Há algo de absurdo, mas também de terrivelmente revelador na a ameaça de ser acusado por Alta Traição, que pesa agora sobre Yanis Varoufakis. A ameaça lança luz nua e cruel sobre o fato de que a Eurozona está convertida em animal perigoso, mais precisametne, em tirano, que não se deixa conter por nenhuma lei ou regra.
Os fatos
Yanis Varoufakis, como Ministro das Finanças, tomou a decisão dehackear o sistema de dados do Gabinete de Arrecadação do governo grego. Já várias vezes falamos, nesse espaço, sobre esse "plano B", e é disso que se trata agora, motivo de todas as críticas contra Varoufakis. Mas essa decisão foi tomada de acordo com o primeiro-ministro Alexis Tsipras.
A decisão sobre o sistema de dados do Gabinete de Arrecadação foi tomada porque aquele gabinete já estava, de fato, sob controle de gente da "troika", quer dizer, do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia.
Fato é, portanto, que quem cometeu ato de Alta Traição, ao admitir que (não uma, mas várias) potências estrangeiras assumissem o comando da arrecadação do governo grego, foi António Samaras, primeiro-ministro conservador derrotado nas eleições do dia 25 de janeiro. Ele e só ele é responsável integralmente por tudo que então aconteceu.
A decisão de Varoufakis visava a implementar sistema de pagamentos paralelo, que permitiria ao governo grego escapar do bloqueio dos bancos organizado pelo Banco Central Europeu, desde o final do mês de junho 2015. O sistema de pagamentos concebido por Varoufakis era medida necessária, para evitar a destruição do sistema bancário grego provocada por ação do Banco Central Europeu. Essa ação ilegal do BCE pôs em risco todo o sistema bancário, quando uma das missões daquele banco,bem claramente exposta na carta de fundação do Banco Central Europeu, é precisamente garantir o bom e regular funcionamento desse sistema bancário.
Se Yanis Varoufakis devesse ser acusado, seria lógico e justo que o presidente do Banco Central Europeu, M. Draghi, e o presidente do Eurogrupo, M. Dijsselbloem, também fossem acusados.
É verdade que esse sistema paralelo de pagamento poderiatambém permitir passagem mais rápida do euro para a dracma, mas Varoufakis, conforme declarou, noticiado por The Telegraph, considerava essa uma última e extrema possibilidade.
Acusação absurda
Indiciar o ministro Varoufakis é, portanto, ato absurdo. O fato de Varoufakis estar sendo defendido por personalidades como Mohamed El-Erian, economista-chefe do grupo Allianz e presidente de um colegiado de economistas especialistas que trabalham na equipe do presidente Obama dos EUA, mostra eloquentemente que o que Varoufakis fez ele o fez considerando o superior bem do Estado ao qual servia como ministro de Finanças.
O indiciamento de Varoufakis, se acontecer, será ato de pura violência política e de vingança, das autoridades europeias, contra homem que ousou, apoiado no voto da maioria de seu povo, desafiá-las. O indiciamento, se vier a confirmar-se, só será possível com a cumplicidade de Alexis Tsipras, que nesse caso teria abandonado seu ministro e estaria fugindo às suas específicas responsabilidades como presidente.
Sejam quais forem as diferenças que tenhamos com o Sr. Varoufakis, e seja qual for a opinião que sobre ele tenhamos formado, sobre sua relutância a mudar o curso da ação, nada, no que ele tenha feito poderá algum dia ser considerado Alta Traição. Todos os economistas têm o dever de levantar-se em apoio a Yanis Varoufakis.
Implicações
O indiciamento, se acontecer, ser altamente revelador da atitude neocolonialista das autoridades europeias, hoje, diante da Grécia, como também para outros países.
Stefano Fassina, ex-vice-ministro das Finanças do governo italiano e membro do Parlamento, além de figura destacada do Partido Democrático italiano, hoje no poder, escreveu em artigo publicado no blog de Yanis Varoufakis:
"Alexis Tsipras, Syriza e o povo grego têm inegavelmente o mérito histórico de ter arrancado o véu da retórica e da objetividade técnica dos europeístas, que só existem para encobrir a real dinâmica na Eurozona" (...). "Temos de admitir que na arapuca neoliberal que é o euro, a esquerda perde sua função histórica e morre como força dedicada à luta pela dignidade e relevância política dos trabalhadores e da cidadania social, como veículo de efetiva democratização."
E conclui:
"Para uma des-integração administrada da moeda única, temos de construir uma ampla aliança de frentes nacionais de libertação."Essa perspectiva é hoje inteiramente justificada. A Eurozona já está revelada como uma máquina de guerra a serviço de uma ideologia - o neoliberalismo - e de interesses corporativos, sejam da finança sejam de oligarquias internas no continente. A perspectiva que Stefano Fassina apresenta é a que se apresenta à nossa frente, a saber: constituir "uma ampla aliança de frentes nacionais de libertação" dos países da Eurozona, para forçar o tirano a curvar-se e para desmantelar a Eurozona.
31/7/2015, Jacques Sapir, Hypotheses "Euronotes" (ing., trad. de Anne-Marie de Grazia)