Na primavera italiana do ano 1945, mais precisamente no dia 29 de abril, na praça Loreto, em Milão, terminava o sonho fascista e imperialista do Duce Mussolini, de alguns de seus altos funcionários e de sua amante Claretta Petacci. Depois de abatidos, os corpos dos líderes fascistas foram expostos para o povo e, pouco a pouco, uma multidão foi ali chegando para constatar pessoalmente o fim do chefe dos camisas pretas, aliado de Hitler e derrotado pelos Aliados.
Centenas de metros de películas em 16mm foram ali utilizadas, documentando aquele momento histórico, mas, exceto algumas cenas, ficaram sem montagem, guardadas em arquivos particulares. Dois cineastas italianos Angela
Ricci-Lucchi e Yervant Gianikian italianos, conhecidos pela realização de filmes de recuperação histórica, recuperaram e montaram uma hora de películas e fotos dessa época, num filme produzido pela Televisão Arte,
sob o título Pays Bárbaro, mostrando o colonialismo italiano na África e os métodos fascistas de Mussolini aplicados contra os africanos, considerados praticamente como subhomens e pouco acima dos animais.
"Retornamos a Locarno depois de alguns anos, conta Yervant. Desde 1970, consultamos arquivos diversos e construímos aparelhos para filmar fotogramas em desuso. E assim nas nossas viagens a arquivos encontramos imagens esquecidas, relacionadas com a guerra colonial italiana, apoiada pelo povo italiano, pela Igreja e até pela esquerda". Uma parte dessas imagens, já em fase de deterioração, é usada em negativo.
Citando o escritor italiano Ítalo Calvino, Yervant lembra não terem sido documentados os massacres cometidos pelas tropas italianas na Itália, inclusive com o uso de gás letal aprovado pelo Duce. Mas restaram as imagens da morte de Mussolini e de seus seguidores mais próximos fascistas. Elas documentam o fim do fascismo para alertar contra o risco do ressurgimento do fascismo na Itália e na Europa.
As encontradas cartas de amor de italianas aos seus namorados na guerra colonial evidenciam a situação de pobreza vivida pela população no interior italiano. Muitos viam a guerra colonial como uma chance para sair da miséria, porém um parte dos soldados voltava estropiada e outros morriam.
A guerra colonial utilizada como argumento nacionalista político e econômico, dentro do absurdo sonho do Duce de ter um Império, teve sequência com a Segunda Guerra e terminou, deixando sequelas, com a derrota do Eixo Mussolini-Hitler.
Cenas de religiosos católicos mostram como a Igreja apoiou e participou ativamente do esforço colonial fascista para "levar a civilização aos bígamos e selvagens africanos", quando na verdade era a Itália que se comportava como um país bárbaro, promovendo massacres de populações, utilizando a tortura e o extermínio sistemático.
Rui Martins