Dia 23 de maio de 2015, o presidente Vladimir Putin da Rússia sancionou nova lei, proposta pelo Parlamento, que dá aos Procuradores de Justiça o direito de declarar “indesejáveis” na Rússia, e mandar fechá-las, organizações estrangeiras e internacionais que se intrometam na política russa. Como se podia prever, a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Marie Harf, disse que os EUA estariam “profundamente perturbados” ante a nova lei, a qual, na opinião dela, seria “mais um exemplo dos ataques crescentes do governo russo contra vozes independentes, para isolar o povo russo, do resto do mundo.”
A nova lei dá poderes às autoridades russas para banir do país ONGs declaradas indesejáveis e para processar os empregados e responsáveis, que correm risco de serem condenados a seis anos de cadeia ou a serem expulsos do país, para não mais voltar. A União Europeia fez coro ao Departamento de Estado dos EUA, e disse que a lei seria “preocupante passo numa série de restrições contra a sociedade civil, a imprensa independente (sic) e a oposição política”.
A ONG mantida por George Soros, Human Rights Watch, condenou a lei. E a Amnesty International, idem.
Com tanta coisa no mundo em que vivemos, em que impera o duplo-falar, é conveniente compreender o contexto da nova lei. Longe de ser salto na direção de converter a Rússia em estado fascista, a nova lei pode ajudar a proteger a democracia e a soberania da nação russa, num momento em que está em estado de guerra de facto contra, em primeiro lugar, os EUA, mas contra, também, vários porta-vozes, como Jens Stoltenberg, novo comandante civil russofóbico da OTAN.
A Rússia tem sido atacada por ONGs políticas que operam a serviço do Departamento de Estado e da inteligência dos EUA e, isso, desde que a URSS se autodissolveu, no início dos anos 1990s. Houve que financiaram e treinaram figuras selecionadas na oposição, como Alexei Navalny, membro de um grupo chamado Conselho de Coordenação da Oposição Russa [orig. Russian Opposition Coordination Council]. Navalny foi mantido com dinheiro de uma ONG de Washington, Dotação Nacional para a Democracia [orig. National Endowment for Democracy (NED)], conhecida como instrumento da CIA para executar ações políticas sujas demais para que o estado norte-americano as possa assumir, no projeto de “armar e militarizar direitos humanos e democracia”.
Antes da nova lei, as leis russas para ONGs eram muito mais suaves – de fato baseada numa lei vigente nos EUA, a Lei de Registro de Agentes Estrangeiros [orig. Foreign Agents Registration Act (FARA)], que exige que ONGs ativas na Rússia, mas financiadas do exterior apenas registrassem seus funcionários como agentes de governo estrangeiro. Chamada de “Lei Russa dos Agentes Estrangeiros” passou a valer em novembro de 2012, depois que ONGs norte-americanas foram apanhadas organizando protestos anti-Putin. Essa lei exige que organizações sem finalidade de lucro que recebam doações do exterior e operem como instrumentos a serviço de governo de outro país sejam registradas como organizações e agentes estrangeiros. Essa lei permitiu auditar as finanças e as atividades de cerca de 55 ONGs operantes na Rússia, mas mantidas com dinheiro recebido do exterior, mas até agora não tivera grande efeito sobre as operações de ONGs como Human Rights Watch [Observatório dos Direitos Humanos] ou Anistia Internacional.
[orig. National Endowment for Democracy, NED]
O caso da NED é ilustrativo. A Dotação Nacional para a Democracia é uma gigantesca operação global; seu criador, Allen Weinstein, que redigiu também a legislação que criou a NED, disse numa entrevista, em 1991, que “muito do que hoje fazemos já era feito, clandestinamente, pela CIA, há 25 anos.”
De fato, a ONG que hoje se conhece como NED nasceu dos miolos criativos de Bill Casey, diretor daCIA no governo de Ronald Reagan, como parte de uma ampla “privatização” da CIA. Orçamento daNED vem do Congresso e de outras ONGs amigas do Departamento de Estado, como as Fundações Open Society, de George Soros.
A NED tem subunidades: National Republican Institute, cujo presidente é o senador John McCain, que teve papel chave no golpe de Estado que os EUA deram na Ucrânia, em 2014. O National Democratic Institute, ligado ao Partido Democrata dos EUA, cuja presidenta é a ex-secretária de Estado de Clinton e bombardeadora-em-chefe da Sérvia, Madeline Albright. No Conselho Diretor da ONG NED estão, dentre outros, todos os neoconservadores mais empenhadamente belicistas do governo Bush-Cheney, como Elliott Abrams; Francis Fukuyama; Zalmay Khalilzad, ex-embaixador dos EUA no Iraque e no Afeganistão e arquiteto da guerra afegã; e Robert Zoellick, íntimo da família Bush e ex-presidente do Banco Mundial.
Em outras palavras, essa EUA-ONG ‘para promoção da democracia’ é item integrante de uma nefanda agenda global de Washington, que usa essa ONG armada, pseudo promotora de Direitos Humanos e Democracia, para livrar-se de governos e regimes e autoridades que se recusem a obedecer os comandos de Wall Street ou Washington. A NED esteve no coração de todas as Revoluções Coloridas que Washington promoveu pelo mundo desde o golpe bem-sucedido para derrubar Slobodan Milosevic na Sérvia em 2000.
Foram também golpes dessa EUA-ONG que instalaram presidentes pró-OTAN na Ucrânia e na Geórgia em 2003-4, tentaram desestabilizar o Irã em 2009, comandaram operações da Primavera Árabe para redesenhar o mapa político do Oriente Médio depois de 2011, e, mais recentemente, criaram e sustentaram a “Revolução dos guarda-chuvas” em Hong Kong para criar embaraços à China. A lista é longuíssima.
Mais importante, não há relatório anual das atividades da ONG no ano de 2014, ano crítico, depois do golpe da CIA na Ucrânia, quando Washington escalou nos truques sujos contra Moscou, e de fato declarou estado de guerra contra a Federação Russa, impondo sanções financeiras que visavam a “incapacitar” a economia russa.
Em todas as Revoluções Coloridas geradas pelos EUA até hoje, as instituições norte-americanas, bancos de Wall Street e fundos hedge sempre tentam gerar o máximo de caos econômico e usá-lo para insuflar atos de agitação política, como se vê em ação hoje no Brasil, contra a presidenta Dilma Rousseff, figura de destaque no grupo BRICS.
O modo como a EUA-ONG NED está consumido milhões, do dinheiro dos contribuintes norte-americanos, na Rússia, é altamente revelador. No relatório abreviado do ano de 2014, a ONG NEDrevela que, dentre vários projetos na Rússia, gastou $530.067 numa rubrica “Transparência na Rússia”, para “ampliar a consciência da corrupção”.
Como assim? A EUA-ONG NED apropriou-se das funções da Polícia ou dos Procuradores de Justiça russos? Como é que descobrem e comprovam a tal “corrupção” cuja “consciência”, depois, eles trabalham para “ampliar”?
Claro que a ‘operação’ aí gera lucros colaterais, sob a forma de detalhes íntimos de corrupção na Rússia e da vida de corruptos russo, que são encaminhadas às autoridades russas para providências: são encaminhadas às autoridades norte-americanas para chantagem. Há treinamento especializado nos EUA para ONG-ativistas em outros pontos do mundo (como os grupos Navalny).
E há uma EUA-ONG financiada pelo Congresso dos EUA, ligada à CIA e ao Departamento de Estado de Victoria Nuland, que decide quais as empresas russas são “corruptas”? Tenham a santa paciência!
Outra categoria na qual essa EUA-ONG NED consome somas consideráveis de dinheiro na Rússia hoje aparece sob a rubrica “Ideias e Valores Democráticos”: $400 mil, para algo que leva o nome de “Encontrar pontos de confluência de Direitos Humanos e História – Para ampliar a consciência do bom e do mau uso da memória histórica, e estimular discussões públicas de questões políticas e sociais prementes.” O quê?!
A coisa soa muito parecida com recentes tentativas, pelo Departamento de Estado dos EUA, de negar o significado e a importância da participação do Exército Soviético – que foram realmente decisivos para a derrota do 3º Reich, na 2ª Guerra Mundial.
É preciso perguntar também: quem decide quais são as tais “questões políticas e sociais prementes”? A NED? A CIA? Os neoliberais de Victoria Nuland no Departamento de Estado?
Imaginemos outros pés nesses mesmos sapatos. Vladimir Putin e o serviço secreto de inteligência da Rússia decidem montar em New York uma ‘operação’ que chamarão de “Nossa Empreitada ‘Futura Democracia nos EUA’” (NoFuDemEUA).
Essa operação NoFuDemEUA financia, com milhões e milhões de dólares, o treinamento de jovens ativistas afro-americanos, em técnicas de “arrastões”, tumultos, vandalismo, manifestações de brutalidade contra policiais, ensinam a preparar coquetéis Molotov, a usar as mídias sociais para desmoralizar o estado, a Polícia. O objetivo da operação NoFuDemEUA será denunciar todos os abusos de direitos humanos cometidos pelo governo dos EUA, FBI, Polícia, governo instituições da ordem pública. Esse pessoal assim treinado, saberá colher um incidente ambíguo em Baltimore, Maryland ou Chicago ou New York e disparar vídeos por Youtube para todo o mundo, tuítos, mensagens sobre a violência policial, real ou falsificada. Ninguém se preocupa com determinar o que fez a Polícia, se agiu bem ou mal. Mas multidões reagem, tomam as ruas contra a Polícia, eclodem tumultos, morre gente.
Caros leitores, alguém aí supõe que o governo dos EUA admitiria que uma ONG russa se intrometesse nos assuntos internos soberanos dos United States of America? Alguém acha que o FBI hesitaria um segundo para prender todo o pessoal da ONG NoFuDemEUA, fechar o escritório, acabar com a ‘operação’?
Pois o que essa ONG NoFuDemEUA estaria fazendo é exatamente o mesmo que a ONG National Endowment for Democracy, NED, financiada pelo Congresso dos EUA e apoiada pela CIA, faz na Rússia. O pessoal dessa ONG não tem absolutamente nada a fazer em lugar algum da Rússia, que é nação soberana. Nem, é claro, essas ONGs têm algo a fazer em qualquer lugar do mundo. Elas só existem para semear confusão, criar tumultos. O governo russo faz muito bem em mostrar-lhes a porta de saída, como organizações realmente indesejáveis.
Em outubro de 2001, dias depois do choque dos ataques contra as torres do WTC e o Pentágono, o governo Bush conseguiu aprovar uma lei que, na prática, rasgou a Lei dos Direitos da Constituição Norte-americana, das melhores constituições que o mundo conheceu. A ‘Lei Patriótica’, como é cinicamente chamada pelos seus patrocinadores, dá poderes ao governo dos EUA para, dentre outras violências “vigiar terroristas suspeitos, todos os suspeitos de praticar fraudes ou abusos por computador (sic!), e agentes de potência estrangeira engajado em atividades clandestinas nos EUA.” Outra sessão dessa Lei Patriótica permite que o FBI confisque “produto tangível de qualquer tipo (livros, gravações, papeis, documentos e outros itens) para investigação necessária para proteger contra terrorismo internacional ou atividades clandestinas.”
Essa lei, que é lei do estado policial que passou a haver nos EUA, provocou apenas gotas de ultraje; agora está para ser renovada pelo Congresso. O fato de a ONG NED ter parado de declarar a quem dá dinheiro na Rússia é prova de que tem algo a esconder. Essa ONG NED é o coração das operações da CIA e do Departamento de Estado dos EUA para “militarizar e armar os Direitos Humanos” [orig. “Weaponization of Human Rights”], para provocar ‘mudança de regime’ pelo mundo, de modo a verem-se livres de governos que “não cooperam”.
Como eu já disse em recente entrevista na Rússia sobre a NED, pouco depois de a nova lei russa ter sido aprovada, o que me surpreendia é que a Rússia não tivesse criado lei semelhante há muito tempo, porque era evidente que as ONGs norte-americanas não estavam lá para qualquer serviço positivo. ANED é realmente uma ONG “indesejável” – como o são Human Rights Watch, Freedom House, as fundações Open Society e toda a escória das falsas ONGs de Direitos Humanos patrocinadas pelo governo dos EUA.*****
31/5/2015, F. William Engdahl, New Eastern Outlook
http://journal-neo.org/2015/05/31/soberania-sedition-and-russia-s-undesirable-ngos-2/