Trump mete medo às elites do poder favorecidas pela unidade de opinião:
São mais as vozes que as nozes! O discurso de Trump abriu-nos uma panorâmica a preto e branco! Assistimos ao irromper de uma era histórica da privatização e emocionalização da política e ao bulevardismo do poder mediático.
Por : António Justo
O que está em jogo?
Trump manifestou-se contra as elites que vivem encostadas ao Estado, quer iniciar o proteccionismo económico e assim opor-se principalmente à concorrência chinesa, não pretende a guerra fria com a Rússia, quer responsabilizar mais os membros da Nato, quer destruir as bases do "Estado Islâmico „na Síria e no Iraque, põe em questão a causa das alterações climáticas, é contra a imigração ilegal, considera o islão como "potencial de risco" querendo proibir a imigração de muçulmanos, é também contra o aborto e contra o casamento homossexual que hoje são legais nos EUA.
De momento encontram-se dois poderes em luta na opinião pública: a dos que defendem os interesses do estabelecimento político e a dos que alegam a defesa do povo mais precário ou em derrocada: num extremo os que vivem melhor da ideologia e no outro os que vivem pior do trabalho.
Contra uma cultura da abertura que favorece as culturas fechadas
Os EUA são de todos: de republicanos e de democratas; a Europa é de todos: de conservadores e de progressistas, de religiosos e ateus; neste contexto é óbvia a moderação e o equilíbrio e o reconhecimento da intercultura provocada pela imigração que vai mudando o rosto americano.
O trunfo Trump assusta principalmente as elites que vivem em torno do poder estabelecido habituado à unidade de opinião pública de timbre vermelho e numa política do continue-se assim! Uma grande parte da população na América e na Europa não têm nada a perder, pelo que, qualquer experimentação no palco da política não a levará a pior.
Os apoiantes de Trump, tal como parte do povo europeu, contesta a prática política de uma cultura aberta desenfreada que tem beneficiado a afirmação das culturas fechadas (privilegiando mesmo a formação de guetos com mais força de organização e afirmação do que o povo precário nativo) e consequentemente o ressurgir do proteccionismo e do nacionalismo. A Europa tem fomentado a abertura da própria cultura e a formação de guetos cerrados no seu meio: uma contradição!
Esta onda irrita de sobremaneira uma certa elite do poder europeu que tinha apostado na desestabilização económica da classe média e da própria cultura em favor da globalização e do rejuvenescimento social através da imigração e da afirmação do islão, mais adequado à execução da sua ideologia e interesses.
Compromisso: Primeiro América e os americanos
O aparecimento súbito de um homem representante de valores machistas a dizer "Primeiro América e os americanos" desperta esperanças naquela parte da população que se sente há muito como alma penada da nação e como tal a sapata de um regime político que a leva a julgar-se estrangeira no próprio país. Segundo a revista Forbes nos últimos quarenta anos os salários dos gestores cresceu mil por cento e o dos trabalhadores onze por cento.
A vitalidade das nações pode medir-se pelo crescimento sustentável do seu pib (produto interno bruto). O crescimento do pib previsto para este ano nos USA é de 1,5% e na China é de 6,6 %. Isto mete medo a Trum que quer manter de maneira sustentável a economia norte-americana à frente do mundo sem pensar que os outros países também trabalham no seu sentido. Em 2016 o pib americano foi de 17,9 biliões de dólares e o pib da China foi de 10,9 biliões.
Nesta perspectiva a América não é Europa e a Nato também não; esta mensagem de Trump, aliada à intenção de proteccionismo económico, mete medo a uma UE habituada a viver encostada aos EUA e que se abriu tanto em nome do capitalismo e do socialismo liberal que se encontra mergulhada em problemas sem fim.
O proteccionismo da economia nacional e a introdução de direitos comerciais aduaneiros significaria o fim da globalização e prejudicaria sobretudo nações exportadoras como a Alemanha que são beneficiadas pela globalização.
Trump quer poupar na Nato para investir nas infraestruturas
Trump quer restringir a política externa e o planeamento militar e para isso reduzir os lugares de inserção e operações militares. Os EUA gastam com a defesa 600 mil milhões de dólares por ano (tanto como a China, a Rússia, o Reino Unido e a França juntos) e têm um exército com 1,5 milhões de empregados. A tesoura entre ricos e pobres é maior que noutros países industriais. O topo da população americana (0,1%) ganha em média seis milhões de euros por ano, enquanto 90% da população ganha em média apenas 33.000 dólares por ano. A expectativa de vida dos norte-americanos desceu há dois anos de 78,9 anos para 78,8. Vinte e nove milhões de norte-americanos não têm seguro de saúde; as infraestruturas do estado, estradas e electricidade, são piores que as europeias.
Enquanto os gastos com a Nato em 2016 corresponeram a 3,61% do pib dos EUA, na Alemanha corresponderam a 1,19%, na França a 1,78% e no Reino Unido a 2,21%. O objectivo da NATO combinado em 2002 para os seus membros tinha sido 2%.
Só a aragem de Trump talvez obrigue a Europa a unir-se e a estender a mão à Rússia, seu natural e vocacionado vizinho, se não quiser perder-se em gastos imensos de armamento.
Uma elite do poder renitente
O medo do terror dependurado no pescoço americano (desde11.11.2001) legitima o governo a tornar-se mais autoritário. Na Turquia que, se encontra perto e dentro da Europa, o fascismo e a ditadura afirmam-se sem manifestações públicas nem medidas da EU que considerem isso perigoso embora 60% dos turcos na Alemanha apoiem Erdogan.
O poder estabelecido treme já só em ouvir o soar da trompeta de Trump. Há muito a perder de um lado e talvez algo a ganhar do outro. Em democracia os interesses revezam-se no poder e, como a sociedade está dividida, reveza-se também na dor. Muitos cidadãos não se se dão bem com a bipolaridade da realidade colocando a verdade num só polo esquecendo que partido é parte e, como tal, representa apenas uma parte da verdade e dos interesses populacionais.
Independentemente dos Erros de Trump, é triste o facto de uma Europa com uma consciência política semelhante à das elites do partido democrático americano não se aproveitar da lição da eleição de Trump para se virar para o povo e analisar o que realmente faz de mal.
Do nosso lado temos a soberana dívida, o Brexit que questiona a EU e a que se soma uma taxa de desmprego nos paíse europeus horrenda de desemprego (de 23,1% a 7,6%: média europeia 9,8%), um capitalismo feroz que tomou conta da política e a crise dos refugiados.
Uma Europa aberta mas de patriotismo envergonhado e pródiga em relação ao esbanjamento de interesses económicos arma-se em tribunal da sociedade americana dividida que agora vê ganhar a parte instável em Trump. Em vez de análise da situação ouve-se por todo o lado uma indignação arrogante de uma opinião pública massificada que se arroga o direito do monopólio da interpretação, como se em democracia só tivesse uma facção razão e a verdade fosse determinada pelo barulho da rua ou dos Média. Trump não gosta dos jornalistas e os jornalistas não gostam dele. O poeta e dramaturgo Bertold Brecht (1898-1956) alertava para a cegueira do quotidiano e da opinião pública publicada dizendo: "Não aceitem o habitual como coisa natural, pois em tempos de confusao organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural. Nada deve parecer impossível de mudar".
Talvez o exagero de Trump ajude a Europa a mais realismo e, com o tempo, a menos ideologia política de modo a poder voltar à Europa a política económica social de mercado e o respeito pelos interesses da sua população desprotegida ou mantida à mão da esmola do Estado. Esta, estruturalmente desdignificada e desonrada, cada vez se sente mais como peso morto num Estado sem sol para ela e que lhe não oferece perspectivas.
Islão como factor de risco
A eleição de Trump alerta também para o facto do preço da abertura da Europa ter sido proveitoso para as elites que participam do poder e prejudicial para a camada social desprotegida, com mais concorrência e mais negação da própria cultura em favor da árabe: esta dá-nos petróleo e imigrantes em troca da expansão da sua religião. Trump tocou também este ponto sensível ao considerar o islão como "potencial de risco" sem diferenciar entre islão como ordem social e muitos muçulmanos que a nível individual distinguem entre poder religioso e poder secular.
Temos uma classe política europeia cúmplice, crítica em relação ao cristianismo, fraudulenta no que toca ao futuro da juventude e implementadora do islão por razões económicas e estratégicas. Enigmático na política da EU, que se preocupa tanto com a defesa dos valores ocidentais permanece o facto de nunca um governo ocidental ter defendido os perseguidos cristãos nos países islâmicos e por outro lado os políticos virem para a praça pública dizer que o islão pertence à nação e que o sistema dos países islâmicos e o terrorismo islâmico não têm nada a ver com o islão. Em vez de se procurarem medidas para resolver os problemas de maneira equilibrada e bilateral, assiste-se também aqui a uma política semelhante à seguida nas dívidas soberanas que apenas se juntam e aumentam à custa da insegurança das gerações futuras. Nos USA há 5 milhões de muçulmanos, na Alemanha vivem 4,02 milhões.
Na hora dos malcomportados
Trump, tal como Costa em Portugal, conseguiu assumir ao governo embora o partido adversário tenha reunido mais votos (Clinton 61 milhões e Trump 60).
Nestas eleições reúnem-se os malcomportados: Trump que não respeita a classe dominante nem as minorias; Obama que vai contra a tradição fazendo um discurso de despedida contra o da tomada de posse de Trump e dirigido ao eleitorado dos democratas; na rua, vencidos revoltam-se contra vencedores como se não tivesse havido eleições; tudo isto parece dar vida à democracia que não quer ver todos os cidadãos reunidos debaixo das suas saias: ela vive da disputa de valores e interesses. Trump poder-se-ia vingar em parte do "estabelecimento político" que, há cinco anos, através de Obama, o humilhou publicamente. Tal atitude prejudicaria o restabelecimento da unidade nacional. Naturalmente Trump não governa sozinho; ele tem a seu lado instituições democráticas que o não deixam isolar-se.
Penso que o que está aqui em jogo é a volta dos nacionalismos e correspondentes proteccionismos dado também a política europeia das portas abertas ter falhado e ser um perigo para um continente dividido que não tem os mesmos pressupostos históricos nem a independência política que podem ter os EUA. Penso que a situação da esquerda e da direita é tão novelada em torno de um polo e do outro que, de momento, domina demasiadamente o medo e um espírito político carnavalesco.
Trump quer governar o mundo como se este pudesse ser governado tal como se gere uma empresa; neste sentido parece equacionar o mundo em termos de cálculo de custo e de utilidade (lucro). Por outro lado personaliza e privatiza a política conotando-a mais de povo. A um extremo seguido até agora segue-se talvez um outro, num movimento pendular de épocas, ideologias e tempos.
No reino das projecções e das sombras
A indignação exagerada ou uma fixação na crítica contra Trump ou contra outra personalidade pode ser indício de caracter fraco e correr o perigo de procurar e combater inconscientemente fora de si os defeitos que traz dentro de si e consequentemente vê-os (projecta-os) como sombras em Trump ou em alguém que odeia. Muitas das pessoas que odeiam deixam-se reduzir a meras portadoras de sombras. Exigem que os outros sejam exemplos de luz, portadores da luz que corresponde à sombra que não reconhecem em si mesmos. A América sempre serviu de espaço da sombra para a esquerda europeia e para os nacionalistas.
Este é um conceito de C.G. Jung que tudo o que não aceitamos (vícios) em nós, o oprimimos e banimos para as sombras que são o nosso inconsciente. Então inquieta-nos o que não queremos admitir em nós para o combatermos nos outros. Quando nos irritamos muito com algum defeito nos outros isso é um sinal de que esse defeito é algo que faz parte da nossa sombra invisível (combatemos fora os próprios defeitos oprimidos!).
No sentido do pensar positivo americano
Uma vantagem da América e da Rússia sobre a Europa na qualidade de povo e nação vem do facto de darem importância à religião cristã como factor de substrato nacional e de identificação. Trump é um aviso à esquerda materialista dominante na sociedade para que se torne mais humilde e não tão determinante e poder-se-ia tornar também num apelo aos americanos de cima para que se comportem de modo responsável para com os de baixo.
Concedamos-lhe 100 dias para governar e então saberemos mais! De resto, até agora, pelo que pude observar, Trump tem a vantagem de ser um homem igual a si mesmo! Quanto ao resto, os factos o dirão.
© António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=4059
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