Deportação de Imigrantes e Proibição da Entrada de Muçulmanos nos EUA: Racismo em Washington
Edu Montesanti conversa com a renomada jurista norte-americana, doutora Marjorie Cohn, sobre a deportação em massa de imigrantes indocumentados nos Estados Unidos, e a Ordem Executiva do presidente Trump que proíbe a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana no país, além de refugiados de todo o mundo
A Ordem Executiva da administração de Donald Trump, barrada pela Justiça norte-americana que proíbe a entrada de cidadãos islamitas originários de sete países de maioria muçulmana - Iraque, Síria, Irã, Líbia, Somália, Sudão e Iêmen -, que inclui suspensão por 120 dias do ingresso de refugiados de todas as partes do mundo nos Estados Unidos, além da nova onda de deportação em massa de imigrantes indocumentados, tem gerado ressonantes protestos por parte de juristas, jornalistas, ativistas por direitos humanos e cidadãos comuns, dentro e fora do país ao norte do Rio Bravo.
O presidente Trump também promete manter aberta a prisão de Guantánamo, e os métodos de tortura contra suspeitos de terrorismo (arbitrariamente assim acusados segundo os critérios do Poder Executivo, independente do Judiciário).
No primeiro caso, a administração de Trump desconsidera que, segundo pesquisa do FBI, ataques terroristas dentro dos Estados Unidos por parte de islamitas possui incidência muito baixa, atrás de judeus e dos próprios cidadãos norte-americanos, inclusive os inúmeros crimes branco-racistas e religiosos, por parte de cristãos fundamentalistas. Tampouco leva em conta que nos remotos atentatos de 11 de setembro de 2001, segundo a versão oficial (no mínimo, questionável) a maior parte dos sequestradores dos quatro aviões era originários da Arábia Saudita (aliada histórica dos Estados Unidos no Oriente Médio) e do Egito.
No caso dos imigrantes ilegais, especialmente latino-americanos em grande vítimas de pobreza e opressão em seus países de origem outrora invadidos e vítimas de boicotes, de golpes e de governos autoritários apoiados pelos Estados Unidos, a administração de Trump manipula dados, com base no velho discurso patriótico e com forte apelo moralista, que apontam que crimes cometidos por imigrantes em solo norte-americano são muito menores em comparação aos cometidos por cidadãos estadunidenses.
Estudo publicado em 28 de fevereiro no sítio norte-americano de pesquisas Pew Research por Steve Rattner, conselheiro de Barack Obama em 2009 para a Força Tarefa da Indústria Automobilística, revela que "enquanto 25 por cento dos nativos de 16 anos de idade estiveram envolvidos em pelo menos um crime no ano passado, entre os recém-chegados o número esteve em cerca de 16 por cento". E em todas as outras faixas etárias, segundo mostra o gráfico elaborado por Rattner, cidadãos norte-americanos cometem mais crimes que imigrantes.
Tudo isso, além de ambas as medidas aprovadas por Trump logo que assumiu a Presidência, cumprindo promessas de campanha, são questionadas por juristas. A Corte Suprema dos Estados Unidos vetou a Ordem Executiva que proíbe a entrada de muçulmanos oriundos dos sete países mencionados, e de refugiados. Donald Trump, que contestou a decisão da Justiça alegando que ela fere o Poder Executivo e torna a sociedade norte-americana mais vulnerável a ataques terroristas, promete nova proposta a fim de restringir a entrada islamitas em seu país, ao invés de entrar com recurso para reverter a ordem judicial.
A renomada jurista norte-americana Marjorie Cohn analisa nesta entrevista ambas as questões, sendo bastante enfática quando afirma que o Poder Judiciário dos Estados Unidos tem a prerrogativa de vetar qualquer Ordem Executiva que viole a Constituição do País, o que é o caso agora, segundo ela.
Para a doutora Cohn, o que move o presidente Trump é o racismo e no preconceito anti-muçulmano, no afã de "embranquecer" a sociedade norte-americana. "Se o governo dos Estados Unidos realmente quisesse acabar com o terrorismo, atacaria os terroristas brancos de direita dentro dos Estados Unidos e imporia um maior controle sobre quem pode obter armas", afirma a jurista.
Marjorie Cohn, analista política e autora de diversos livros no campo jurídico, é professora emérita na Thomas Jefferson School of Law, onde lecionou por 25 anos. Está constantemente na mídia e ministra palestras em todo o mundo sobre direitos humanos e política externa de seu paí.
Confira a íntegra da entrevista, a seguir.
Edu Montesanti: O Presidente Donald Trump afirma que nenhum Tribunal pode se opor a uma Ordem Executiva (OE). No caso da suspensão da Suprema Corte dos EUA em relação à suspensão da OE que proíbe cidadãos muçulmanos, oriundos de sete países de maioria muçulmana de entrarem nos Estados Unidos, ele diz que a Corte atua contra a segurança nacional. "A ordem de Trump é destinada a proteger a pátria e o povo norte-americano, e o presidente não tem dever e responsabilidade maior do que fazer isso", disse Gillian Christensen, secretária de imprensa do Departamento de Segurança Interna, ao anunciar a suspensão da OE. Sua análise sobre isso, por favor, professora doutora Marjorie Cohn.
Marjorie Cohn: O Presidente tem o dever de proteger a segurança nacional dos Estados Unidos, mas ele não pode tomar ações ilegais. A Constituição dos Estados Unidos tem três ramos do governo: o Executivo (presidente), o Legislativo (Congresso), e o Judiciário (tribunais).
O Poder Judiciário tem o poder de revisar qualquer ação do Presidente para se certificar de que ela não viola a Constituição. Quatro juízes dos Estados Unidos decidiram que há uma boa chance de que, após uma audiência completa tenha lugar, a proibição muçulmana será considerada inconstitucional.
Além do mais, não houve ataques terroristas nos Estados Unidos por pessoas dos sete países listados.
Como a senhora vê a atual onda de deportações de imigrantes indocumentados?
Os imigrantes cometem menos crimes e utilizam-se de menos benefícios sociais que os cidadãos dos Estados Unidos, e eles contribuem muito para a economia do País.
A decisão do governo norte-americano de deportar muito mais imigrantes indocumentados, mesmo que eles não tenham cometido crimes, não se baseia em considerações de segurança nacional. É uma tentativa racista de tornar a América mais branca, e menos diversificada.
Por que o governo dos Estados Unidos deveria legalizar os imigrantes indocumentados, em vez de deportá-los? A administração de Trump diz que está agindo de acordo com a lei.
Todo mundo nos Estados Unidos, exceto os nativos norte-americanos, vieram ao País como um imigrantes. As leis de imigração dos Estados Unidos preveem asilo e legalização.
Trump está ordenando que funcionários deportem mais pessoas, o que dividirá famílias e enviará pessoas que contribuíram para a sociedade norte-americana. Trump não está tentando proteger a América. Ele está tentando tornar a América mais branca.
Retornando á questão dos seguidores do Islã e os Estados Unidos, tem havido importantes considerações de que a histeria do presidente Trump contra os muçulmanos esconde interesses imperialistas no Oriente Médio, usando a velha estratégia da "Guerra Santa" para espalhar bases militares naquela região e obter recursos naturais. A mencionada Ordem Executiva de Trump assinada no final de janeiro coincidiu com a confirmação do republicano Mike Pompeo como chefe da CIA: Pompeo é republicano do Tea Party e favorece a reintegração de "waterboarding" (tortura por afogamento simulado), entre outras técnicas de tortura. Ele vê os muçulmanos como ameaça ao cristianismo e à civilização ocidental. O presidente Trump também é identificado como "radical, extremista cristão" que acredita que a "Guerra Global contra o Terrorismo" constitui uma "Guerra entre o Islã e o Cristianismo". Qual sua opinião sobre isso, professora doutora Marjorie Cohn.
Steve Bannon, que aparentemente é o principal conselheiro de Trump, também tem essa filosofia. Mas o general Mattis, secretário de Defesa de Trump, se opõe à tortura. Resta saber quem Trump irá ouvir.
Como a senhora avalia as intenções do presidente Trump, de usar métodos de tortura tal como "waterboarding" e de manter a prisão de Guantánamo aberta?
"Waterboarding" é tortura, e tortura é ilegal segundo a lei dos Estados Unidos, e de acordo com a lei internacional. A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Convention Against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment), assim como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos proíbe a tortura e os tratamentos cruéis. A partir do momento que os Estados Unidos ratificaram estes dois tratados, eles fazem parte da lei do País sob a Cláusula de Supremacia da Constituição dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos ocupam ilegalmente Guantánamo, dado que os tratados entre os Estados Unidos e Cuba limitaram o uso de Guantánamo a uma estação de carvão ou naval, e não a uma prisão. O governo norte-americano deve fechar a prisão e devolver Guantánamo ao seu legítimo proprietário, que é Cuba.
O Presidente Trump não age dessa maneira, proibindo islamitas de entrar no país e deportando agressivamente muitos trabalhadores dos Estados Unidos, para além do racismo, baseado também em uma mentalidade imperialista e em uma religião fundamentalista?
A proibição muçulmana e o aumento das deportações de imigrantes baseiam-se numa filosofia racista, nativista e anti-muçulmana. Essa política aparentemente vem do estrategista-chefe do presidente Trump, Steve Bannon, que acredita firmemente na supremacia branca.
Se o governo dos Estados Unidos realmente quisesse acabar com o terrorismo, atacaria os terroristas brancos de direita dentro dos Estados Unidos e imporia um maior controle sobre quem pode obter armas.
Em termos sociais, professora Cohn, quais serão as conseqüências para a sociedade norte-americanadessa Ordem Executiva e da deportação de imigrantes ilegais, a médio e longo prazo?
A economia e a sociedade dos Estados Unidos sofrerão se esses imigrantes indocumentados forem deportados, já que eles são uma parte importante da sociedade do País. Eles contribuem para a economia realizando um importante trabalho, e pagando impostos.
Deportá-los enviará um sinal ao mundo de que os Estados Unidos são um país mesquinho, que não valoriza a diversidade.