SÃO PAULO - O tratamento arbitrário que a Secretaria de Portos (SEP) dispensou à Prefeitura de Santos na questão dos terminais de grãos na Ponta da Praia é o melhor exemplo de que a centralização em Brasília do poder de decisão sobre os complexos portuários nacionais constitui uma medida equivocada que terá de ser revista o quanto antes. Criada no bojo da nova Lei dos Portos (nº 12.815/13), a centralização nasceu da necessidade de o governo federal manter a SEP e as companhias docas como moeda de troca no jogo político-partidário, com a indicação de pessoas nem sempre com experiência na área portuária, mas bem situadas com os donos do poder.
Milton Lourenço (*)
Para justificar a decisão de manter os terminais de grãos nas proximidades de áreas residenciais e contrariar o que recomendava o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) do Porto de Santos, de 2006, no sentido de transferir essas unidades para a área continental do município (pouco habitada), a SEP alega que a Ponta da Praia conta com um terminal com vigência de arrendamento até 2025 e outro até 2017, que acaba de ter seu contrato prorrogado. Argumenta ainda que há outra área que depende de liberação pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que, aliás, analisa a matéria há mais de um ano.
Para a SEP, alterar esse quadro iria acarretar problemas no escoamento de grãos pelo Porto de Santos, hoje responsável pela exportação de 14,5 milhões de toneladas por ano, o que equivale a 18% do total exportado. Mas isso é apenas meia-verdade porque o procedimento demonstra que não há parte do governo federal planejamento a longo prazo. E que as decisões são tomadas à medida que as demandas se tornam insuportáveis, como no caso do agendamento obrigatório dos caminhões à época da safra de 2014, depois do caos verificado em 2013.
É claro que o governo promete reforçar a vigilância e obrigar as concessionárias a cumprir as exigências ambientais para mitigar os impactos da movimentação de grãos, mas nem o mais ingênuo dos munícipes acredita que essa promessa será cumprida. Mesmo porque até hoje essa vigilância nunca existiu, como bem sabem os moradores.
A falta de visão fica clara também com a ausência de planos mais concretos para a construção de terminais em águas profundas (off shore), de até 20 mil TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés), além do projeto Santosvlakte, da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Coodesp), inspirado em Maasvlakte, área de expansão do Porto de Roterdã. Isso pode ser atribuído ao esvaziamento dos Conselhos de Autoridade Portuária (CAP), que hoje não passam de órgãos consultivos.
Formado por representantes do poder público municipal, da iniciativa privada e dos trabalhadores portuários, o CAP, com certeza, teria maiores condições de avaliar e traçar planos para criar uma infraestrutura capaz de enfrentar as demandas que virão, sem deixar de levar em consideração as necessidades das populações impactadas por terminais portuários.
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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). E-mail: fiorde@fiorde.com.br. Site:www.fiorde.com.br.