22ª. Assembleia do Conselho de Política Externa e Defesa, Moscou, 22/11/2014
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“Carecemos de uma nova versão de interdependência. Uma nova ordem mundial tem necessariamente de ser policêntrica e refletir a diversidade de culturas e civilizações no mundo contemporâneo. A Rússia é hoje o país pioneiro na promoção da democracia, da justiça, do estado de direito e do respeito à lei.”
Sinto-me feliz por falar nessa Assembleia Anual do Conselho de Política Exterior e Defesa [ab. em ru., SVOP]. É sempre grande prazer para mim, encontrar as pessoas e sentir essa potência intelectual, que permite que o Conselho, seus líderes e representantes, analisem os desenvolvimentos globais e respondam a eles. As análises produzidas por esse conselho sempre são livres de qualquer traço de histeria, os analistas oferecem sempre argumentos sólidos e bem fundamentados, com um passo de distanciamento, porque quem se deixa prender no calor e na névoa dos eventos não consegue manter, sem desvios, nem a própria perspectiva. Somos inevitavelmente influenciados pelos eventos, o que torna as observações, análises, discurso e sugestões desse conselho cada vez mais valiosos para nós.Pelo que sei, a Assembleia esse ano trabalhará sobre as possibilidades de acelerar o crescimento doméstico na Rússia. Não há dúvida de que esses esforços concertados, por toda a nossa sociedade, para fazer acontecer desenvolvimento amplo, econômico, social e espiritual, são pré-requisito para tornar sustentável o futuro da Rússia.
Isso posto, em função dos minhas obrigações profissionais, tenho de focar questões de política externa, também relevantes para a agenda dessa Assembleia, porque nesse mundo globalizado, interconectado, é impossível isolar o desenvolvimento interno e o mundo externo.
O presidente Vladimir Putin da Rússia ofereceu análise detalhada dos desenvolvimentos internacionais durante o encontro do Clube Valdai em Sochi e em várias entrevistas durante sua recente viagem à Ásia. Por essa razão, não me preocuparei com observações conceituais, porque o que importa já está dito. Mas gostaria de partilhar com vocês algumas considerações baseadas na experiência que acumulamos em nossos esforços diários de política externa. Não é meu objetivo apresentar quadro completo, nem perfeitamente claro, porque no momento que atravessamos tudo são só previsões e, assim, provisórias, não importa de onde venham. Além do mais, é trabalho dos diplomatas influenciar os eventos, não apenas contemplá-los.
Começo, naturalmente, pela Ucrânia. Muito antes de o país ser jogado na atual crise, já havia um sentimento no ar de que as relações da Rússia com a União Europeia (UE) e com o Ocidente aproximavam-se do momento da verdade. Era claro que não podíamos continuar a empurrar para o fundo do forno questões prementes nas nossas relações, e que era absolutamente necessário decidir: ou se fazia parceria genuína, ou, como se diz, se “quebravam os pratos”. Como todos sabem, a Rússia optou pela primeira alternativa; nossos parceiros ocidentais, infelizmente, decidiram-se, consciente ou inconscientemente, pela segunda. De fato, expuseram-se completamente na Ucrânia e apoiaram extremistas – o que implica que atropelaram até os próprios princípios deles, de mudança democrática de regime.
O que se viu, nisso tudo, foi a tentativa de provocar a Rússia, como em brincadeira de crianças, ver quem piscaria primeiro. Como dizem os provocadores, esperavam forçar a Rússia a ‘afinar’ (e não encontro melhor palavra no vocabulário deles): esperavam que engoliríamos calados a humilhação dos russos e falantes de russo que vivem na Ucrânia.
Leslie Gelb, que vocês conhecem bem, escreveu que o Acordo de Associação da Ucrânia na União Europeia nada tinha a ver com convidar a Ucrânia a unir-se à EU; que só tinha a ver com, no curto prazo, conseguir impedir que o país se unisse à União Aduaneira. Isso foi o que disse alguém imparcial e de visão não deformada. Quando afinal decidiram escalar na Ucrânia, esqueceram várias coisas, inclusive de considerar como tais movimentos seriam vistos na Rússia. Esqueceram o conselho, por exemplo, de Otto von Bismarck, que sabia que subestimar os milhões de russos do grande povo russo seria o maior dos erros políticos.
O presidente Vladimir Putin disse, há alguns dias, que ninguém na história jamais conseguiu subjugar o povo russo e submetê-lo a algum poder externo. Não é opinião: é fato. Pois o que se está vendo agora é um atentado com esse tipo de objetivo, tentativa de aplacar a sede de expandir o espaço geopolítico controlado pelo ocidente, movida pelo medo de perder as últimas migalhas do que, do outro lado do Atlântico, eles mesmos se convenceram de que teria sido vitória deles na Guerra Fria.
De novidade, na situação de hoje, é que tudo se encaixou imediatamente, o quadro tornou-se logo claro, e o ‘plano’ por trás dos movimentos do ocidente foi logo exposto, apesar da pretensa efetividade com que teriam construído uma segurança comum, um lar europeu comum. Citando o verso de Bulat Okudzhava, “O passado está ficando cada vez mais claro, mais claro...”A clareza vai-se tornando mais tangível.
Hoje, nossa tarefa mão é só ver com clareza o passado (por mais que tenha de ser feito), mas, mais importante, nossa tarefa é pensar sobre o futuro.
Conversas sobre o ‘isolamento’ da Rússia não merecem discussão séria. Absolutamente nem preciso citar essas coisas nesse plenário. Claro, podem prejudicar nossa economia e, sim, estão prejudicando, mas ao custo de prejudicarem-se também eles mesmos, os que tomam essas medidas e, também importante, estão destruindo o sistema de relações econômicas internacionais, os princípios nos quais se baseia. Antes, quando se aplicavam sanções (e eu servia na missão russa na ONU naquela época), nossos parceiros ocidentais, quando discutiam a República Popular Democrática da Coreia [‘Coreia do Norte’], o Irã e outros estados, diziam que era necessário formular as restrições de modo tal que se mantivessem dentro de limites humanitários e não causassem dano no plano social, e à economia; e o alvo buscado era exclusivamente a elite. Hoje, é exatamente o contrário: os líderes ocidentais não se cansam de repetir publicamente que as sanções com certeza destruirão a economia e desencadearão ‘protestos de rua’.
Assim se conclui que, no que tenha a ver com a abordagem conceitual para o uso de medidas coercitivas, o ocidente demonstra inequivocamente que não busca mudar só a política russa (o que é, em si, fantasia), mas aspira a mudar o regime russo – e praticamente não há uma única autoridade ocidental que negue isso.
O presidente Vladimir Putin, falando recentemente com jornalistas, disse que os líderes ocidentais têm hoje horizonte de planificação muito limitado. E, claro, é sempre perigoso, quando decisões em questões chaves do desenvolvimento do mundo e do futuro da humanidade tenham de ser tomadas em atenção a ciclos eleitorais muito curtos: nos EUA, os ciclos eleitorais são de apenas dois anos; a cada dois anos, eles têm de pensar ou fazer alguma coisa (qualquer coisa) que interesse, principalmente, a reeleição de quem esteja no poder. Esse é o lado mais negativo do processo democrático, mas ninguém pode pagar o preço de fingir que esse problema não existiria.
Nós simplesmente não podemos aceitar a ‘lógica’ dos que nos dizem para nos calar, nos resignar, relaxar e dar alguma coisa por imutável... ‘porque’ todos teríamos de padecer ‘porque’ há eleições de dois em dois anos nos EUA. Não faz sentido. Não está certo. Não nos resignamos, porque o que vemos em jogo é valioso demais, as apostas estão altas demais na luta contra o terror; a ameaça de proliferação de armas de destruição em massa é grave demais; e muitos conflitos sangrentos têm impacto negativo, que vai muito além dos contornos dos correspondentes estados e regiões. O desejo de fazer alguma coisa para obter ganhos unilaterais, ou para pintar autorretrato que agrade aos eleitores às vésperas de mais essa ou aquela eleição, leva ao caos e à confusão nas relações internacionais.
Ouvimos diariamente repetido o mantra de que Washington ‘é consciente’ de sua ‘excepcionalidade’, do ‘dever’ de carregar às costas o ‘peso’ de liderar o resto do mundo. Rudyard Kipling fez versos sobre “a carga às costas do homem branco”. Espero que não seja essa a força que move os EUA e os norte-americanos.
O mundo hoje não é branco ou negro, mas multicor e heterogêneo. Nesse mundo, nenhuma liderança se manterá como tal, se se apoiar apenas no autoconvencimento da própria ‘excepcionalidade’ e de um dever, que aquele ‘líder’ teria recebido de Deus. Nada disso. Hoje, só há liderança se houver capacidade, competência e talento para construir consensos.
Seria maravilhoso se os parceiros norte-americanos aplicassem para construir consensos o poder que eles têm. A Rússia estaria ativamente empenhada em ajudá-los.
Mas até aqui, os recursos administrativos dos EUA continuam a funcionar só no quadro da OTAN, e mesmo aí com substanciais reservas; e não têm alcance algum além da Aliança do Atlântico Norte. Uma prova disso são os resultados das tentativas, pelos EUA, para fazer a comunidade mundial seguir sua orientação, no que tenha a ver com princípios e com sanções anti-Rússia. Já falei mais de uma vez sobre isso, e temos muitas provas do fato de que embaixadores e enviados dos EUA por todo o mundo procuram encontros no mais alto nível, ocasião em que se põem a insistir que os correspondentes países seriam obrigados a punir a Rússia, somando-se aos EUA, ou haverá consequências. Está sendo feito em todos os países, inclusive nos aliados mais íntimos da Rússia (o que fala muito eloquentemente sobre a baixa qualidade dos analistas com os quais Washington conta).
Uma ampla maioria dos estados com os quais temos diálogo continuado sem qualquer restrição e nenhum ‘isolamento’, como os senhores veem, valorizam o papel independente que a Rússia tem na arena internacional. Não porque gostem quando alguém desafia os EUA, mas porque se dão conta de que a ordem mundial nada ganhará em estabilidade, se as pessoas tiverem de ser ‘autorizadas’ ou não, a manifestar a própria opinião. (De fato, a maioria, sim, diz exatamente o que pensa disso tudo, mas só privadamente, não em público, de medo do ‘castigo’ que venha de Washington).
Muitos analistas racionais compreendem que há distância, que sempre aumenta, entre as ambições globais do governo dos EUA e o real potencial do país. O mundo está mudando e, como sempre aconteceu na história, em algum ponto a influência e o poder de alguém sempre alcançam o pico e, então, alguém começa a desenvolver-se ainda mais depressa e mais efetivamente. É preciso estudar a história e partir dos fatos. As sete economias em desenvolvimentos lideradas pelos chamados países BRICS já têm PIB maior que o do G7 ocidental. É indispensável partir dos fatos, não de alguma fantasia que alguém alimente da própria grandeur.
Virou moda ‘declarar’ que a Rússia estaria fazendo uma espécie de “guerra híbrida” na Crimeia e na Ucrânia.
É termo interessante, mas se aplica sobretudo aos EUA e à estratégia de guerra deles – fazem lá guerra verdadeiramente híbrida, que visa menos a derrotar militarmente o inimigo, e mais a ‘mudar os regimes’ nos estados que sigam alguma política que não agrade a Washington. Estão usando pressão financeira e econômica, ataques informacionais, servindo-se de outros países na periferia do estado atacado, como ‘procuradores locais’; e também, claro, fazem pressão informacional e ideológica, servindo-se, para isso, de organizações não governamentais financiadas de fora dos países atacados. É processo híbrido. E é também o que se conhece como “guerra”.
Seria interessante discutir o conceito de guerra híbrida, para verificar quem faz guerra híbrida e se é algo além de ficção dos “homenzinhos verdes” de Washington. Tudo leva a crer que a caixa de ferramentas [de guerra] de nossos parceiros norte-americanos, que se se servem dela cada vez com mais frequência, é bem maior.
No esforço para fixar a preeminência deles, num momento em que novos centros econômicos, financeiros e políticos estão emergindo, os norte-americanos só fazem provocar a contrarreação, comprovando a 3ª lei de Newton e contribuindo para a emergência de estruturas, mecanismos e movimentos que buscam alternativas para as receitas norte-americanas para resolver problemas graves.
Não falo aqui de antiamericanismo, muito menos de nos pormos a formar ‘coalizões’ contra os EUA. Falo só do desejo natural de número crescente de países de proteger seus interesses vitais e de conseguir fazer o que entendam que seja o mais certo, não o que lhes chegue do outro lado do Atlântico.
Ninguém se porá a jogar jogos anti-EUA só para despeitar os EUA. Enfrentamos hoje tentativas e fatos consumados de uso extraterritorial da lei norte-americana; sequestro de nossos cidadãos, apesar dos tratados vigentes com Washington. E essas questões têm de ser resolvidas mediante a aplicação da lei, ouvidos os corpos judiciais.
Segundo sua própria doutrina de segurança nacional, os EUA teriam o direito de usar a força em qualquer ponto do mundo, a qualquer momento, sem necessidade de esperar a aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU.
Formou-se uma coalizão contra o Estado Islâmico, sem que o Conselho de Segurança fosse ouvido. Perguntei ao secretário de Estado John Kerry por que não consultara o Conselho de Segurança da ONU. Ele disse-me que, se houvesse a consulta, teriam de, de algum modo, declarar o status [de presidente] do presidente da Síria Bashar al-Assad. Ora. É claro que teriam de declará-lo, porque a Síria é estado soberano e ainda é membro da ONU (a Síria não perdeu o status de membro da ONU). O secretário Kerry discordou. Disse que não, porque os EUA estão combatendo o terrorismo, e o regime do presidente al-Assad seria o principal fator que estaria galvanizando terroristas de todo o mundo e atuando como ímã que os atraía para a região, num esforço para derrubar o regime sírio.
Para mim, essa lógica é perversa. Falando sobre precedentes (o sistema jurídico dos EUA leva em alta conta os precedentes), vale a pena lembrar o desarmamento químico na Síria, no qual o regime do presidente Assad foi parceiro perfeitamente legítimo dos EUA, da Rússia, da Organização para Proibição de Armas Químicas da ONU (ing. OPCW-UM) e de outros. Os EUA mantêm conversações também até com os Talibã. Onde os EUA entrevejam possibilidade de arrancar algum proveito de alguma coisa, eles agem pragmaticamente. Não entendi ainda muito bem como foi que aconteceu que, dessa vez, o movimento ideologicamente motivado assumiu o comando e os EUA resolveram acreditar que Assad não poderia ser parceiro. O mais provável é que as coisas consistam, aí, de uma ação contra o Estado Islâmico, que pavimentaria o caminho para tentarem derrubar o presidente Assad, disfarçados como agentes de operação contraterrorismo.
Francis Fukuyama escreveu recentemente Political Order and Political Decay [Ordem política e decadência política (2011), que no Brasil recebeu título ‘higienizado’ de Origens da Ordem Política (?!)], no qual diz que a eficiência da administração pública nos EUA está em declínio, e as tradições da governança democrática estão sendo gradualmente substituídas por métodos da relação de servidão feudal. É parte da discussão sobre alguém que, tendo telhado de vidro, vive de jogar pedras no telhado dos outros.
Tudo isso acontece entre os desafios e os problemas sempre crescentes do mundo moderno. Vemos uma continuada disputa de “cabo-de-guerra” na Ucrânia. Os problemas fervem na fronteira sul da União Europeia. Não acredito que os problemas do Oriente Médio e do Norte da África sumirão sem mais nem menos, por eles mesmos. A União Europeia formou nova Comissão. Emergiram novos atores estrangeiros, que encararão disputa duríssima sobre para onde mandar seus recursos básicos: para a continuação de imundos esquemas na Ucrânia, Moldávia, etc., dentro da Parceria Oriental (como prega uma agressiva minoria dentro da UE), ou darão ouvidos aos países do sul da Europa e focar-se-ão no que está acontecendo no outro lado do Mediterrâneo?
Essa é questão importantíssima para a União Europeia. Até aqui, só se veem os que não se deixam guiar por problemas objetivos, mas por um desejo de passar a mão o mais rapidamente possível em qualquer recurso que surja à superfície da terra. É deplorável. Exportar revoluções – democráticas, comunistas, qualquer revolução – nunca traz bem algum.
Por toda a região do Oriente Médio/Norte da África [ing. Middle East/North Africa, MENA], as estruturas públicas e civilizacionais estão realmente desmoronando. A energia destrutiva liberada naquele processo pode contaminar estados localizados bem longe dali. Terroristas (inclusive o Estado Islâmico) já reclamam status nacional. Além disso, estão prontos a começar a criar corpos quase-governamentais para fazerem trabalho administrativo.
Contra esse pano de fundo, minorias, inclusive cristãs, estão sendo banidas. Na Europa, essas questões são desqualificadas como ‘politicamente incorretas’. A Europa fica com vergonha quando nós os convidamos a fazer algo juntos, contra o banimento de cristãos, no âmbito da Organização de Segurança e Cooperação da Europa (OTSC). E querem saber por que nos focamos especificamente nos cristãos. Por quê? O que há neles de tão especial?
A OTSC organizou séries de eventos dedicados a registrar e manter vivas as lembranças do Holocausto de judeus. Há poucos anos, a OTSC começou a realizar eventos contra a islamofobia. Em dezembro próximo, apresentaremos oficialmente nossa avaliação dos processos que estão levando, hoje, à cristianofobia.
Esse ano, as reuniões em nível ministerial da OTSC acontecerão dias 4-5 de dezembro, em Basel, ocasião em que a Rússia apresentará essa proposta. A maioria dos membros da União Europeia foge desse tópico, porque têm vergonha de falar dele. Exatamente como tiveram vergonha, também de incluir no projeto de Constituição Europeia que Valery Giscard d'Estaing estava redigindo, uma frase na qual a Europa reconhecia suas raízes cristãs.
Se você não lembra nem respeita as próprias raízes e tradições, como saberá respeitar as tradições e os valores de outros povos? É o que ensina e demonstra a lógica mais simples e direta. Comparando o que se vê acontecer hoje no Oriente Médio e um período de guerras religiosas na Europa, um cientista social israelense, Uri Avneri, disse que o atual torvelinho dificilmente terá fim com o que o ocidente tem em mente quando diz “reformas democráticas”.
O conflito árabes-israelenses foi abandonado, como se estivesse morto. É difícil atuar em vários barcos ao mesmo tempo. Os EUA tentam, mas não funciona. Em 2013, demoraram nove meses para fazer alguma coisa, com o conflito israelenses-palestinos em plena explosão. Não discutirei as razões, que são bem conhecidas, mas o fato é que fracassaram também ali. Agora, querem mais tempo para tentar obter algum progresso antes do final de 2014, para que os palestinos não vão à ONU nem subscrevam o Estatuto da Corte Criminal Internacional, etc.
E repentinamente, transpirou que haveria avanços nas negociações sobre o Irã. O Departamento de Estado dos EUA descartou a Palestina, para focar-se no Irã.
O secretário de Estado dos EUA John Kerry e eu vamos em breve discutir esse assunto. É importante compreender que não se pode manter o problema dos palestinos congelado para sempre. O fracasso de todos que não resolveram esse problema durante quase 70anos tem sido o principal argumento dos que recrutam extremistas: “não há justiça. Prometeram criar dois estados. Criaram o estado judeu, mas jamais criaram o estado árabe.” Usado numa rua árabe faminta, esses argumentos soam muito plausíveis. E a rua árabe começou a usar outros métodos para exigir justiça.
Na reunião do Clube Valdai, o presidente russo Vladimir Putin disse que carecemos de uma nova versão de interdependência. É declaração pontual, muito clara.
As grandes potências têm de voltar à mesa de negociações e definir um novo contexto que considere os legítimos interesses das principais partes (não sei que nome deve ter essa reunião, mas tem de ser baseada na Carta da ONU); definir e aceitar algumas restrições autoimpostas para gerenciamento do risco coletivo num sistema de relações internacionais construído sobre valores democráticos.
Nossos parceiros ocidentais promovem respeito à lei, à democracia e à opinião das minorias dentro dos países, mas esquecem tudo isso, completamente, nos assuntos internacionais.
A Rússia é hoje, portanto, país pioneiro na promoção da democracia, da justiça, do estado de direito e do respeito à lei. Uma nova ordem mundial tem necessariamente de ser policêntrica e refletir a diversidade de culturas e civilizações no mundo contemporâneo.
Os senhores conhecem bem o compromisso assumido pela Rússia, de apoiar a indivisibilidade da segurança em assuntos internacionais e de fazer vigente esse princípio, na lei internacional. Sobre isso, não preciso estender-me.
Gostaria de reforçar o ponto, no qual esse Conselho de Política Exterior e Defesa (SVOP) tem insistido, de que a Rússia não conseguirá converter-se em grande potência, bem-sucedida e confiante para o século 21, sem desenvolver as regiões leste. Sergei Karaganov foi dos primeiros a formatar essa ideia, e concordo integralmente. Prioridade absoluta é, também, levar para novo nível as relações entre Rússia e países do Pacífico. A Rússia já trabalhou nessa linha nas reuniões da APEC em Pequim, e no fórum dos países do G20. Continuaremos a trabalhar nessa direção, no novo ambiente criado pela União Econômica Eurasiana (UEE) [orig. Eurasian Economic Union (EAEU)] a partir de 1/1/2015.
Os russos temos sido tratados como ‘subumanos’. Por mais de uma década, a Rússia tem tentado estabelecer parcerias com a OTAN através da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, OTSC [orig. Collective Security Treaty Organization, CSTO]. Esses esforços não se limitavam a cuidar só de pôr OTAN e OTSC “na mesma liga.”
De fato, a OTSC trabalha hoje só para pegar traficantes de drogas e migrantes ilegais na área da fronteira afegã. E a OTAN é a espinha dorsal das forças internacionais de segurança. Dentre outras coisas, a OTAN tem a missão de combater a ameaça terrorista e eliminar seus esquemas financeiros – que também envolvem tráfico de drogas. Tentamos de tudo: pedimos, depois solicitamos formalmente algum contato em tempo real, de modo tal que, tão logo a OTAN detecte uma caravana que transporte drogas e não consiga detê-la, nós sejamos alertados do outro lado da fronteira, e as forças da OTSC possam interceptar a caravana. Simplesmente se recusaram a falar conosco.
Em conversas privadas, nossos respeitosos amigos da OTAN (e digo-o sem ironia, em sentido positivo) nos disseram que a OTAN estava impedida de operar com a OTSC como parceiro em condições de igualdade, por razões ideológicas.
Até recentemente, temos encontrado a mesma atitude de conformismo arrogante nos nossos contatos, também no que tenha a ver com a integração econômica eurasiana. E isso apesar do fato de que países que têm planos para integrar-se à União Econômica Eurasiana (UEE) têm muito mais em comum, em termos das respectivas economias, história e culturas, que muitos dos membros da União Europeia. Essa união não visa a erguer barreiras contra seja quem for. Sempre repetimos e repetimos que essa união está sendo construída para ser completamente aberta. Acredito firmemente que estamos construindo uma ponte significativa entre Europa e Pacífico Asiático.
Não posso deixar de me referir à ampla parceria que a Rússia já mantém com a China. Importantes decisões bilaterais já foram tomadas, pavimentando a via para uma aliança no campo da energia, entre Rússia e China. Mas há mais que isso.
Agora já se pode até falar sobre a aliança emergente no campo da tecnologia entre os dois países. Relações harmônicas e produtivas entre Rússia e Pequim são fator crucial para garantir a estabilidade internacional e, pelo menos, algum equilíbrio nas relações internacionais, bem como para garantir o respeito à ordem legal internacional. Daremos pleno uso às nossas relações com Índia e Vietnã, parceiros estratégicos da Rússia, e também com as nações do sudeste da Ásia reunidos na ASEAN. Também estamos abertos para ampliar nossa cooperação com o Japão, tão logo nossos vizinhos japoneses consigam olhar mais pelos seus próprios interesses nacionais e parem de olhar para trás, na direção das velhas potências tradicionais.
Não há dúvidas de que a União Europeia é nossa maior parceira coletiva. Ninguém aqui tem planos de dar ‘tiro no próprio pé’, renunciando à cooperação com a Europa – embora já seja hoje bem claro que fazer negócios como sempre fizemos já não é opção possível. Isso é o que nos dizem nossos parceiros europeus, mas nem nós temos qualquer interesse em operar à moda antiga. Eles supunham que a Rússia devesse alguma coisa a eles; nós queremos negócios em pés de igualdade. Por isso, as coisas nunca mais serão como antes. Isso posto, tenho confiança de que conseguiremos superar essa época, há lições a aprender e, disso tudo, emergirão novas bases para nossas relações.
A ideia de criar um único espaço contínuo econômico e humanitário, de Lisboa a Vladivostok, já começa a ser ouvida aqui e ali e ganha tração. O ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, disse publicamente (embora, de fato, ele já venha dizendo o mesmo há muito tempo) que a UE e a União Econômica Eurasiana (UEE) devem iniciar um diálogo. A proposta que o presidente Vladimir Putin expôs em Bruxelas em janeiro de 2014, quando propôs o primeiro passo e lançou negociações para a criação de uma zona de livre comércio entre a UE e a União Aduaneira, já com olhos postos em 2020, já não é tratada como coisa exótica. Todas essas propostas já são itens de discussão diplomática e política real. Embora por hora sejam só itens de discussão, creio firmemente que um dia alcançaremos o que já se chama “A integração das integrações”. Esse é um dos tópicos chaves que queremos promover na OSCE, no Conselho Ministerial em Basel. A Rússia está às vésperas de assumir a presidência dos BRICS e da Organização de Segurança e Cooperação da Europa (OSCE). As duas organizações terão reuniões de cúpula [orig. in UFA (?)]. São organizações muito promissoras, para os novos tempos. Não são blocos (especialmente os BRICS), mas grupos cujos membros partilham os mesmos interesses, representando países de todos os continentes que partilham abordagens comuns sobre o futuro da economia, finanças e políticas globais. *****