Descubro agora, com muito atraso, que a única coisa que poderia dar sentido as nossas vidas seria ter uma religião e acreditar num Deus. Qualquer religião e qualquer Deus. Se nenhuma das suas versões, hoje disponíveis (judaísmo, cristianismo, islamismo, budismo, espiritismo) agradar,sempre é possível criar algo novo.
Quando aquele processo de evolução das espécies chegou a um protótipo que poderia se considerar como um ser humano, começou o nosso drama.
Em vez de continuar fazendo o que todos nossos ancestrais faziam e continuando fazendo hoje os outros animais que interromperam em algum momento seu ciclo evolutivo, ou seja, ver no sexo apenas uma forma de preservação das espécies, o homem descobriu que o sexo poderia ser uma fonte de prazer.
Nesse momento, começou a corrupção da natureza.
Como não podia gozar o sexo o tempo inteiro, mas como não podia também deixar de pensar nisso, o homem tratou de encontrar justificativas para essa compulsão ou maneiras de sublimá-la.
Foi então que o homem criou a filosofia, a política, a democracia, o socialismo, a psicanálise, os direitos humanos, a literatura, o cinema,o facebook e não parou mais por séculos e séculos.
Mesmo tendo diversificado o sexo (a suruba, o troca-troca de casais, posições heterodoxas, o homossexualismo e suas variáveis), o homem não encontrava os parceiros, ou não tinha fôlego para tê-lo o tempo inteiro.
Aí, ele foi inventando coisas para se ocupar, como o condicionador de ar, o avião a jato, o elevador, até chegar ao seu ápice, o celular.
Para não pensar o tempo inteiro no sexo, o homem resolve palavras cruzadas, viaja para Bariloche (onde quase vai morrer de frio), vai ao Natal Luz em Gramado, sonha com um sorvete de chocolate e dulce de leche do Fredo e se diz especialista em vinho malbec argentino.
Suprema ironia: dedica boa parte de sua vida para torcer pelo Internacional, o que talvez seja a coisa que mais se aproxima do prazer que ele busca no sexo, embora tenha tanto num, como no outro caso, frustrações pelas derrotas e pelas "broxadas".
Vamos confessar, que nós socialistas, mais do que repartir de uma maneira mais justa as riquezas do mundo, queremos a universalização do prazer sexual.
Nosso lema deveria ser, em vez de "proletários uni-vos", "ejaculação e orgasmos" para todos.
Na sociedade escravocrata, o sexo era prerrogativa dos senhores; no medievo, só os nobres e padres poderiam desfrutá-lo sem reservas.
O capitalismo prometeu universalizá-lo, mas só faz isso na aparência.
Hoje, uma nutrida conta bancária ou no mínimo, um carro importado, facilitam o acesso do interessado ao prazer sexual.
Os despossuídos só podem lutar, como fizeram os jovens franceses em 68, pelo sexo geral e irrestrito, ou esquecerem isso e se dedicaram ao consolo da religião, que nos promete um retorno à condição de, em algum momento, vivermos como puro espírito, livre das pulsões do sexo.
Aos velhos ateus como eu, alijados das grandes disputas sexuais e sem uma perspectiva religiosa, só resta ir vivendo do jeito que dá o tempo que nos sobra por aqui.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS