Os EUA estão trabalhando contra o desenvolvimento independente dos países latino-americanos; mais uma vez, usando seu poder militar e influência.
Por mais de três séculos, os EUA viram a América Latina como "quintal" deles, uma esfera de influência na qual as decisões do hegemon não eram questionadas. A história do hemisfério ocidental, falando em termos amplos, reflete essa realidade, com os EUA sempre influenciando ativamente, dominando e, por vários meios e modos, controlando o desenvolvimento político e econômico de muitos dos países da América do Sul e Central, além do Caribe.
9/9/2015, Eric Draitser,* Information Clearing House
Anos recentes, porém, têm sido testemunhas de crescente independência e firmeza de decisões de várias nações da região, atitudes que muito devem à atuação do falecido presidente Hugo Chávez da Venezuela. De fato, com a Venezuela como caso exemplar, e Chávez como iniciador do processo de integração regional e promoção da segurança coletiva, a América Latina foi-se tornando cada vez mais independente de seu imperial vizinho do norte.
E é precisamente essa independência política, econômica e cultural que os EUA já começaram a atacar, do modo mais forte que o Império tem para seu uso: militarmente. Servindo-se de pretextos que vão da "Guerra às Drogas" até a assistência humanitária e a "Guerra ao Terror", os EUA buscam reimplantar seu tacão militar na região, para assim preservar e ampliar sua influência hegemonista.
Invasão silenciosa
A distribuição de forças militares dos EUA em toda a América do Sul e Central faz lembrar os dias mais terríveis do imperialismo norte-americano na região, quando Washington instalara regimes-clientes e ditaduras fascistas, para assim controlarem o desenvolvimento político e econômico de nações que, sem controle violento, teriam abraçado a via da independência e do socialismo. E é a lembrança daqueles dias que nos vem imediatamente, se se examina com olhos críticos o que os EUA estão fazendo hoje, no campo militar-militarista.
Na América Central, forças militares norte-americanas penetraram já países chaves, sob o pretexto de operações contra traficantes de drogas ilícitas. Em Honduras, por exemplo, os EUA desempenharam papel chave no apoio, assessoramento e coordenação militar do governo de direita que assumiu o controle do país em 2009, por golpe entusiasticamente apoiado pela então secretária de Estado Hillary Clinton e todo o governo Obama. Como o Congresso Norte-americano para a América Latina [ing. North American Congress on Latin America (NACLA) relatou:
"O crescimento ininterrupto da assistência que os EUA dão às forças armadas [de Honduras] é indicador tácito do apoio dos EUA. Mas o papel dos EUA na militarização das forças nacionais de polícia também tem sido ininterrupto e direto (...) A Equipe de Apoio e Aconselhamento Internacional [orig. Foreign-deployed Advisory Support Team (FAST) Agência de Combate às Drogas Ilegais (DEA) dos EUA (...) está firmemente instalada em Honduras, para dar treinamento às unidades locais de polícias de combate ao tráfico de drogas ilegais, e ajuda a planejar e a executar operações de guerra às drogas (...) Essas operações sempre foram praticamente idênticas a missões militares (...) Segundo o New York Times, cinco "comandos em tudo semelhantes a forças guerrilheiras" de agentes da FAST-DEA norte-americana estão implantados na América Central, para treinar e apoiar unidades locais de políticas antinarcóticos (...).
Em julho de 2013, o governo de Honduras criou uma nova unidade policial "de elite" chamada Troop and Special Security Group, TIGRES. Essa unidade – que para muitos grupos de defesa de direitos humanos é unidade claramente militar – está alocada nos mesmos quarteis e recebe o mesmo treinamento em táticas militares de combate que unidades de forças especiais dos EUA e da Colômbia."
A criação e o treinamento desse tipo de combinação de polícias que são simultaneamente militares, paramilitares e policiais superarmadas são claro sinal da estratégia dos EUA para remilitarizar toda a região. Em vez de proceder como antes a aberta e declarada ocupação militar, a "contribuição" de Washington para a ação de governos locais aparece sob a forma de "assistência" e "ajuda" a favor da crescente militarização. É exatamente o que se vê também comprovado por recente anúncio de um contingente de Marines norte-americanos desembarcado em Honduras, ostensivamente para prestar socorro humanitário durante a estação de furacões.
Esses deslocamentos de unidades militares são perfeitamente coerentes com iniciativas recentes, pelos EUA, para penetrar militarmente nesses países, usando pequenos contingentes de soldados e de militares das Forças Especiais. Em 2013, noticiou-se que na Colômbia o ex-comandante do Comando das Operações Especiais dos EUA William McRaven, "queria para si a autoridade para deslocar equipes [das Forças do Comando de Operações Especiais] para países, sem ter de consultar nem os embaixadores dos EUA nem, sequer, o Comando do Sul, o US-SOUTHCOM (...). O comando de McRaven tentou operar sem qualquer acordo com a Colômbia, para montar ali um centro de coordenação de operações especiais regionais sem consultar o SOUTHCOM ou a embaixada". De fato, sob o comando de McRaven os deslocamentos de soldados das Forças Especiais saltaram para mais de 65 mil, muitos dos quais para toda a América Latina.
Há muito tempo a Colômbia é peça central da estratégia militar dos EUA. O programa regional dos EUA mais conhecido talvez seja o "Plano Colômbia", lançado pelo governo Clinton e expandido no governo de George W. Bush. Como a revista Foreign Affairs documentou em 2002, "O governo Clinton mudou a ênfase, de um amplo programa de combate a drogas ilegais (...) para uma completa política focada em prover assistência militar e helicópteros."
Não há dúvidas de que o Plano Colômbia sempre teve a ver com militarização e proteção a interesses econômicos dos EUA. De fato, se se somam as contribuições militares, policiais e para as políticas econômicas, dos EUA para a Colômbia, no período 2010-2015, os EUA deram quase US$3 bilhões à Colômbia sob a forma de 'ajuda' para fazer a chamada "Guerra às Drogas".
No governo Obama, os militares dos EUA expandiram os programas dos governos Clinton/Bush, especialmente com a Mérida Initiative (lançada em 2008 por Bush) e a Central American Regional Security Initiative (CARSI) criada por Obama em 2011. Segundo o Instituto Igarapé, só as iniciativas CARSI e Mérida receberam mais de US$2.5 bilhões (2008-2013). É segredo que todos conhecem que o financiamento massivo foi canalizado, primeiramente, para programas militares e paramilitares. Embora os EUA propagandeiem esses programas como histórias de sucesso, a expansão deles coincidiu com crescente militarização em todos os países aos quais esses programas norte-americanos distribuíram fundos.
Em El Salvador, o governo Funes consolidou o controle militar sobre as atividades de polícia, no interesse dos 'sócios' norte-americanos. Essas mudanças aconteceram simultaneamente com a implementação da iniciativa CARSI, e devem ser vistas como mais um ramo da militarização dos/pelos EUA. Na Guatemala, o governo de Otto Pérez Molina, ex-líder militar com currículo de atrocidades e genocídio, deu prosseguimento à militarização do país.
Honduras também foi convertida em primeiro 'entreposto' militar dos EUA na América Central. A coordenadora da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) e do Partido da Refundação (LIBRE) Lucy Pagoada explicou em entrevista de 2015, que "[Honduras] está convertida numa grande base militar treinada e paga pelos EUA. Eles até já têm forças da Escola das Américas instalada lá. (...) Desde o golpe [em 2009], tem havido altos níveis de violência e tortura."
Claro que esses exemplos apenas arranham a superfície do envolvimento militar dos EUA. Além da longa parceria com a Colômbia, os militares dos EUA estão agora ainda mais entrincheirados no país, depois que estabeleceram uma cooperação OTAN-Colômbia. Naturalmente, esses anúncios foram recebidos com consternação por líderes independentes como Daniel Ortega da Nicarágua que descreveu o acordo OTAN-Colômbia como "um punhal nas costas do povo da América Latina."
A Agenda dos EUA
Em resumo, a militarização dos EUA na América Latina é tentativa para desafiar, no campo militar, o crescimento da cooperação regional e da independência no continente. O desenvolvimento da Aliança Bolivariana das Américas, ALBA, de Unasur, de PetroCaribe e de outras instituições multilaterais não controladas pelos EUA alarmou muitos em Washington, que vem seu antigo "quintal" escapar de seu jugo. E assim os EUA passaram a tentar bloquear esse desenvolvimento usando força militar.
O componente regional também é crítico para a agenda norte-americana de militarização. Washington quer bloquear qualquer integração mais avançada, controlando também a crescente influência da China e outros atores não ocidentais, que estão penetrando na região mediante investimentos. Essencialmente, os EUA estão fazendo nas Américas o que estão fazendo também na África, Oriente Médio e regiões do Pacífico Asiático: usar a força militar para impedir qualquer desenvolvimento independente.
Talvez seja parte inevitável do imperialismo. Talvez seja indicação de que a influência do Império já começa a evanescer e de que o Império tenta desesperadamente recapturar as esferas de influência que já perdeu. Pode-se interpretar de diferentes modos os seus motivos, mas é inegável que os EUA estão com certeza consolidando seu poderio militar na América Latina. Se esse movimento garantirá que o Império reimponha o controle, ou se se confirmará como tentativa gorada, que não restabelecerá a velha hegemonia, só o tempo dirá. *****