Qual a conexão entre a reunião do G7 na Alemanha, a visita do presidente Putin à Itália, o clube Bildemberg reunido na Áustria e as negociações do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT) [Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP)] - o acordo de livre comércio entre EUA e União Europeia -, em Washington?
Comecemos pelo G7 nos Alpes da Bavária - de fato, um G1 cercado de uma leva de "parceiros juniores" - com o presidente Barack Obama a regozijar-se nesse festim neoconservador induzido -, arregimentando a União Europeia para ampliar sanções contra a Rússia, mesmo que provavelmente as sanções firam mais a União Europeia varrida pela austeridade[1] pelo arrocho, que a Rússia.
Como se podia prever, a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês também caíram lá - depois de a realpolitik tê-los obrigado a conversar com a Rússiae a montar, juntos, o acordo Minsk-2.
O hipocrisiômetro já havia explodido pela tampa sobre os Alpes Bávaros, logo no discurso pré-jantar, do presidente do Conselho Europeu Donald Tusk, ex-primeiro ministro da Polônia e russófobo de carteirinha/pró-guerra: "Todos nós preferiríamos ter a Rússia à mesa do G7. Mas nosso grupo não é simples grupo que partilha interesses políticos e econômicos. Antes de qualquer outra coisa, somos uma comunidade de valores. E é por isso que a Rússia não está entre nós."
Quer dizer que o negócio foi "valores" civilizados versus "agressão russa".
O "civilizado" G1 + parceiros juniores não poderia jamais declarar lá que todos, coletivamente, se ariscam a pôr uma guerra nuclear em solo europeu, por causa de um 'Banderastão' criado por Kiev, desculpe, é "agressão russa".
Em vez disso, a parte realmente engraçada acontecia por trás das cortinas. EmWashington, grupos culpavam a Alemanha por o ocidente ter perdido a Rússia para a China; enquanto os adultos na União Europeia - bem longe dos Alpes Bávaros - culpavam Washington.
Ainda mais sumarenta é a visão contrária que circula entre os poderosos Masters of the Universe no mundo empresarial norte-americano sem política. Eles temem que nos próximos dois ou três anos, a França acabe por realinhar-se ao lado da Rússia (precedentes históricos abundam). E eles - mais uma vez - identificam a Alemanha como o problema-chave (com Berlim forçando Washington a envolver-se numa 'Mitteleuropa' prussiana, que os norte-americanos guerrearam duas guerras para impedir que se formasse).
Quanto aos russos - do presidente Putin e do ministro Lavrov de Relações Exteriores, para baixo -, já emergiu um consenso: não faz sentido algum discutir qualquer coisa substancial, se se considera o lastimável pedigree intelectual - ou absoluta imbecilidade neoconservadora - dos políticos e conselheiros do governo Obama que se autoapresentam como a turma do "Não faça merda coisa estúpida". Quanto aos "parceiros juniores" - a maioria, gente da União Europeia - são irrelevantes, meros vassalos de Washington.
Seria delírio esperar que a gangue dos "valores civilizados" propusesse qualquer alternativa que ajudasse a vasta maioria dos cidadãos das nações G7 a conseguir coisa melhor que Mac-empregos, os mesmos que já mal sobrevivem, reféns que são do turbo-capitalismo dependente-viciado em finanças, que só beneficia o 1%. Muito mais fácil apontar o dedo para o bode expiatório proverbial - a Rússia - e tocar adiante com retórica da OTAN de distribuir medo e pregar guerra e guerra.
A Lady de Ferro Merkel também achou tempo para pontificar sobre mudança climática - pregando a todos por lá que invistam numa "economia global de baixo-carbono". Poucos perceberam que o prazo para a total "descarbonização" ficou combinado para o final do século 21, quando esse planeta estará em fundas, profundíssimas dificuldades.
Achtung! [Atenção!] Bilderberg!
A novilíngua soprada pelos neocons de Obama continua a pregar que a Rússia sonha com recriar o império soviético. Agora comparem com o que o presidente Putin explica na Europa.
Semana passada, o presidente Putin achou tempo para uma entrevista ao Corriere della Sera de Milão, às 2h da manhã. A entrevista foi publicada enquanto rolava a festa nos Alpes Bávaros, e antes da visita de Putin à Itália, dia 10 de junho. Os interesses geopolíticos de EUA e Rússia foram expostos nos mais atrozes detalhes.
Quer dizer que Putin era persona non grata naquele G1 + parceiros juniores? Ok. Na Itália ele visitou a Milan Expo; encontrou-se com o primeiro-ministro Renzi e com o Papa Francisco; fez com que todos recordassem os "laços econômicos e políticos privilegiados que unem Itália e Rússia"; e falou das 400 empresas italianas ativas na Rússia e no milhão de turistas russos que visitam a Itália anualmente.
Mais importante que tudo isso, Putin evocou também o tal dito consenso: a Rússiasempre representou visão alternativa como membro do G8. Agora, parece que "as outras potências" supõem que já não precisem disso. Em resumo: é impossível manter conversa de adultos com Obama e seus amiguinhos.
E na sequência, de Berlin - por onde andava exibindo suas impressionantes credenciais de política externa, Jeb Bush, irmão do destruidor do Iraque, DábliuBush, integralmente adestrado e 'brifado' pelos seus conselheiros neoconservadores, declarou Putin "um agitador"; e seguiu pela Europa em luta contra (e o que mais seria?!) a "agressão russa".
O véu retórico que encobriu o que realmente se discutiu nos Alpes Bávaros só começa a dissipar-se aos primeiros acordes dos verdadeiros nada-noviços nada-rebeldes: a reunião do Bilderberg Group que começa nessa 5ª-feira, noInteralpen-Hotel Tyrol na Áustria, apenas três dias depois da reunião doG1+parceiros juniores.
Conspiracionismos possíveis à parte, Bilderberg pode ser definida como uma gangue ultrassecreta de lobbyistas de elite - políticos, chefões norte-americanos corporativos, funcionários da União Europeia, grandes industriais, chefes de agências de inteligência, cabeças europeias coroadas - anualmente organizada numa espécie de think-tank informal/formato lançador-de-políticas, para fazer avançar a globalização e todos os assuntos cruciais relacionados à agenda geral atlanticista. Pode chamar de Festival Mundial dos Masters of the UniverseAtlanticistas.
Para lançar alguma luz sobre aquela escuridão - não que o pessoal lá seja adepto de alguma transparência - conhece-se a composição da comissão que dirige os trabalhos. E também a pauta da reunião na Áustria.
Naturalmente falarão sobre "agressão russa" (na linha de "e quem liga para Ucrânia falida? Queremos é impedir que a Rússia faça negócios com a Europa").
Naturalmente falarão sobre a Síria (na linha da partilha do país, com o Califato já aceito como fato da vida-pós-Sykes-Picot).
Naturalmente falarão sobre o Irã (na linha do vamos-negociar: compramos a energia deles e os subornamos para que venham para nosso clube).
Mas o negócio realmente quente por lá é o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT) [Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP)] - suposto acordo "de livre comércio" entre EUA e UE. Pode-se dizer que todos os lobbyistas do big business/big finança lá estarão, praticamente todos eles, sob o mesmo teto austríaco.
Não por acaso, Bilderberg começa exatamente na véspera do dia em que o Congresso dos EUA inicia o debate sobre a 'tramitação de urgência' [orig. "fast track", lit. "trilha rápida"] para a lei que dá autoridade ao presidente para negociar a coisa.
WikiLeaks e muitos BRICS
Entra em cena WikiLeaks, com material que, num mundo justo, seria elemento crucial para emperrar toda a máquina de destruição.
A lei da 'rápida tramitação', se aprovada, prorrogará os novos poderes do presidente dos EUA por nada menos que seis anos. Assim se inclui o próximo inquilino da Casa Branca que talvez venha a ser 'The Hillarator' ou Jeb "Putin é agitador" Bush.
Essa autoridade presidencial para negociar acordos safados inclui não só o acordo da TTIP mas também o da Parceria Trans-Pacífico (TPP) e também o Acordo de Comércio em Serviços (TiSA).
Em boa hora, WikiLeaks publicou o Anexo de Assistência à Saúde [orig. Healthcare Annex] do rascunho do capítulo "Transparência" da TPP, e a posição de cada país que está negociando. Não surpreende que o rascunho seja secreto. E nada há, nele, de "transparente": é o sequestro não disfarçado, pela Big Pharma, de todas as autoridades nacionais da atenção à saúde pública.
O resumo da história é que esses três mega-acordos - TTP, TTIP e TiSA - são o mais completo modelo do que se pode, polidamente, descrever como governança global pelas grandes empresas - o mais molhado dos sonhos molhados de Bilderberg. Quem perde: os estados-nação e o próprio conceito de democracia ocidental. Quem ganha: as megaempresas comerciais.
Julian Assange, em declaração de poucas palavras [também em espanhol, para facilitar a leitura (NTs)], disse tudo:
"É erro supor que a Parceira Trans-Pacífico seria um simples tratado comercial. Na verdade, são três megatratados que operam em conjunto: oTiSA, o TPP e o TTIP, e os três se acrescentam, em termos estratégicos, como um único grande tratado unificado, que racha o mundo: o ocidenteversus o resto. Esse 'Grande Tratado' é descrito pelo Pentágono como o coração econômico do 'Pivô para a Ásia' dos militares dos EUA. Os arquitetos miram nada menos que o arco da história. O Grande Tratado está tomando forma em total segredo, porque, com essas suas ambições estratégicas jamais discutidas fora das elites, ele alicerça firmemente uma forma agressiva de empreendimento comercial transnacional para o qual o apoio é mínimo entre as populações."
Portanto, aí está a verdadeira agenda atlanticista - os toques finais sendo aplicados no arco que vai do G1+parceiros juniores até Bilderberg (devem-se esperar telefonemas crucialmente importantes da Áustria para Washington, na 6ª-feira). É a OTAN comercial. Pivotagem para a Ásia, excluindo Rússia e China. Ocidente vs. o resto.
Agora, o contragolpe. Enquanto rolava o show nos Alpes Bávaros, acontecia em Moscou o primeiro Fórum Parlamentar dos BRICS - antes da reunião de cúpula dosBRICS em Ufa, mês que vem.
Neoconservadores - com Obama puxando a fila - desfalecem de gozo, sonhando que a Rússia estaria "isolada" do resto do mundo, por causa das sanções deles. Desde o começo das sanções, Moscou já assinou acordos econômicos/estratégicos com, pelo menos, 20 nações. No próximo mês, a Rússia hospedará a reunião de cúpula dosBRICS - 45% da população do planeta, PIB equivalente ao da UE, e em pouco tempo já terá ultrapassado o do atual G7 - e também a reunião da Organização de Cooperação de Xangai, quando Índia e Paquistão, atualmente membros-observadores, serão incorporados como membros plenos.
G1 + parceiros juniores? Vão procurar que-fazer! Vocês não são o único show na cidade, em nenhuma cidade.*****
11/6/2015, Pepe Escobar, RT -- http://rt.com/op-edge/266542-bilderberg-obama-g7-germany-ttip/