Violência doméstica: mais do que punir é preciso reforçar o apoio às vítimas
É o crime que mais mata em Portugal mas não é com o aumento das penas que se erradica. Foi esta a tónica do debate sobre violência doméstica no Parlamento, onde sobressaiu a falta de investimento público.
Ao todo foram 15 os projectos de lei do PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e PAN sobre os quais se debateu o crime de violência doméstica esta tarde, na Assembleia da República.
A proposta mais polémica pertence ao PSD, que apresenta um projecto de lei de alteração ao Código de Processo Penal, de modo a impedir que a vítima de violência doméstica se recuse a depor e pedindo a suspensão provisória dos processos por crime de violência doméstica.
A medida representa uma violência acrescida e vai contra a Convenção de Istambul, que diz que não pode haver dupla vitimização. Por outro lado, cria uma desigualdade relativamente às vítimas de violência doméstica, uma vez que o Código Penal prevê que, em qualquer crime, a pessoa não é obrigada a prestar declarações quando o arguido é um familiar próximo.
O PSD defende alterações à lei que estabelece o regime jurídico para a prevenção da violência doméstica, protecção e assistência às vítimas e quer ainda que seja assegurada a formação obrigatória dos magistrados, tal como o CDS-PP, que propõe igualmente uma alteração ao Código Penal para que os crimes de ameaça e coacção sejam considerados crime público.
Entre os cinco projectos do PSD está também uma alteração ao Código Penal para criar restrições à suspensão da execução da pena de prisão nos processos por crime de violência doméstica, aumentando a moldura penal.
Na bancada do PS, a deputada Susana Amador reagiu dizendo que se tratava de «derivas populistas». Mas antes, já o deputado do PCP, António Filipe, tinha frisado a discordância com as propostas da direita, sublinhando que a gravidade do crime de violência doméstica «não pode servir para liquidar as bases do direito processual penal», as quais representam «conquistas civilizacionais que custaram a conquistar».
Reforço das penas «não resolve nada»
A deputada do PEV, Heloísa Apolónia, afirmou que o reforço das molduras penais «não resolve nada» e constitui um desvio do que deve ser considerado «fundamental» para acabar com o flagelo, designadamente o reforço de meios para o apoio e protecção das vítimas, salientando o papel da educação para se atingirem resultados a longo prazo.
Neste sentido, a deputada do PCP, Rita Rato, admitiu que «é imperioso» reforçar o investimento público e a contratação de mais meios humanos e técnicos em serviços públicos como o Serviço Nacional de Saúde, Segurança Social, PSP e também nas escolas públicas, dotando-as de psicólogos, sublinhando que «hoje não estão garantidas as condições de investimento público para garantir a aplicação da lei».
O PCP apresentou dois projectos de lei, um deles pelo reforço dos mecanismos legais de protecção das vítimas de violência, o outro implica alterações ao Código de Processo Penal para que seja possível impor condutas ou a proibição de contacto quando há fortes indícios da prática de crime de perseguição, tal como o segundo projecto de lei apresentado pelo BE.
O PS apresentou um único projecto de lei que reformula os crimes de violação, coacção sexual e abuso sexual de pessoa inconsciente ou incapaz no Código Penal, tendo merecido críticas da deputada do BE, Sandra Cunha, que considerou que o abuso sexual de pessoa consciente ou inconsciente é sempre uma violação.
O BE apresentou ainda um projecto que protege as crianças que testemunhem crimes de violência doméstica, defendendo a obrigatoriedade da recolha de declarações para memória futura no decorrer do inquérito. Neste sentido, o PAN apresentou também um projecto de lei por uma maior protecção das crianças enquanto vítimas.
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