Narciso moderno, já não preciso de lagos, vejo o meu rosto espelhado em superfícies polidas.
Clóvis Campêlo
Narciso moderno,
já não preciso de lagos,
vejo o meu rosto espelhado
em superfícies polidas.
Narciso moderno,
já não preciso ser belo,
nem morrer buscando o eterno,
nem deixar sangrar as feridas.
Nasciso moderno,
meus olhos são tubos de imagens
e em minhas veias correm
sangues intoxicados.
Narciso moderno,
já não carrego culpas
embora traga comigo
todos os sete pecados.
Narciso moderno,
sinto-me observado
pelo olhar escandalizado
dos semáforos,
sinal dos tempos de hoje.
Modernas cavalgaduras,
biônicas criaturas,
comigo disputam um espaço,
consomem o mesmo ar,
buscam uma saída.
Narciso moderno,
procuro o simulacro,
do mundo busco um retrato
vazio de emoção.
Narciso moderno,
basta-me um botão apertar
pra ver o mundo brotar
parido pela televisão.
Recife, 1990