voz de Nuland Mark Toner disse que os EUA ignorariam o resultado. "Estamos focados, francamente, no contrário, quero dizer, em encontrar um caminho adiante que permita à Grécia continuar a fazer reformas, voltar a crescer e permanecer na Eurozona."
A única referência oficial de Washington, além dessa, referendo grego, só veio dia 30/6, quando, no briefing diário no Departamento de Estado, alguém perguntou "o que vocês estão fazendo, dentro do FMI, no qual os EUA são o maior acionista, para pressionar também por esse lado, a favor de mais boa-vontade com os gregos?" A resposta oficial foi: "estamos monitorando cuidadosamente a situação (...) continuamos convencidos de que é importante que todos os lados cooperem para retomar um caminho que permitirá à Grécia retomar as reformas e voltar a crescer dentro da Eurozona. Mas, repito, estamos monitorando de perto."
O último atentado planejado pelo governo dos EUA para derrubar governo grego eleito foi contra o primeiro-ministro Andreas Papandreou entre 1987 e 1989. Com o filho dele e seu sucessor, George Papandreou, não foi preciso derrubar ninguém - George e sua mãe, Margarita Papandreou - já estavam sob controle de Washington. Mas contra Andreas, foram necessárias contramedidas sérias. Medidas de fato militares, para implantar o tipo da ditadura que houve na Grécia entre 1967 e 1974 e foi unanimemente impopular, nacionalmente e internacionalmente. Foram medidas extraordinariamente dispendiosas; para piorar, desacreditaram os militares de EUA e da OTAN, que foram vistos publicamente, sempre defendendo a "Junta" militar golpista e usurpadora em Atenas.
Foi quando o governo Reagan resolveu que Papandreou teria de ser derrubado pelo próprio povo, se possível em eleições. A estratégia foi "dar a Papandreou corda suficiente para se enforcar" - disse Robert Keeley, então embaixador dos EUA em Atenas. Foi também uma espécie de Operação Nêmesis.
O plano era derrotar a húbris de Papandreou diante do próprio eleitorado grego, primeiro num confronto militar no mar Egeu contra a Turquia; depois numa acusação de corrupção do primeiro-ministro por um banqueiro grego e proprietário de clube de futebol.
Nos dois casos, os gregos fizeram abortar os esforços de golpe, com movimentos que os funcionários norte-americanos não perceberam com suficiente antecedência. Os turcos retiraram-se, quando viram surgir força naval combinada de gregos e búlgaros; e o primeiro-ministro turco foi enviado para uma clínica cardiológica em Houston, Texas. George Koskotas, o homem que acusava Papandreou, foi preso em Boston e devolvido diretamente para uma prisão grega. Pode-se dizer que foi um caso de húbris reversa. Para mais informações, leia "27/1/2015, "AGrécia, com Chipre, é o único estado-membro da OTAN a ter sido (e continuar) ocupado militarmente por outro estado-OTAN (Turquia) apoiado pela aliança inteira"
Ontem, domingo, se os eleitores gregos tivessem ficado divididos pela velha divisão da Guerra Civil, esquerda contra direita, azuis contra vermelhos, as forças de segurança teriam sido mobilizadas para enfrentar manifestantes na praça Maidan, epa!, digo, Praça Syntagma, e atiradores de precisão lá estariam pelos telhados do Grande Bretagne Hotel dando o sinal de partida para a Operação Nêmesis. Mas dessa vez o exército dosthink-tank & jornais & jornalistas falharam quase totalmente, com tiros para todos os lados que, todos, erraram o alvo.
Em Londres, o Legatum Institute mantido com dinheiro norte-americano passou sem ver, completamente cegos, pelas pesquisas; e desperdiçoualém das pesquisas também o próprio painel de discussões, com ataques contra Venezuela, China, Síria e Rússia, que usariam "fenômenos antes associados à democracia - eleições, internet, jornais, jornalistas e jornalismos, o mercado - para minar liberdades", além de minarem também "o potencial de auto-organização da sociedade." Legatum deixou para Anne Applebaum o duvidoso privilégio de informar ao mundo que o governo grego pode ser derrubado, 'porque' "foi eleito sobre premissa completamente falsa".
O Royal Institute of International Affairs (Chatham House), que trovejavamês passado contra a infoguerra russa, desde então passou a trovejar contra as democracias tunisiana e nigeriana; essa semana está anunciando um novo painel de discussões sobre "progresso obtido por Kiev nos quesitos transparência e reforma das instituições chaves de governo". Chatham House há tempo está em silêncio sobre a democracia grega; do referendum, nem falou.
Em Washington, o International Republican Institute (IRI) - cujo lema é "ajudar a democracia a tornar-se mais efetiva, onde esteja em perigo" - há meses só faz lançar suas pesquisas sobre democracia pagas pelo Departamento de Estado, mas nesse caso só sobre a Costa do Marfim e o Zimbábue; nem uma palavra sobre a Grécia. E o National Democratic Institute (NDI) só se preocupa, há meses, com seus esquemas democráticos na Geórgia, no Iraque e no Kosovo.
O Pew Research Centre em Washington tentou antecipar o resultado doreferendum grego, pesquisando 2,5 milhões de mensagens de Twitter na Grécia, e publicou os resultados dia 3/7. Tuítos em grego foram 40% a 33% a favor do "Sim". Em inglês, 32% a 7% a favor do "Sim". Na vida real, os resultados da mídia social não se confirmaram. Se o Centro Pew não inventou tudo isso, o grande número de tuítos "neutros" converteram-se em votos "Não" no dia do referendum.
A Brookings Institution e o Peterson Institute - ambos mantidos com dinheiro do oligarca ucraniano Victor Pinchuk para bater tambor anti-Rússia na Ucrânia - parou a um passo de prever o resultado doreferendum grego, mas condenou o governo por tê-lo proposto. Dia 1º de julho, Carlo Bastasin, jornalista italiano assalariado pela Brookings, dizia ter fontes que seriam "testemunhas oculares" de que o "líderes gregos têm conduta inescrupulosa" e de "Planos do governo grego para impor ainda mais recessão e arrocho do que os europeus". As fontes do jornalista não têm nome.
No comitê executivo do Peterson Institute, a estratégia para a Grécia é dirigida por Andreas Dracopoulos. Trata-se de membro da família do armador grego Stavros Niarchos, e administrador do dinheiro da fundação de mesmo nome. Perguntado sobre o que o dinheiro de Niarchos estaria fazendo para minorar a crise doméstica, Andreas mencionou vales-comida para os pobres e camas para os sem-teto. Infelizmente, não falou de pagar impostos. Andreas Dracopoulos foi condecorado, por governo anterior, com a medalha de Grande Comandante da Ordem da Fênix; por causa da filantropia da Fundação Niarchos. Na imagem, vê-se Dracopoulos ao lado do Arcebispo Demetrios, primaz da Diocese Norte-Americana da Igreja Grega, tradicional inimigo, ou pior, de governos em Atenas que a diocese veja como 'de esquerda'.
A comunidade greco-norte-americana evitou qualquer declaração pública sobre o referendum. Em vez disso, dia 1/7, a Associação EUA-Helênica Educacional Progressista [orig. American Hellenic Educational Progressive Association (AHEPA)], como é conhecido esse tradicional grupo de lobby, anunciou que "Também conclamamos o governo Obama a aprofundar seu engajamento, para assegurar que os lados em disputa cheguem a solução adequada". Se os greco-norte-americanos, Dracopoulos e a Igreja estavam convocando a Operação Nêmesis, com certeza não iam votar "Não" no dia 5/7. Antes de a votação começar, a AHEPA distribuiu seusegundo pronunciamento: "Seja qual for o resultado do referendumrealizado na Grécia dia 5/7/2015, o que é crucial parta a comunidade greco-norte-americana é que as relações EUA-Grécia permaneçam fortes e garantidas, e que a importância geoestratégica e da contribuição da Grécia a favor dos interesses de segurança dos EUA e da OTAN sejam valorizadas e apreciadas."
Fontes políticas em Atenas reconhecem que, depois de chegar ao poder em janeiro Tsipras e seus colegas no partido Syriza silenciosamente tomaram medidas de precaução contra um putsch pelas forças de segurança do país. "A liderança [dos militares e dos serviços de inteligência] foi trocada" - dizem as fontes -, "mas não radicalmente. O ministro da Defesa [Panos Kammenos] é homem de direita, mas não há 'radicais' em comando."
Em Moscou houve ceticismo desde o início, de que Tsipras conseguiria ou decidiria resistir à pressão de EUA e Alemanha. Há mais sobre isso em "Resposta russa ao Plano B da Grécia - sorrir, tocar o apito e contar o que sabe, mostrar cartão vermelho". Em abril, e depois novamente em junho, Kammenos fugiu à discussão sobre que tipo de nova cooperação militar com a Rússia o lado grego está considerando. Adiaram-se discussões sobre detalhes, até que os dois governos tenham reunião conjunta de comissão ministerial, marcada para o final de julho.
Analistas militares russos esperam que Chipre organize cooperação militar ampliada, incluindo a Marinha Russa e aeronaves de apoio à Marinha. Entendem que a Grécia não solicitará, nem o Kremlin aceita cooperação grega comparável. Sobre isso, há mais em "Chipre é mais importante para a Rússia, que a Grécia, mas não é assim tão importante".
Assim sendo, de onde Robert Kaplan tira a ideia de que EUA e UE devem atuar "para manter navios russos bem longe de portos gregos"? Kaplan, do Centro para Nova Segurança Norte-americana [orig. Center for a New American Security (CNAS) em Washington, informou aos leitores de Wall Street Journal dia 30/6, que o golpe do Kremlin seria usar o Syriza como ferramenta para arrancar a Grécia da UE e desmantelar posições da aliança dos EUA nas costas mediterrâneas e nos Bálcãs. A Rússia, segundo Kaplan, "pode estar [sic] ajudando a inflamar as divisões internas do Syriza, na esperança de que o partido governante grego não consiga fazer todas as difíceis concessões necessárias para permanecer na Eurozona". [Um voto "Não" na Grécia] combinado "com o desmembramento e enfraquecimento da Ucrânia enfraquecerá seriamente a posição geopolítica da Europa vis-à-vis à Rússia."
O think-tank de Kaplan em Washington informa que é sustentado por conhecidas empresas fornecedoras de equipamento militar; empresas norte-americanas de petróleo; os governos de Japão, Taiwan e Cingapura; OTAN; Exército, Marinha, Marine Corps e Força Aérea dos EUA; plus as Fundações Sociedade Aberta [Open Society] de George Soros. A principal executiva do CNAS é Michele Flournoy, fundadora dothink-tank que está servindo como sua plataforma para lançar-se como a próxima Secretária da Defesa, se Hillary Clinton vencer a corrida presidencial ano que vem. Flournoy é uma das redatoras de um recente plano para que os EUA escalem os reforços em armas e soldados na Ucrânia e em toda a fronteira russa com os estados bálticos. O plano dela leva o título de "O que EUA e OTAN devem fazer".
Até o relatório de Kaplan semana passada, a única coisa que o CNAS dissera sobre a Grécia fora um relatório em janeiro passado, explicando "Por que Putin é o Grande Vencedor nas Eleições Gregas". O especialista do think-tank responsável por essa pérola era um ex-funcionário do Tesouro dos EUA, com treinamento em árabe e nenhum trabalho sobre a Europa, menos ainda sobre a Grécia. Kaplan, que é soldado israelense, além de empregado do Pentágono e conferencista de agências de inteligência dos EUA, explica que seus saberes sobre Grécia advêm de "ter vivido em Atenas durante aquela década [1980s]." A menos que tenha tido folga prolongada de qualquer trabalho que tenha feito na Grécia, Kaplan só andou por lá se trabalhava sob identidade falsa.
Quanto a guerra na Grécia agora, basta declarar de quem os gregos devem ser salvos. Os gregos votaram mais explicitamente que os ucranianos contra se sacrificarem aos interesses de EUA-OTAN. Mas os especialistas norte-americanos têm absoluta certeza de que não o fizeram por algum anseio de democracia à moda Eixo, mas movidos só por húbris. Para acabar com qualquer húbris, pois, aí está a Operação Nêmesis. Naturalmente. *****
5/7/2015, John Helmer, Dance with Bears (de Moscou) - http://johnhelmer.net/?p=13712