"Centro-direita tem sucesso ao ver Dilma implementar seu programa"

por Eduardo Graça — Carta Capital

Para historiador norte-americano, governo cria problema para a base do PT ao aplicar programa mais conservador que o proposto pelo PSDB nas eleições

Na mesma terça-feira em que os três grandes jornais diários do Brasil estampavam em sua primeira página a sugestão de renúncia da presidenta Dilma Rousseff pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o norte-americano The New York Times publicou editorial em que critica a política econômica do primeiro mandato Dilma, mas celebra a força das instituições democráticas brasileiras e a postura do governo frente às investigações.

Um do intérpretes mais lúcidos da realidade brasileira na academia americana, o historiador James N. Green, diretor da Brazil Initiative da Universidade de Brown, considera a declaração de FHC parte do “jogo político” e descarta teorias conspiratórias sobre as motivações do jornal norte-americano.

Para o historiador, a situação de Dilma e do PT para o futuro é complicada, uma vez que o governo está implementando uma agenda "mais conservadora do que qualquer medida proposta pelo próprio senador Aécio Neves (PSDB-MG) durante a campanha eleitoral".

CartaCapital: Como o senhor vê o pedido de renúncia da presidente Dilma Rousseff feito em rede social por um de seus antecessores, Fernando Henrique Cardoso? Seria imaginável algo similar acontecer nos EUA?

James N. Green: É jogo político. Há uma tradição nos EUA de os ex-presidentes assumirem uma postura de estadistas maduros, distantes da política partidária ao deixarem a Casa Branca. Mesmo George W. Bush discordando totalmente das políticas de Barack Obama, ele mantém o silêncio público sobre o governo atual.

CC: O editorial de terça-feira do “New York Times” aponta a saúde das instituições democráticas brasileiras e defende a postura da presidenta Dilma em relação às investigações da Operação Lava Jato. O senhor concorda com o núcleo do que o jornal defendeu em suas páginas de Opinião?

JNG: O conteúdo sensato do texto e a inteligência dos argumentos apresentados pelos editorialistas me surpreenderam de forma positiva. Desta vez acho que eles acertaram sim.

CC: O Financial Times já havia publicado editorial na segunda-feira, contrário ao impeachment, mas mais duro com a presidenta, acusada de “ser culpada, pelo menos, de bruta incompetência”, mas afirmando que, se afastada, “ela será provavelmente substituída por outro político medíocre que tentará implementar as mesmas políticas econômicas do atual governo”. Parte da esquerda brasileira defende que estes editoriais fazem parte de um 'concerto' de interesses contra o impeachment ou a renúncia, que inclui, além dos setores produtivos brasileiros, o governo americano e Wall Street, interessados em preservar o terceiro maior mercado global para os grandes investidores americanos. O senhor acredita nesta tese?

JNG: O objetivo principal do meu livro Apesar de vocês: a oposição à ditadura militar brasileira nos EUA, 1964-85 foi justamente a tentativa de investigar análises mais simplificadas em torno dos “interesses” norte-americanos no Brasil. Ora, se o New York Times está se posicionando contra a renúncia da presidenta Dilma Rousseff para defender os interesses das forças citadas em sua pergunta, teríamos, pela mesma lógica, que argumentar que FHC, ao pedir a saída de Dilma, se posiciona decididamente contra os banqueiros brasileiros. Como a gente diz em inglês, você não pode defender logicamente as duas premissas ao mesmo tempo. Considero ser sim bem plausível que os editores do New York Times condenem o impedimento de um governo democraticamente eleito quando não há indicação de violações constitucionais.

CC: No que a recente viagem da presidenta Dilma aos EUA ajudou o governo do PT, na prática, neste momento complicado de crise?

JNG: A visita aos EUA foi uma tentativa da presidenta Dilma de destacar sua atuação no palco mundial e de que ela seria capaz de superar os atritos anteriores e de fato se reconciliar atritos com a Casa Branca. Mas os problemas mais graves que ela enfrenta no momento são domésticos e não internacionais.

CC: Uma das razões para a 'calmaria' relativa no Palácio do Planalto esta semana, apesar das grandes manifestações de domingo 16, é a parceria estabelecida com o Senado, na figura do presidente da instituição, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), em torno de sua “Agenda Brasil”, recheada de pontos conservadores, duramente criticada pelos setores progressistas. Este movimento do governo confirmou a busca de uma boia de salvação, ainda que seja Calheiros, para se seguir até 2018?

JNG: Em geral, os que defendem a renúncia ou o impeachment de Dilma concordam tanto com a política econômica de Levy quanto com as medidas conservadores propostas pelo senador Calheiros. Ou seja, o governo de Dilma e os seus aliados buscam implementar um programa econômico e social que é mais conservador do que qualquer medida proposta pelo próprio senador Aécio Neves (PSDB-MG) durante a campanha eleitoral. A base do PT fica com um grande problema: defender o governo ou criticar estas medidas. O que se observa é o maquiavelismo dos setores de centro-direita no Brasil, que estão tendo sucesso ao ver Dilma implementando o programa deles.

CC: Qual a sua avaliação dos protestos deste fim de semana? A oposição diz que não se deve avaliar os protestos exclusivamente pelo número de pessoas nas ruas (menos gente do que março, maior do que abril). Setores do PT buscaram desqualificar os que foram às ruas destacando nas redes sociais aqueles que pediam a volta da ditadura e os personagens mais caricatos. Qual é a mensagem das ruas?

JNG: Sem dúvida, há um grande descontentamento dos eleitores que não votaram em Dilma e de outros que a apoiaram e se desiludiram com a avalanche de denúncias de corrupção nos últimos meses. Observei os protestos de domingo pela imprensa, e, pelas reportagens, parecia um evento festivo. Neste sentido carnavalesco me lembrou a Parada LGBT em São Paulo, que mobiliza 10 a 20 vezes mais pessoas. A comparação me faz questionar, por exemplo, por que a grande imprensa não se engajou em uma campanha 10 ou 20 vezes maior antes e depois da parada LBGT para incentivar a lei contra o homofobia ou o fim da discriminação de homossexuais nas forças armadas?

Por que os políticos que participaram nas mobilizações do domingo passado e reclamam da falta de democracia no país neste momento não se juntaram, por exemplo, para tratar de temas como a necessidade de plena cidadania para os LGBT? Por que mobilizações democráticas muito maiores do que os protestos de domingo, e centrados na reivindicação de uma sociedade mais justa, não recebem o mesmo apoio? Acho que a intenção dos organizadores e das forças proeminentes que sustentaram as mobilizações é uma jogada puramente política para conseguir que a presidência caia nas mãos da centro-direita. É o desejo do golpismo, mas os militares ainda não estão disponíveis a tomar o poder.

CC: Qual a importância da presença de Aécio Neves nos protestos e da decisão do PSDB de partir para a campanha aberta pelo impeachment?

JNG: Ilustra o movimento dos setores de centro-direita no sentido de polarizar ainda mais o País com o objetivo de forçar a renúncia de Dilma. Mas acho muito difícil ela renunciar sem provas direitas ligando a corrupção à Presidência. Ela resistiu à tortura, é uma pessoa teimosa e determinada. E como a tradição de corrupção no Brasil tem mais de 500 anos e contaminou toda a sociedade, exatamente como a escravidão afetou o País durante 350 anos, o PSDB corre grandes riscos de não poder voltar ao “business as usual” se eles conseguirem de fato derrubar o governo de Dilma e impor um outro político na presidência. Se o governo Dilma cair desta maneira, vai ser difícil retomar a discussão sobre a corrupção nos moldes do que assistimos neste momento.

Texto: / Postado em 20/08/2015 ás 14:54

 

 

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