O filme brasileiro Boa Sorte, Meu Amor é o primeiro longa-metragem de Daniel Aragão e está estreando no Festival de Locarno, na mostra Cineastas do Presente, dedicada aos realizadores de primeiro e segundo-filmes. Ao tratar da paixão de um homem, Dirceu, por uma mulher, Maria, o filme pode ter pisado na bola e provocar debate e controvérsia, principalmente no Brasil, onde o tema abordo está na atualidade.
Daniel diz priorizar no cinema o desejo e a paixão no seu filme por partede Dirceu é incompleta por não ser totalmente correspondida porMaria. « A paixão está no filme e nos personagens, mas querotambém que ela esteja nos espectadores », acentua Daniel.
Cineastavidrado nos filmes antológicos dos anos 50 e mesmo anteriores einfluenciado pelo cinema novo de Glauber Rocha, Daniel escolheu opreto e branco e o mesmo ritmo e aspereza dos filmes da época.
ChristianaUbach, já participante de telenovela da Glogo, é bela atrizprincipal, cujo sotaque carioca precisou ser adaptado ao recifense,região natal de Daniel, local exclusivo para ele de filmagens desdeseus curta-metragens. Um deles Solidão Pública, esteveaqui em Locarno, competindo na mostra de curtas-metragens.
« O filme trata do passado e do que a gente abandona na vida e esse amor,essa relação não é completa cem por cento por parte da mulher,que precisa abandoná-la de alguma forma e surgem cenas bem fortespara mostrar ter havido uma quebra uma ruptura. Mas a questão étambém sensorial, quando se vai para o terceiro capítulo, o filmese torna surrealista e todas essas imagens podem ser uma provocaçao.Para mim o não precisa ser linear, o mais importante é tratar dassensações do que a narrativa».
«Como o filme é sobre o passado e muito forte e eu queria mostrar minhacidade de maneira mais cinematográgica e ligada à memoria, opteipelo preto-e-branco », explica Daniel sua escolha.
Sobreo aborto, Daniel diz que não precisa ter uma opinião sobre essetema, mas precisa fazer que as pessoas pensem e reflitam. «O elemento provocação é essencial para se fazer um filme, acentua.Para mim o que conta no filme é a maneira como a pessoa abandona umarelação, e o aborto é o máximo do abandono, pois consiste emarrancar uma coisa de dentro de você. A relação que tenho com issoé mais surreal.»
Emtodo caso, o tratamento visual dado ao aborto, seja pelo ginecologista como após a consumação do ato, poderá serassimilado, num momento em que o Brasil discute o aborto, comoenquadrado dentro da campanha dos ativistas anti-aborto. Evidentemente, Buñuel empregava visões cruas nos seus filmes surrealistas, vamos esperar qual será a reação do público em Locarno e das mulheres no Brasil.
Rui Martins