O Choro da América

O Choro da América
As árvores são de tanta beleza e suavidade, que nos sentimos no Paraíso terrestre... (Americo Vespucci)

por Edu Montesanti
Fértil e exuberante América Latina, suave brisa matutina, pelo deus mercantilista, desde o Renascimento predestinada a ser subtraída. Em desfavor de teu celeiro, és grande atriz na história dos ganhos do mercado alheio, por choroso e escuso meio. Pátria Grande portentosa, sim, do globo és a paisagista mais maravilhosa: às águas do Amazonas o gemido da corça, ao rico Pau-Brasil uma formosa hortaliça roça. América vaidosa, prodigiosa, há mais de meio milênio nossa riqueza não é mais nossa, desde tuas primeiras lágrimas em 1492: o índio em sua palhoça, à penetração ignominiosa por Hispaniola, teu São Domingos cruelmente violentado. Um pranto, pranto desdenhado. Em teu seio gotas de sangue e tanto!

América mística, distante e misteriosa, através do Behring as portas de um encanto em 15 mil quilômetros de êxtase. América paradisíaca, do Alasca à Terra do Fogo dentre todos a mais extensa, de teus extraordinários índios matemáticos noiva tão pretensa, inspiradora; dos panteístas aborígenes, precursores dos mapas do céu, és alentadora. Ao interior de um Novo Mundo que goza em incontáveis privilégios pela Trindade que tudo fez, transformada em terra de avidez.

Hospitaleira e primorosa natureza, airosa, Ilhas Galápagos, vicejante lar da criação mais preciosa. Pelos ventos que sopram do Atlântico tropical decantando tua ditosa fauna e imarcescível flora, díspar realeza: estendem-se pelos verdejantes Pampas rumo aos pulsantes Andes, conduzindo às moradas do Céu. Lírios, mangues, ervas, outeiros, fronteiras em incessante movimento por teu povo que tudo produz, por teu ouro branco, por teu ouro negro, por teu ouro que reluz, reluz em contraste a 222 milhões de excluídos, 43% de tua inigualável capacidade de trabalho, 100 milhões de famintos em extrema pobreza servindo à estranha destreza, afastados da dignidade pelos que exportam tua riqueza.

Latinos do merengue, da vanera, da cumbia do meneio da morena, do sombreiro, da machadinha, do terere, da imponente asteca Tenochtitlan: se benevolente foi o Altíssimo convosco, o destino é-vos impiedoso. Vida tirada deliberada e massacrantemente, tesouro aviltado, outrora pelas navegantes, religiosas e mercantis missões do Velho Mundo civilizado: em substituição às Índias, a surpresa de doces ameríndias. Certos de receber seus mestres em caravelas e galeões, alçapões: os pais de Tupac Amaru no auge aos 90 milhões, em um século e meio à redução de três milhões e meio foram efetuados. Por habitar o solo mais rico, a sentença de seus pecados.

América Latina do xote, do caporal, da polka, da tão dançante cachaca!! Do Mar das Antilhas e seus corais, água clara e calma, até o altivo Aconcágua rica América, latina de alma, a metalurgia do maia, lugar onde tudo é possível! Desde o maia e a criação dos calendários até Machu Picchu, o inca e grandes palácios. Do gaúcho trovador é inevitável o furor se acende a chama em seu interior, se chama o berro do gado ao pendor de lutar contra o torpor por seu ingente pundonor, o Prata e o Rio Grande abençoados pelo Criador, que vos salve! Resplendor de San Martín e de Bento Gonçalves!

América Latina dos sonhos de Evita, a Cinderela dos Pampas e suas fervorosas multidões, de Pancho Villa, a igualdade e a fraternidade ainda soturnas ilusões. O bandoneón a ecoar do orgulhoso Teatro Colón, colorida noite portenha em ritmo de tango, ondas quentes do mar piscoso de Cancún ao som do mambo, hoje sob insidioso disfarce de banco faz-se teu escarlate e brioso como nenhum outro sangue derramar na mesma proporção ao solo tão formoso! Suseranos da modernidade, bárbaros motorizados e seus jatos, a vaidade: trazem a extremação da degradação, latente opressão tão sutil quanto a falaz integração, o abismo de tuas fronteiras em expansão. De teus meios a diminuição, das necessidades, multiplicação. Pseudo-liberdade, orgíaca dominação, amontoação de capital que à pobreza de ti cresce inversamente proporcional. Gastas anualmente a imensidade de uma Cotopaxí, 500 milhões de dólares para comprar no estrangeiro o que, facilmente, produzirias aqui. Uma vez, estupenda Potosí, o som do tamborim nenhures combina tanto como em ti. O caboclo, a flauta, o gaúcho, a gaita, harmonizam-se com o Titicaca; o Paraíso de Angel e suas cataratas; a Quebrada de Humahuaca, onde a América fala com o céu. Latinos, sois o sustentáculo do excesso e do opóbrio, servidor do manjar e da quirela - vós ficais com a miséria, em seu estágio mais avançado. O forasteiro fiteiro, disfarçado, desde tempo ganancioso de El Dorado, tudo silencioso.

Plangente pele-vermelha reduzida à nada, substituída como objeto com a batea, da extração do ouro já não é mais serviçal; pele-negra caçada, fustigada, à Revolução Industrial foi vital. Ambos confrangidos, impulsores do capitalismo, convertidos em mero valor de troca. América Latina, até quando a delonga de uma nova aurora?

A candura de Bolívar, as paixões de Che Guevara, doçura e demasiada bravura, tão valente! A primaveril Patagônia tão pura, o suspiro viril de Salvador Allende, terra de desperdício cuja metade cultivável pertence a 15%, tal atraso é um vício. Teu verde amazônico presta-se, atônito, ao poder atômico do Norte que norteia tua morte. Ditaduras, o fraco frente ao forte, conflitos mais sangrentos, imerecida sorte. O Gran Chaco, as Malvinas, a convivência das contradições, o cavaleiro Sepe Tiaraju e seus Sete Povos das Missões. Anita e Giuseppe Garibaldi pela liberdade, igualdade, humanidade, tudo tão romântico! Marés do Canal da Mancha ao Atlântico trouxeram, em castelos de proa e popa, um Império, já eclipsado, pelo qual foste levada à vergonhosa e genocida Tríplice Aliança. A Guerra do Pacífico, outrossim, nau egocêntrica, tua força contra ti mesma, poltrão desconcerto em teu sarau, criminosa sojeição forjada pelo maioral. Do Golfo Mexicano em sua porção setentrional, protecionistas por excelência asfixiam-te com o princípio paradoxal: às classes polarização e seu lavradaz encanto - dos mais humildes, a condenação. Assaz incoerência, há suspeição contra tua paz? Indisfarçável evidência: desde 1955 tua renda é uma estagnação - e a individual só baixa. Simples conseqüência, silêncio sobremodo voraz, pusilânime indolência.

Mãe, onde está teu bramido? Teu chamamento quer ser ouvido! Sem fazer ruído, dentre os restos das três bombas de Hiroshima que todo ano caem sobre ti, morre uma criança faminta ou enferma a cada minuto. Esta não pode ser tua realidade, isto não pode ser teu tudo! Quando souberes a força que tens, livrar-te-ás deste coercitivo manto. Mas quando será este quando?

Contudo, em meio aos 100 milhões de analfabetos, impostos e felicitados pelos furtivos tecnocratas de fora, governos títeres, insípidos de dentro, existe em ti força e vigor, ainda que rodeada de algozes, para te alentares em altíssono de 510 milhões de vozes, ó latina América da Primavera dos Povos, da Pátria dos Seis Continentes, do Sol de Maio que raia sobre horizontes, minas e fontes exclusivas no Universo! Has de ascender teu mais belo verão, findando definitivamente o crepúsculo macabro de tua pilhagem, sina procelosa, inaceitável prostração, e preludiar a força de tua coragem, o direito inalienável à autonomia, à liberdade, à vida mais exitosa! Latinos, vereis forte e erguida, como efetivamente foi formada, vossa América Latina, extraordinariamente amada!

Foto : https://pt.wikipedia.org/wiki/Choro_(fisiologia)#/media/Ficheiro:From_left,_Sarah_Stover,_the_widow_of_U.S._Air_Force_Capt._Christopher_Stover,_an_HH-60G_Pave_Hawk_helicopter_pilot_assigned_to_the_56th_Rescue_Squadron,_pays_tribute_to_her_husband_during_a_memorial_service_140117-F-XB934-225.jpg


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Pravda.Ru Jornal