Stathis Kouvelakis: "Europa declarou guerra à Grécia"
Stathis Kouvelakis, é do Comitê Central do Syriza e professor de Filosofia Política no King's College, Londres. Para ele, a crise grega marca o fim da ilusão de que exista uma Europa democrática. "Não há dúvidas de que convocar o referendum foi ato político de extrema coragem. E coragem política é coisa de que já ninguém sabe o que seja, do modo como a política está desprestigiada em toda a Europa. Decisões políticas importantes são sempre e necessariamente arriscadas".
Por que o primeiro ministro grego A. Tsipras convocou afinal umreferendum?
Mesmo depois de Tsipras ter assinado o mais recente bloco de propostas gregas, as instituições europeias continuaram determinadas a submetê-lo a verdadeiro exercício de humilhação, querendo sempre mais, além do que ele poderia manobrar politicamente: já estava claro que o partido, a maioria parlamentar e porção cada dia maior da sociedade não estavam dispostos a aceitar mais concessões.
Como chegamos a esse ponto, depois de cinco meses de negociações?
Não houve negociações. O termo é inadequado para descrever o que houve. As instituições europeias mantiveram a mesma linha desde o primeiro dia, a saber: impor um plano de arrocho ao novo governo grego, forçá-lo a permanecer num quadro idêntico ao dos antecessores e assim mostrar que nenhuma eleição na Europa terá efeito algum sobre as políticas a serem implementadas, a fortiorimesmo que o partido eleito tenha posição de esquerda radical antiarrocho. O que se está chamando de negociações não passou de uma armadilha mortal - armadilha que se fechou sobre Tsipras. O erro dele foi não ter compreendido isso logo no primeiro momento. O ministro pensou que, se levasse as discussões adiante o mais longe possível, os europeus acabariam por ceder, em vez de correrem o risco de uma ruptura. Mas os europeus não cederam coisa alguma, e Tsipras concedeu muito ao longo desses últimos cinco meses: fez concessões enormes, a opinião pública habituou-se à ideia de algum acordo seria possível. E os cofres públicos estão vazios.
Tsipras não terá errado também ao pensar que poderia obter menos arrocho, ao mesmo tempo em que permanecia na Eurozona?
O meu grupo dentro do Syriza sempre entendeu, desde o primeiro dia, que tentar reconciliar a rejeição ao arrocho que os europeus vinham impor e permanecer no euro é uma contradição. E com o BCE decidindo cortar todas as linhas de financiamento dos bancos gregos em fevereiro, vimos que realmente nunca seria possível. A arma da moeda serviu para pressionar o governo grego, para forçá-lo a renunciar à sua política antiarrocho. O mais recente episódio dessa chantagem foi o Eurogrupo forçar Tsipras a fechar os bancos durante toda a semana, porque se recusaram a prorrogar o atual programa.
O objetivo é claramente político: fazer os gregos reféns dos banqueiros e criar uma situação de pânico, especialmente entre as classes médias e os ricos. Estão tentando forçar o governo a não manter o referendum, ou, não sendo isso possível, querem ditar as condições sob as quais o referendum acontece e ajudar o campo do "Sim". A Europa declarou guerra à Grécia.
A sociedade grega parece muito dividida...
É, as duas tendências agora estão em confronto. O campo do "não" é constituído de toda uma parte da população que já está muito gravemente afetada pelo arrocho, e que percebe nas novas condições que a Troika quer impor uma tentativa para humilhar a Grécia. Mas o campo do "sim", fortalecido pelo medo de os bancos fecharem, também está reunindo forças. Não há dúvidas de que convocar oreferendum foi ato político de extrema coragem. E coragem política é coisa de que já ninguém sabe o que seja, do modo como a política está desprestigiada em toda a Europa. Decisões políticas importantes são sempre e necessariamente arriscadas.
Quais os cenários possíveis depois do referendum?
Uma vitória do "sim" seria grave derrota para Tsipras, e com certeza o forçará a convocar novas eleições. Por outro lado, uma vitória do "não" só reforçará sua determinação na disputa com as instituições europeias, e lhe dará mandato diferente do que recebeu nas eleições gerais de 25 de janeiro. Agora se tratará de romper com as políticas de arrocho, sejam quais forem as consequências - inclusive se isso implicar deixar a Eurozona.
Quando Tsipras anunciou que seria realizado o referendum, foi o primeiro discurso em que a palavra "euro" não apareceu. Não é coisa que aconteça por acaso.
Tudo isso é o atestado de óbito da Europa?
O modo como a crise grega desenrolou-se marca o fim de uma certa ideia, ou, melhor dizendo, de uma certa ilusão de Europa. Todos podem ver o caráter antidemocrático da União Europeia, que só respeita a lei do mais forte e o neoliberalismo do mais forte, e desdenha todo e qualquer tipo de controle democrático. Todos puderam ver que, embora o Syriza só buscasse ruptura parcial, moderada, pragmática, contra as políticas de arrocho, sem desafiar os fundamentos do quadro europeu, mesmo assim o confronto foi ultraviolento. Simplesmente porque esse governo democraticamente eleito não aceitou capitular ante os diktatsneoliberais.
Mesmo que a União Europeia consiga derrotar a resistência grega, em todos os casos, me parece, pagará preço muito pesado pela vitória, nos termos em que terá sido obtida.
A Grécia é só o ponto mais avançado da crise europeia: o projeto da União Europeia tem a cada dia menos apoio na opinião pública do continente. *****
1/7/2015, Entrevista a Sarah Halifa-Legrand, para Le Nouvel Observateur [trad. Verso Books]