O ataque terrorista semana passada contra posto saudita de fronteira na entrada da província iraquiana de Anbar - primeiro ataque que o Estado Islâmico executa contra o reino saudita - pode ter sido a proverbial gota d'água que fez transbordar o copo, forçando Riad a repensar muito profundamente todas as suas estratégias regionais sempre contaminadas pelas rivalidades contra o Irã.
15/1/2015, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
http://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2015/01/15/saudi-reset-with-iran-is-unavoidable/
Teerã realmente conseguiu neutralizar os golpes sauditas na Síria e no Iraque e, no momento, parece estar jogando com as melhores cartas. O último golpe atentado pelos sauditas para ferir a economia iraniana, forçando violenta queda nos preços do petróleo, não apenas não está tendo o resultado desejado, mas também, como o presidente Hassan Rouhani alertou explicitamente ontem, Riad pode já estar atirando contra o próprio pé (assim como os irmãos do Kuwait).
Mas, mesmo com tudo isso, o momento que determinou a mudança do lado dos sauditas foi o ataque do Estado Islâmico contra soldados sauditas (que matou dois guardas de fronteira e o comandante). O fato de que havia três cidadãos sauditas entre os atacantes aliados ao Estado Islâmico deve ter servido como terrível despertar. Na verdade, o revide já começou. Os sauditas esperam erigir uma 'grande muralha' e assim isolar-se completamente, tornando-se à prova de Estado Islâmico, os bárbaros seus vizinhos. Mas a 'grande muralha' não é mais que os sauditas fazendo-se de valentes e poderosíssimos.
A situação de segurança na província Anbar , comandada pelo Estado Islâmico, é gravíssima. A desunião tribal e as limitações das forças iraquianas deram ao Estado Islâmico o controle efetivo, o que implica dizer que lá reina o terror mais alucinado, cujo objetivo é eliminar sistematicamente qualquer resistência. É preciso muito trabalho de campo para criar alguma resistência organizada das tribos contra o Estado Islâmico (na linha do famoso "Despertar" da década passada, nas regiões sunitas controladas pelos EUA). Isso pode explicar em parte a decisão dos sauditas de reabrirem a embaixada em Bagdá, depois de um lapso de um quarto de século.
Mas em última análise, só se se empenharem num esforço conjunto ao lado do Irã os sauditas conseguirão virar a maré da ameaça que o Estado Islâmico já é, hoje, contra a segurança da Casa de Saud. Riad e Teerã estão como desconhecidos que se descobrem em plena noite e põem-se a trocar olhares.
O influente jornal Iran Daily comentou em editorial que as "diferenças Irã-sauditas não são tão substanciais que não possam ser resolvidas". O jornal alertava que o Estado Islâmico "pode gerar ameaça grave ao sistema de governo na Arábia Saudita", porque seus slogans "podem mobilizar a população" a levantar-se contra o regime. O editorial observa também que a cooperação Irã-sauditas "trará segurança e estabilidade a todo o Oriente Médio."
Claro, os termos do engajamento terão de incluir a questão do preço do petróleo. Iran Daily admitia que a decisão saudita de aumentar a produção de cru para fazer cair o preço do petróleo equivale a "usar o petróleo como arma para atacar a concorrência - a saber, o Irã" e que "a ação criou problemas econômicos para Teerã."
Isso posto, o editorial não deixa esquecer que os sauditas, hoje, absolutamente não estão em posição para ditar normas: "Circulam rumores de que a saúde do rei Abdullah piora dia a dia, e há notícias de que já há luta declarada pelo poder entre os príncipes sauditas. Considerar um novo sistema de governo pode ser boa saída para os sauditas."
No cenário que se vai desenvolvendo, já é praticamente inegável que os sauditas estão tendo de reconsiderar suas estratégias regionais.
Em coluna assinada publicada hoje no jornal oficial da Casa de Saud, Asharq Al-Awsat, o príncipe Turki, ex-comandante da inteligência saudita, foi excepcionalmente violento contra o Estado Islâmico, ao ponto de 'rebatizar' o Da'esh como Fahesh (palavra que significa "obsceno") e de comparar o EI aos Kharijites, conhecidos na história dos árabes muçulmanos do século 7º pelo barbarismo.
Esse tipo de condenação pública e violenta de quem até ontem era 'família' só mostra que os sauditas podem estar percebendo que o golpe de jogar a carta sectária contra o Irã na projeção de poder na região foi golpe que já se revelou caro demais e contraproducente, e que veio carregado de consequências negativas contra interesses centrais dos próprios sauditas. A melhor coisa para a Arábia Saudita será permanecer no jogo em curso, reajustando suas políticas em relação ao Irã. O acordo nuclear EUA-Irã só faz dar mais um empurrão a favor do Irã, no equilíbrio regional. ******