O filme da abertura do Festival de Berlim, Ninguém quer a noite, da espanhola Isabel Coixet, no caso de passar no Brasil e para se ver em dia de verão, já que simula a busca do explorador Robert Peary, pela esposa ciumenta Josephine Peary, e isso quer dizer a tela mostrando neve, gelo, frio o tempo todo, correndo o risco o espectador de pegar uma pneumonia.
Pobre da atriz Juliette Binoche, embarcada nessa aventura de seguir as pegadas do esposo ausente e amante de esquimó, e de ter de passar o inverno num posto avançado da rota em direção do Polo Norte. Para quem não sabe, numa época em que ainda não havia as roupas protetoras contra o frio de hoje, Robert Peary botou na cabeça chegar até ao que se supunha ser o centro do Polo Norte. E nessa aventura tinha um concorrente, Frederik Cook.
Ambos passavam meses em cabanas construídas no meio do deserto de gelo e neve, entre esquimós, que atualmente é mais correto se dizer Inuit, ou indígena local, até ambos acreditarem terem atingido seu objetivo. Uma comissão de especialistas teve de decidir e Robert Peary foi considerado o descobridor do centro do Polo Norte, em 1908. Vitória atualmente contestada pelos meios tecnológicos de que dispomos: nem Cook e nem Peary teriam chegado ao local certo.
Uma aventura dessas tinha repercussões na família e Robert Peary era pior marido que marinheiro na Marinha Mercante. Dos trinta anos de casamento com Josephine, mulher apaixonada, só passou com ela cerca de três anos, tempo suficiente para lhe ter feito dois filhos que, evidentemente, não viu nascer.
O filme parte do roteiro do espanhol Miguel Barros, uma imaginária ou mesmo real viagem de Josephine, a senhora de origem inglesa e alemã mas novaiorquina, em busca do marido aventureiro, obcecado em desbravar o deserto gelado do Ártico. Juliette Binoche leu o roteiro, que na verdade é de um homem e nunca se sabe se homem entende o ciúme ou paixão de uma mulher, e achou bacana, pois contava uma aventura masculina vivida por duas mulheres, uma americana e uma esquimó, num filme dirigido também por outra mulher, uma espanhola.
Assim escrito, parece ter sido um êxito a confluência dessas três mulheres. Cinema são imagens na tela, mas muitas vezes os críticos deixam-se levar pela retórica do realizador numa entrevista coletiva, como presenciei, no ano passado, com Praia do Futuro. Desta vez, com Ninguém quer a noite, não se pode falar em retórica da catalã Isabel Coixet, que aproveitou da entrevista para se queixar do mau tratamento gastronômico dado à equipe do seu filme, na Norvégia, onde o filme foi rodado. deveria ter ido ao Brasil, se houvesse neve.
E ninguém precisa ficar com pena de Juliette Binoche porque nas cenas de muito frio, ela sentia calor, pois havia um estúdio instalado no meio da neve, em síntese, tudo era cinema. Só que Josephine Peary vestida com seus melhores trajes quentes novaiorquinos da época, no meio da neve, não convence.
E o críticos espectadores diante das quase duas horas de vento e tempestade de neve ficara de gelo, na abertura do Festival de Berlim - nenhuma palma, só vontade de abotoar o casaco e subir o cachecol.