Um dia depois de um primeiro ataque à mesma comunidade de Guyra Kambi'y e na mesma semana em que o ministro da Justiça foi ao estado para discutir os conflitos de terras, Guarani Kaiowa sofrem com mais violência. Força Nacional teria se negado a garantir a ordem no local porque portaria teria vencido
Novos ataques de fazendeiros aos índios Guarani Kaiowa foram registrados entre a noite desta sexta e hoje (5/9), no sul do Mato Grosso do Sul. As vítimas foram mais uma vez os cerca de 100 indígenas da comunidade conhecida como Guyra Kambi'y, na Terra Indígena (TI) Panambi-Lagoa Rica, no distrito de Bocajá, entre os municípios de Douradina e Itaporã, perto de Dourados. A área foi reconhecida como de ocupação tradicional indígena por um relatório de identificação da Fundação Nacional do Índio (Funai) de 2011.
Fazendeiros e jagunços em caminhonetes teriam disparado contra os indígenas, segundo informação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Hoje, o grupo de aproximadamente 50 pessoas também estaria efetuando disparos e rondando o local para onde os índios recuaram com o objetivo de intimidá-los. Os produtores rurais seguem agrupados, com mais de 20 caminhonetes. Os indígenas estão confinados numa pequena porção de terra, de cerca de dois hectares, que ocupam há quatro anos.
Policiais e represenante da Funai conversam em área próxima a Guyra Kambi'y antes de ataque a índios
Desde o meio da semana, indígenas e Funai vinham solicitando a presença de um efetivo da Força Nacional e da Polícia Federal (PF) suficiente para garantir a ordem em Guyra Kambi'y. Mesmo com risco de novos ataques, no entanto, não houve reação à altura das corporações com esse objetivo.
No final da tarde de ontem, um pequeno grupo de policiais federais e militares foi à Guyra Kambi'y, mas apenas conversou com indígenas e fazendeiros para tentar "mediar o conflito", segundo uma testemunha. Eles alertaram aos produtores rurais que poderiam ser enquadrados no crime de formação de milícia privada. Os policiais ouviram dos indígenas que eles não desistiriam de tentar reocupar seu território e informaram a decisão aos fazendeiros. Depois, os policiais simplesmente foram embora. Logo após, ocorreu o novo ataque.
Era evidente a disposição dos fazendeiros de agir por conta própria para expulsar os índios,
ainda de acordo com essa testemunha. Os agentes de segurança foram acompanhados por funcionários da Funai. Um grupo da Força Nacional também teria ido à área ontem, mas apenas para recolher informações.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, relata que, conforme informou-lhe a assessoria do Ministério da Justiça, a Força Nacional não poderia realizar uma operação na área porque a portaria que determinou sua ida ao Mato Grosso do Sul teria vencido e o governo estadual precisaria solicitar sua presença novamente à pasta. O parlamentar vem informando o que está acontecendo no estado ao ministério e também tem cobrado uma ação enérgica para garantir a segurança dos Guarani Kaiowa.
Na quinta à noite, os fazendeiros realizaram uma primeira ofensiva depois que a comunidade tentara reocupar parte de seu território tradicional dois dias antes. Ela foi alvo de tiros, precisou correr para o mato e seu acampamento teria sido queimado, ainda de acordo com o Cimi (saiba mais). Até agora, não há informação de mortos ou feridos.
No sábado passado (29/8), no município de Antônio João, na fronteira com o Paraguai, Simião Vilhalva Guarani Kaiowa foi assassinado durante outra ofensiva de fazendeiros, na TI Ñande Ru Marangatu, a cerca de 200 quilômetros de Bocajá (leia mais).
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi ao Mato Grosso do Sul no meio da semana para promover um acordo com o objetivo de cessar a violência contra os índios. Em troca do fim das agressões, ele limitou-se a propor a retomada das "mesas de diálogo" entre indígenas e proprietários rurais e a escolha de cinco terras indígenas prioritárias a serem regularizadas.
Em entrevista ao ISA no meio da semana, Pimenta denunciou que solicitou várias vezes nos últimos meses, inclusive na semana em que Vilhalva foi assassinado, ao governo federal que ampliasse o policiamento nas áreas em conflito no estado por causa do aumento da tensão entre fazendeiros e indígenas. O parlamentar avaliou que as autoridades sabiam da iminência de novos crimes e omitiram-se.
"Se não houver uma ação por parte das autoridades no sentido de garantir a presença permanente das forças de segurança em Guyra Kambi'y, o risco de acontecer uma nova tragédia é grande", alerta Cléber Buzatto, secretário executivo do Cimi.
O Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito para investigar possível prática de formação de milícia privada por fazendeiros da região. De acordo com o MPF, em uma troca de mensagens em rede social um representante de um sindicato rural estaria convocando os fazendeiros a promover a remoção forçada de indígenas de Guyra Kambi'y, (Leia a nota do MPF:http://isa.to/1NSSOAh).
O ISA, o Cimi e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entre outras entidades indígenas e indigenistas, vêm cobrando do governo federal a investigação dos crimes cometidos contra os indígenas e a garantia de sua segurança no Mato Grosso do Sul.
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