PCP realiza audição pública sobre a situação dos bombeiros e da protecção civil
Caros representantes de corporações de Bombeiros
Caros dirigentes associativos
Camaradas e amigos
Todas as palavras já foram ditas mas não são demais.
Neste momento, com aqueles que perderam os seus mais próximos, com aqueles que lutam pela sobrevivência, com quem olha para a sua vida feita em cinzas e a procura reconstruir, partilhamos a dor, a revolta, a angústia. Damos-lhe aquilo que podemos. A nossa solidariedade, o nosso apoio, o nosso respeito.
E aos que continuam ainda no terreno, a garantir que do borralho não nascem de novo labaredas de destruição e morte, aos que se multiplicam a tratar das muitas feridas que ficaram, o nosso mais sentido apreço e reconhecimento, a gratidão de um povo que não pode ser mais profunda.
Quiséramos nós que esta audição, convocada há algumas semanas, não ganhasse a actualidade e a abrangência que a vida lhe deu.
Agradecemos, neste tempo em que as exigências são muitas para todos, o tempo que dispensaram para contribuir para a reflexão e a proposta sobre os Bombeiros, as suas missões, meios e desafios, sobre os aspectos da protecção civil e sobre a defesa da floresta contra incêndios que o PCP, há muito, coerentemente assume.
As primeiras ideias que queremos partilhar convosco são exactamente as condições de trabalho e intervenção dos bombeiros portugueses, a quem tanto devemos.
Os Bombeiros são a mais importante organização de protecção e socorro do país e assumem um papel central no Sistema de Protecção Civil, com os seus 36 000 voluntários, distribuídos pelas 435 Associações Humanitárias que, para além da actividade de protecção e socorro, desenvolvem ainda um conjunto muito diversificado de actividades associativas no campo do desporto, da cultura, do convívio e na prestação de serviços.
A situação, já anteriormente preocupante, como hoje aqui foi expresso, foi agravada com o efeito das medidas acordadas com a Troika, designadamente de aumento do IVA, de aumento do gás, da electricidade e dos combustíveis, de equipamentos, materiais e viaturas, com o agravamento das condições de acesso ao crédito bancário.
A situação criada com o transporte de doentes não urgentes veio agravar o problema.
Os bombeiros trabalham num quadro de ausência de políticas efectivas de prevenção de riscos ao nível dos incêndios, cheias, sismos, riscos urbanos, portuários ou marítimos; de tentativas de governamentalização e controlo, essencialmente através da Autoridade Nacional de Protecção Civil; de subfinanciamento geral; da tentativa de passar responsabilidades para as Autarquias e para os Bombeiros sem transferência dos meios financeiros; de falta de apoio para a melhoria das instalações e reequipamento; de falta de apoio e incentivo ao voluntariado.
Entretanto, o DECIF/2017 (Dispositivo Especial de Combate aos Incêndios Florestais), foi pensado na linha dos anteriores, mantendo-se activo apenas durante três meses, quando deveria estar disponível durante todo o ano, e com a redução dos efectivos que lhe estão associados, tanto mais grave quanto a capacidade operacional dos corpos de bombeiros se ressente das reduções no financiamento governamental.
É necessária outra política relativamente aos Bombeiros, sinal que deveria ser dado, desde logo,
. com o aumento do número dos seus representantes no Conselho Nacional de Bombeiros;
. com a dotação no Orçamento do Estado das verbas adequadas ao sistema de Bombeiros e Protecção Civil e com a revisão da Lei de Financiamento das Associações Humanitárias de Bombeiros e apoiando os Municípios com Bombeiros Sapadores ou Municipais;
. com a criação de uma Lei de Programação de Instalações e Equipamentos;
. com mecanismos mais adequados de contribuições sociais das Associações de Bombeiros enquanto entidades patronais e isentando-as do pagamento e cobrança de IVA.
É ainda necessário, ao nível do apoio social:
. Rever o Estatuto Social do Bombeiro, reforçando o apoio e incentivo ao voluntariado dos Bombeiros.
. Assegurar um verdadeiro serviço de saúde e apoio médico regular e específico.
. Rever as condições mínimas do seguro de acidentes pessoais.
. Reconhecer a actividade de Bombeiro como actividade de risco.
Sobre a situação laboral
. Adoptar um regime jurídico especial, para as relações laborais dos trabalhadores das Associações Humanitárias de Bombeiros.
. Assegurar aos Bombeiros que integram forças especiais todos os seus direitos, incluindo a integração num quadro de pessoal.
. Garantir o direito à aposentação, equiparando às forças de segurança e repondo o benefício em 25% do tempo de serviço.
E ainda,
. A revisão da Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Protecção Civil, onde se consagre um comando próprio.
. A garantia da isenção ou reembolso de todas as taxas rádio eléctricas das telecomunicações.
. O reembolso da totalidade do combustível utilizado nas acções de socorro e o acesso ao gasóleo verde.
. O financiamento pelo Estado do reforço do efectivo permanente dos corpos de bombeiros de Associações Humanitárias.
Entretanto, a actuação dos bombeiros, designadamente nos incêndios florestais depende, para além das capacidades próprias, das condições do terreno, das acessibilidades, do Estado da floresta.
Por estes dias a pergunta anda no ar. Como foi possível? Como se explica que um só incêndio tenha resultado num tal rasto de vítimas e de destruição? Como é que assistimos a este flagelo há décadas, e a última década foi das piores de sempre, com incêndios cada vez maiores, mais devastadores e com mais área ardida?
O diagnóstico está feito. Não nos venham pedir mais comissões, mais estudos. Há páginas e páginas de teorias e de análises. Há resmas e resmas de recomendações e propostas.
O que falta então? Falta enfrentar os constrangimentos que levaram às vulnerabilidades estruturais, no plano do ordenamento, dos serviços, de energia, dos meios, que ficaram brutalmente expostos com os dramáticos acontecimentos dos últimos dias.
Falta assumir com coragem a opção de romper com a política de direita e com os ditames da União Europeia, que estão na origem dessas vulnerabilidades. Mais do que procurar responsáveis, que estão identificados há muito nos sucessivos Governos das últimas décadas, falta enfrentar as promíscuas relações com os interesses económicos que se movimentam nestas áreas, e que comprometem acções e iniciativas.
Falamos de Ordenamento da Floresta e de aposta nas espécies autóctones, da elaboração de mosaicos de floresta corta fogo, mas tal esbarra com os interesses da indústria da madeira e das celuloses que reclamam lucros imediatos, incompatíveis com o lento crescer do sobreiro, do carvalho, do castanheiro, da azinheira ou do teixo.
De repente, o país despertou para a triste realidade da proliferação do eucalipto, em manchas contínuas que só podem revelar incúria e irresponsabilidade, e que a lei da eucaliptização aprovada pelo Governo PSD/CDS, potenciou de forma brutal, e já ouvimos as ameaças do poder económico, que lhe está associado, avisando que poderão não avançar com investimentos, depois de terem abocanhado mais uns largos milhões, entregues aliás pelo próprio Primeiro-Ministro, em cerimónia de pompa e circunstância, no início deste ano.
Fala-se de investimento na Floresta, mas sabemos dos significativos atrasos do PDR 2020, que acumulam com o desvio de 200 milhões de euros que o Governo PSD/CDS fez no PRODER, uma parte dos quais a pretexto da prevenção que ficou por fazer, e que criam dificuldades num tecido de pequenos proprietários.
Discutimos a prevenção dos incêndios, mas andamos há anos a patinar na criação das 500 equipas de sapadores florestais, previstas para 2012, no Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, quando hoje temos menos de 300 equipas. As razões sabemos quais são. Como se aceita submissamente, as imposições da UE quanto aos limites do défice, e da despesa pública, não há meios para criar essas equipas, com os custos a jusante que isso implica.
Debatemos a necessidade de presença permanente na floresta, para assegurar a vigilância, a fiscalização, a actuação em caso de prevaricação, mas onde hoje se vê consenso na crítica à extinção, em 2006, do Corpo de Guardas Florestais, ontem viu-se o manto da indiferença, do silêncio e da rejeição das propostas do PCP para o reactivar. Veja-se a votação em 31 de Janeiro de 2014, em que PS, PSD e CDS chumbaram essa proposta aqui na Assembleia da República. Sabemos bem que isso se insere, como na altura referimos, no brutal ataque que paulatinamente tem sido perpetrado contra as funções sociais do Estado, contra a Administração Pública e os seus trabalhadores, cujas consequências estão agora à vista.
Falamos de abandono do mundo rural, que nos é trazido pelas impressivas estatísticas das aldeias sem gente, sem vida. Mas é preciso situar que na raiz desse abandono está a política de desmantelamento dos serviços públicos, de encerramento de milhares de escolas, de centenas de unidades de saúde, de postos de correio, de linhas de transporte público, o ataque à pequena e média agricultura e pastorícia, bem como a destruição de milhares de postos de trabalho, que liquidaram o sonho de milhares de jovens de permanecerem nas suas terras e aí construírem família.
Acusam pequenos proprietários de terem as terras ao abandono, iludindo que, por via da aplicação da PAC e das opções nacionais de a seguir cegamente, se incentivou os agricultores a deixarem de produzir, se pagou mesmo para não se produzir e agora se continua a atribuir apoios sem essa obrigação e a privilegiar o apoio aos grandes agrários em detrimento da pequena e média agricultura.
Em breve, o PCP trará a debate algumas das propostas em que insiste há anos para que possam ser em definitivo concretizadas.
Apresentaremos propostas para responder aos problemas da prevenção e do combate aos fogos que é ainda necessário assegurar, bem como ao apoio às vítimas.
Proporemos a limitação rigorosa da plantação de eucalipto, proibindo-a explicitamente em zonas de regadio, bem como a recuperação dos serviços de extensão rural e do corpo de guardas florestais.
Defenderemos que os Planos Regionais de Ordenamento da Floresta, os PROF, que se encontram em revisão, contemplem as medidas e as sanções que prevejam esse ordenamento, e que a vigilância se intensifique, tarefas para as quais reclamaremos que o Ministério da Agricultura disponibilize os meios suficientes.
Proporemos medidas excepcionais para desbloquear todos os projectos em apreciação no IFAP e para colocar a pagamento os apoios já decididos aos pequenos produtores no âmbito do PDR 2020.
Pelo papel que podem desempenhar durante o inverno na limpeza de matas e, durante o período de maior risco de incêndio, em detecção e primeira prevenção, o PCP considera urgente a criação das equipas de sapadores florestais que faltam para atingir as 500 que devíamos ter desde 2012, propondo a definição de um calendário para a sua concretização, bem como o aumento do apoio público ao seu funcionamento.
Para a concretização de todas estas propostas defenderemos o reforço dos meios orçamentais na proporção respectiva.
Os diagnósticos, reafirma-se, estão feitos. E não será nenhuma equipa de supostos técnicos, quem sabe se independentes da Assembleia da República mas dependentes dos interesses em presença, que virá agora descobrir a pólvora.
E anda mal o Governo se insistir agora na chantagem para a aprovação da chamada reforma das florestas. É uma ilusão, é mesmo um logro, afirmar que a aprovação dessa dita Reforma, para a qual o Governo PS decidiu avançar sozinho, sem auscultar as estruturas existentes, é a varinha mágica para tapar o essencial: a falta de investimento, as políticas de restrição orçamental, o desmantelamento das estruturas e serviços do ministério da agricultura, a desvalorização do preço da madeira.
Não se confunda rapidez com precipitação!
Se a Reforma Florestal não está aprovada não é por qualquer capricho do PCP. Não está aprovada porque não responde aos problemas essenciais que atrás sublinhámos.
Senão veja-se:
. Não prevê qualquer dotação financeira para a sua concretização, fantasiando mesmo com a possibilidade de se realizar o cadastro florestal, cujo custo estimado era de 700 milhões de euros, quase sem meios financeiros, transferindo os custos seja para os pequenos proprietários, seja para as autarquias;
. Não trata da necessidade urgente do reforço dos meios humanos e materiais das estruturas do Ministério da Agricultura e Pescas para a intervenção nas Florestas, depauperadas pela saída de milhares de trabalhadores, nos anteriores Governos.
. Prevê novos apoios aos grandes interesses da indústria florestal.
. Não tem qualquer referência à necessidade de valorizar o preço da madeira. Como o PCP tem insistentemente assinalado, sem assegurar um preço justo à produção da matéria lenhosa, sem combater, práticas comerciais agressivas e importações sem controlo, a floresta portuguesa, incluindo de espécies autóctones, esta não será defendida.
. Insiste na tese do esbulho das terras ditas sem dono conhecido, para reverter para uma maior concentração da propriedade
. Ignora, por completo a importante realidade dos baldios - propriedade comunitária, que se encontra consagrada na Constituição da República Portuguesa, e que, não obstante a notável obra realizada, só não deu um maior contributo para o desenvolvimento da floresta e a prevenção e combate dos incêndios florestais, pelos ataques que sucessivos Governos lhes moveram.
Os problemas da floresta portuguesa são resultado da destruição da pequena e média agricultura e do desaparecimento de muitos milhares de explorações familiares, com um papel único na ocupação do território, como consequência da desertificação do mundo rural e do interior do País. São fruto da PAC e suas desastrosas reformas, produto de políticas agroflorestais, orçamentais e de serviços públicos contra os agricultores e o mundo rural.
O PCP não sairá da primeira linha dos que exigirão que seja dada resposta imediata aos que perderam pessoas, bens e economias. Como não deixará de contribuir para atacar as causas mais fundas do problema, encontrar respostas de curto prazo, exigindo que entre comissões de inquérito e polémicas estéreis não se fuja ao que tem de ser feito e há décadas não é feito.
[...]
Estiveram presentes na audição as seguintes entidades:
ASELF - Asociación Española de Lucha Contra el Fuego, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Bucelas, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Loures, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Mourão, Bombeiros Voluntários de Palmela, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Setúbal, BALADI - Federação Nacional dos Baldios, Bombeiros Voluntários do Barreiro - Corpo de Salvação Pública, Bombeiros Voluntários de Sacavém, Bombeiros Voluntários de Vialonga, Companhia de Bombeiros Sapadores de Setúbal, Fórum Florestal - Estrutura Federativa da Floresta Portuguesa, STAL - Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, STML - Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, Liga dos Bombeiros Portuguesa
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