Saramago e as eleições no Brasil
Em 1998.José Saramago (1922/2010) se tornou o primeiro escritor de língua portuguesa ao ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, pelo conjunto de seus romances (Memorial do Convento, A Jangada de Pedra, O Evangelho Segundo Cristo e Todos os Nomes, entre outros), mas principalmente pelo impacto literário e também político de sua obra prima Ensaio Sobre a Cegueira, publicado em 1995.
Nesse livro, Saramago, que nunca escondeu sua condição de comunista, conta a história de uma cidade onde todos, subitamente, vão se tornando cegos, (apenas uma mulher é poupada dessa epidemia branca), e que, pouco a pouco, deixa de lado o modo relativamente civilizado que até existia nas relações interpessoais, para mergulhar na mais completa selvageria numa óbvia alegoria sobre a vida numa sociedade capitalista.
Sobre o livro, o próprio Saramago disse "Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso"
Em 2004, Saramago voltou ao tema da cegueira, agora de outro tipo, a cegueira política, com o livro Ensaios de Lucidez, inclusive introduzindo na história a principal personagem do seu romance Ensaio Sobre a Cegueira ( em 2008, o brasileiro Fernando Meireles, dirigiu Julianne Moore, Mark Rufallo e Alice Braga na versão cinematográfica do livro) a mulher que não perdeu a visão.
O tema é extremamente pertinente para a época eleitoral que vivemos hoje em Porto Alegre, onde uma grande campanha se desenvolve em favor da anulação dos votos, dada a semelhança dos projetos dos dois candidatos, totalmente opostos aos interesses da maioria da população.
Em seu livro, Saramago conta a história de uma cidade, a mesma em que ocorrera o surto de cegueira, onde agora, os eleitores se recusam também a optar entre propostas políticas absolutamente iguais e anti populares.
No dia das eleições, um domingo de muita chuva, as secções eleitorais permanecem praticamente vazias durante a parte da manhã, causando grandes preocupações das autoridades pela possibilidade de que ocorra um número muito grande de abstenções.
No período da tarde, porém se formam grandes filas diante das mesas eleitorais o que tranquiliza as autoridades.
A surpresa virá quando as urnas são abertas e mais de 80% dos votos são em branco. O governo, ameaçado em seu poder, decreta o estado de sítio e desencadeia uma enorme operação policial para tentar descobrir quem estimulou o processo e acaba incriminando a mulher que foi poupada da cegueira.
Nesse livro, Saramago retoma a sua denúncia sobre os limites da democracia numa sociedade capitalista, onde os direitos das pessoas só são respeitados quando não afetam os interessantes da classe dominante.
Quem ler o livro nos dias de hoje, não poderá deixar de perceber que muito dessa fábula política criada por Saramago parece se repetir no Brasil atual, onde a vontade da maioria das pessoas que elegeu em 2014 é desrespeitada pelo conluio de poderosos que comandam o parlamento, o judiciário e a mídia.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS